Demissões: opinião política pode render demissão por justa causa? Entenda (Pattanaphong Khuankaew / EyeEm/Getty Images)
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.” (Berthold Brecht)
Ressalvadas a opinião de quem entenda ofensivas tais palavras do dramaturgo, é louvável constatar a preocupação, cada vez maior, do brasileiro buscar ser um alfabetizado político (ou ao menos tentar). O convite à reflexão deste artigo, porém, é que ser um alfabetizado político não autoriza ofender outros empregados da empresa ou mesmo impor candidatos políticos aos empregados.
Se, por um lado, essa preocupação com a política brasileira se tornou mais notória nos últimos anos — com acentuada polarização —, por outro, o Direito do Trabalho tem se deparado com questões outrora não tão imanentes, reiteradas.
A constatação é válida tanto para atos praticados pelo empresariado, que pretende impor um candidato aos empregados, quanto aos empregados que pretendem impor seu candidato a outros empregados, violando a honra daqueles que trabalham na mesma empresa e que, por sua vez, pode acarretar a rescisão contratual por justa causa.
No ano de 2007, quando a polarização política não era tão acentuada como atualmente, o Tribunal Superior do Trabalho condenou uma empresa por prática de assédio moral ao impor candidato político aos empregados. Na ocasião, os contratos de trabalho eram por prazo determinado (safristas) e o candidato político era filho do diretor da empresa e concorria à prefeitura de uma cidade do estado do Sul do país.
Depois da análise de provas, o Judiciário declarou que a empresa fazia reuniões com os empregados, “verdadeiros comícios políticos”, e eram feitas ameaças de que o não atendimento das exigências patronais implicaria a não contratação na safra seguinte.
Dias depois do resultado da eleição, com a perda do candidato apoiado pela empresa (filho do diretor), os empregados na ativa não conversavam com os demitidos para não perderem o emprego ou a confiança do empregador.
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A conduta empresarial comprometeu indevidamente o ambiente de trabalho. O julgado reconheceu, por meio de prova testemunhal, que o empregador suprimiu o direito dos empregados de escolherem seu próprio candidato, violando os direitos da personalidade constitucionalmente protegidos.
Deste exemplo, verifica-se que a liberdade de escolha e liberdade de expressão são direitos assegurados aos empregados e a todos os cidadãos. Ao interferir e, além disso, impor um candidato aos empregados, a empresa comete assédio moral, minando a autoconfiança da pessoa física em relação à forma como este compreende a política e o destino que pretende para seu país, cerceando a liberdade de escolha e consciência política própria.
A premissa de respeito vale igualmente para os empregados, que devem observar a consciência, a liberdade e pluralidade de opinião política de seus pares no ambiente de trabalho, não somente pelo princípio básico e óbvio de respeito que se deva ter com o próximo, mas porque — na prática — pode acarretar a demissão por justa causa.
No dia 26 de novembro de 1964, o Brasil ratificou a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que dispõe sobre Discriminação em matéria de emprego e ocupação, definindo como discriminação “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”.
De igual maneira, já no dia 24 de março de 1993, o Brasil ratificou a Convenção 168, também da OIT, que dispõe acerca da Promoção do Emprego e Proteção Contra o Desemprego, assegurando a garantia à igualdade de tratamento para todas as pessoas protegidas, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, religião, opinião pública, ascendência nacional, nacionalidade, origem étnica ou social, invalidez ou idade”.
Independente do partido político, a igualdade de tratamento deve ser observada pela empresa a todos os empregados. Recorde-se, ainda, que no dia 13 de abril de 1995 houve a promulgação da Lei nº 9.029, que proíbe a prática de atos discriminatórios, além de previsões de tutela jurídica na Constituição Federal. Ou seja, demitir um empregado em razão de sua opinião política poderá ser considerado como ato discriminatório, a depender da análise da conduta, dando margem à reintegração no emprego.
Contudo, a liberdade de expressão do empregado não é absoluta e comporta exceções, inclusive a permitir a demissão por justa causa.
Em algumas situações, exceder o limite da liberdade de expressão pode ocasionar em uma demissão por justa causa
O art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho prevê a possibilidade da demissão por justa causa em virtude de “ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”, bem como a aplicação da justa causa decorrente de “ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”.
Ou seja, uma vez que se caracterizar ato lesivo à honra ou boa fama praticado contra qualquer pessoa (empregado ou terceiros no serviço), empregador ou superior hierárquico, o empregado está sujeito a ser demitido por justa causa. A liberdade de expressão não é liberdade para agressão.
Em um país cada vez mais polarizado politicamente, em que famílias rompem o vínculo familiar em razão de opiniões políticas, é possível imaginar atos lesivos à honra ou ofensas físicas no trabalho, competindo ao empregador a responsabilidade de zelar e tutelar o meio ambiente de trabalho.
Neste caso, para a caracterização da justa causa é necessário o preenchimento de requisitos, a saber:
O ato político praticado pelo empregado deve ser grave, apto a comprometer a relação de confiança entre as partes, tal como uma situação em que um empregado hostiliza um cliente do empregador em razão da opinião política, comprometendo a relação comercial de seu empregador com o cliente da empresa, assim como pode ocorrer em uma agressão física ou à honra de outro empregado por intolerância política.
Apenalidade aplicada ao empregado faltoso deve ser imediata, tão logo o empregador tenha ciência que o ato político ocorreu. Em casos de sindicância, para verificação do ato político praticado, a imediatidade estará presente a partir da aplicação da medida disciplinar ao término imediato da investigação, que deve ser concluída o mais rápido possível.
