Conselheiras: elas estão em apenas 7,9% do total de assentos dos conselhos de administração das empresas listadas na bolsa (Stock Exchange)
Tatiana Vaz
Publicado em 8 de março de 2017 às 13h00.
Última atualização em 13 de março de 2017 às 10h03.
São Paulo – As mulheres que estão aqui deveriam estar pilotando enceradeiras, comentou irônico um dos professores de Heloísa Bedicks em uma de suas primeiras aulas do curso de graduação em Economia, na década de 80. A sala era composta, na época, 60% por alunos e 40% por alunas, o que não abalou tal docente de fazer o comentário.
“Me senti muito agredida com aquilo. Hoje sei que é uma questão de timing para que mais mulheres ocupem espaço em conselhos e cargos de liderança”, diz ela.
Superintendente-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa desde 2011, Bedicks foi aluna da primeira turma do curso de conselheiros de administração do IBGC, órgão máximo do assunto no Brasil.
Ainda assim, sabe que desbravou um caminho pouquíssimo explorado por outras executivas.
Uma pesquisa feita em 2016 pelo próprio IBGC apontou que as mulheres ocupam apenas 7,9% do total de assentos dos conselhos de administração das 339 empresas listadas na bolsa brasileira. O percentual teve um avanço pífio desde 2012, quando o mesmo estudo foi feito – o índice, naquele ano, ficava em 7,7%.
Os motivos abrangem questões culturais complexas e socioeconômicas, como o fato da mulher ainda ganhar menos que o homem, acredita a superintendente.
“Primeiro, esses cargos mais estratégicos são escolhidos por indicação de outros conselheiros que, por sua vez, escolhem seus pares, geralmente homens”, comenta ela. “Mas há também as decisões cruciais tomadas pelas mulheres ao longo da vida, em especial quando têm filhos”.
Muitas não conseguem conciliar a vida profissional e pessoal nessa etapa da vida e, no caso da promoção dos maridos para outros estados, são elas que usualmente abrem mão da carreira.
No quadro geral, as mulheres ocupam 40% dos conselhos das companhias litadas do país, a maioria em áreas de especialização em RH ou Marketing, áreas fora das usuais de um conselheiro, em geral formado em economia, administração, engenharia e direito.
“Falta mulheres CFO, COO, CEO no país, falta presença feminina na liderança das grandes empresas e está provado que negócios que investem nisso, se saem melhor” conclui ela.
Em 2013, dados colhidos pela McKinsey mostraram que companhias com uma ou mais mulheres em seus comitês executivos obtinham retorno sobre o patrimônio 44% maior e margem de lucro antes dos impostos 47% acima do que os registrados por aquelas com apenas homens nessas posições.
Cota ou mérito
Conselheira da administração da gigante de energia CPFL há dois anos, a contadora Ana Maria Elorrieta trabalhou por 35 anos na consultoria PwC antes de se dedicar ao desafio. Sua entrada no conselho foi por indicação de uma outra conselheira mas, deixa claro, por mérito profissional e pelo poder de agregar uma visão diferenciada ao cargo.
“Acredito que mais mulheres se tornarão conselheiras à medida que os próprios conselhos de administração das empresas brasileiras se tornem mais profissionais”, diz Elorrieta. “Quanto mais plurais, com especialistas em áreas distintas e de gêneros diversos, melhores eles serão”.
Questionadas sobre o quanto cotas poderiam ajudar nesse avanço, tanto Bedicks quanto Elorrieta concordam: meritocracia é o melhor caminho, ainda que o menos rápido.
Ambas usam o argumento de que a adoção de cotas nas empresas cria o risco de escolher pessoas menos qualificadas para apenas cumprir com a obrigação.
“Isso não é necessário, já que há muitas profissionais altamente qualificadas no mercado”, afirma a conselheira da CPFL.
O sistema de cotas para mulheres em conselhos de administração ajudou a fazer da Noruega a líder entre os países com mais diversidade de gênero na função – a porcentagem por lá é de 40,5%. França, África do Sul e Holanda também figuram entre as dez nações mais bem posicionadas no quesito – Brasil ocupa o 26º lugar no ranking.
“Não acreditamos que algo imposto pelo governo seja benéfico, mas conscientizamos as empresas de que a diversificação de gênero é o melhor caminho”, afirma Bedicks.
O IBGC tem um programa de mentoria para executivas interessadas em atuar em conselhos que já está na segunda turma, uma troca de experiências entre conselheiros atuantes com 23 profissionais interessadas em trabalhar na área.
“Muitas já saíram do programa como conselheiras por puro mérito”, diz a superintendente.
A iniciativa acontece em parceria com o Women Corporate Directors (WCD) e tem apoio International Finance Corporation, braço financeiro do Banco Mundial, além de um grupo independente de pessoas envolvidas com a causa.
Diversidade nas empresas
Uma pesquisa exclusiva da PwC analisa o que as companhias podem fazer para atrair e reter mais talentos femininos e ressalta a importância de incorporar a diversidade no negócio.
O levantamento intitulado "Ganhando a luta pelo talento feminino: como obter a vantagem da diversidade através do recrutamento inclusivo" entrevistou 4.792 profissionais (3.934 mulheres, 845 homens) de diferentes tipos de empresas e países. Em paralelo, 328 responsáveis por diversidade ou recrutamento em grandes companhias foram ouvidos.
Em linhas gerais, a pesquisa mostra a consciência dos CEO´s de que muito pouco foi feito por eles para o avanço em equidade de gênero nas companhias - ainda que hoje eles tenham uma vontade real de fazer com que isso aconteça.
O estudo mostra que 76% dos empregadores incorporaram diversidade e inclusão em suas bandeiras, ainda que apenas 28% tenham um programa formal de retenção de mulheres e oportunidades iguais de progresso dentro da empresa.
A possibilidade de progredir na carreira é uma das três características mais atraentes para executivos, sejam homens ou mulheres. Mas para a maioria delas (67%), o fato da corporação ter um modelo de gestão inclusivo pesa muito mais na hora de aceitar uma proposta.
Ainda assim, 28% das entrevistadas disseram ter a percepção de que os empregadores são tendenciosos ao optaram em favor de candidatos homens na hora de contratar – a porcentagem era menor, de 16%, em 2011, quando um estudo semelhante foi feito.