Oato político praticado deve ocorrer no ambiente de trabalho, em razão do contrato de trabalho e vínculo de emprego. Ou seja, o ato político praticado por empregado que estava em um churrasco de domingo com amigos para comemorar o título de seu clube de futebol, que não tenha relação com o emprego, descaracteriza o nexo causal, que ocorre quando o ato faltoso possui nexo de causa com o contrato de trabalho.
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Um ato político pode ser escusável caso se demore à aplicação da rescisão por justa causa. O perdão para o ato político praticado não precisa ser expresso de modo que a demora na aplicação de medida disciplinar poderá descaracterizar a rescisão por justa causa. Ou seja, se a causa é justa e apta a rescindir o contrato de trabalho, não pode haver comportamento por parte do empregador que se interprete como um perdão.
O ato político praticado pelo empregado, para acarretar a justa causa, deve estar respaldado nas modalidades previstas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho, podendo ocorrer desde uma violação à honra e boa fama, mencionada acima, como uma indisciplina de um procedimento empresarial, que veda a prática de questões políticas por meio de ferramentas da empresa (e-mail, telefones ou mídia social que pertençam à empresa).
O tempo de emprego, o histórico do empregado na empresa, deverá ser observado para a caracterização da justa causa. Ou seja, um empregado que trabalha há muitos anos na empresa, que nunca recebeu uma medida disciplinar, e faz uma rápida menção do candidato político que votará nas próximas eleições, poderá ser reintegrado caso demitido por justa causa.
Isso acontece tendo em vista que o seu histórico deve ser respeitado ao ato de pouca gravidade que foi praticado naquele contexto da reunião. O ato faltoso deve, portanto, ser medido, sopesado, comparado ao “tempo de casa” do empregado.
Por sua vez, no Brasil, a rescisão do contrato de trabalho sem justa causa não exige uma motivação e justificativa por parte do empregador. Ou seja, é possível que o empregador rescinda o contrato de trabalho sem que o empregado saiba que foi demitido em virtude de um ato político praticado no interior da empresa.
Como mencionado no tópico anterior, a justa causa pode ser caracterizada por ato de indisciplina do empregado, que se caracteriza quando o empregado deixa de observar uma norma empresarial.
Dessa forma, o empregador que pretenda zelar pelo meio ambiente de trabalho, evitando questões políticas que possam comprometer suas relações comerciais ou mesmo afetar o bom convívio no ambiente de trabalho entre seus empregados, poderá elaborar um procedimento empresarial contemplando regras a serem observadas pelos empregados.
Respeitar a liberdade de expressão individual é importante, da mesma maneira como tutelar o meio ambiente de trabalho e a pluralidade de opiniões políticas internamente.
Por exemplo, o procedimento empresarial poderá prever que a opinião política por meio de ferramentas da empresa, especialmente que possam comprometer a atividade empresarial, como e-mail, mídias sociais pertencentes à empresa ou reuniões de trabalho, deverão ser evitadas pelos empregados.
Trata-se do Poder Diretivo do empregador destinado a organizar e disciplinar o trabalho praticado pelos empregados, impedindo que as questões políticas comprometam o convívio entre estes, a pluralidade de opiniões políticas, ou suas relações comerciais com os clientes.
Logo, esta norma empresarial poderá prever a aplicação de medidas disciplinares caso haja descumprimento por parte do empregado, devendo ser compatibilizada com o direito à opinião política, sempre a partir de uma razoabilidade entre a tutela do meio ambiente de trabalho, a liberdade de expressão e a pluralidade de opiniões.
Não raro, as mesas de negociações coletivas de trabalho com o sindicato trazem consigo questões políticas, a exemplo de conversas preliminares antes de adentrar-se à análise das pautas de reivindicação, em que os interlocutores das empresas e dos sindicatos conversam sobre o futuro das negociações coletivas com a proximidade das eleições presidenciais.
Recentemente, tive a oportunidade de ouvir de sindicalista que, em eventual mudança do governo, haveria a “revisão da Reforma Trabalhista e não propriamente uma revogação da Reforma Trabalhista”. Trata-se de questões que, além do contexto político, impactam nas análises preditivas de risco dos contratos de trabalho por parte das empresas, provisionamentos, orçamentos e políticas de compliance (lembrando que o melhor compliance de uma empresa é o sindicato, que aponta irregularidades e permite correções pelo empresariado).
Ou seja, a política faz parte da mesa de negociação e seria um contrassenso o empregador exigir que seu empregado não fale de política com o sindicato ou abstenha de dar sua opinião política em negociações coletivas com as entidades sindicais.
Respeitado esse exemplo das negociações coletivas, que exigem a liberdade e respeito da empresa à opinião política de seu empregado interlocutor com o sindicato, por ser inerente à função de negociador, o procedimento empresarial poderá ser elaborado pelo empregador e, uma vez não cumprido pelo empregado, poderá haver a rescisão contratual por justa causa em razão de ato de indisciplina pelo descumprimento das regras empresariais previstas no procedimento empresarial.
“Estado de Direito Sempre!”
Ou seja, neste artigo, a liberdade de expressão foi analisada sob a perspectiva da relação de empregadores com seus empregados e entre os próprios empregados. No entanto, entende-se que o respeito ao direito de escolha, à liberdade de expressão e à pluralidade de opiniões políticas, deva ser assegurado pelos governantes.
O exemplo deve vir de cima (dos líderes para os liderados; dos governantes para a sociedade). Afinal, independente do candidato ou partido político, o que deve prevalecer é o “Estado de Direito Sempre!”, de ontem, de hoje e do futuro para as próximas gerações.
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