Negócios

Empreendedorismo feminino cresce com a digitalização no Brasil

Pandemia acelerou a transformação digital de negócios, forçando mulheres a superar barreiras e inovar no mercado virtual

Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME): “Ainda há uma parcela que passa à margem da digitalização e precisa de crédito, acesso à tecnologia e mais apoio.”

Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME): “Ainda há uma parcela que passa à margem da digitalização e precisa de crédito, acesso à tecnologia e mais apoio.”

Caroline Marino
Caroline Marino

Jornalista especializada em carreira, RH e negócios

Publicado em 26 de dezembro de 2024 às 14h00.

A história de vida e carreira da cabeleireira Nara Ribeiro, de João Pessoa (PB) mudou completamente em 2020, com a pandemia de covid-19. Acostumada a atender aos clientes nos salões de beleza ou em domicílio, e sem nenhuma familiaridade com a tecnologia, ela se viu perdida com as imposições de isolamento.

“De um dia para o outro tudo parou, e a sensação foi de que não havia um caminho. Eu não tinha nenhum dinheiro guardado e nunca imaginei que era possível exercer minha profissão, que é totalmente ligada ao contato presencial, de outra maneira”, diz.

Fora isso, os meios digitais, como plataformas e redes sociais – que despontaram como uma forma de rentabilidade – eram algo bem distante de sua realidade. “Via pessoas começando a produzir conteúdos na internet, por exemplo, mas nunca imaginei que também poderia fazer isso. Sempre fui tímida; não gostava da minha voz e nem tinha habilidade com a tecnologia”.

Mas ela tinha um sonho engavetado e encontrou uma rede de apoio potente para iniciar uma transformação pessoal e digital – assim como tantas outras mulheres que precisaram se reinventar e digitalizar seus negócios.

Até porque não havia alternativa. Uma estimativa de integrantes da Emerging Multinationals Research Network (EMRN), rede internacional de pesquisadores, mostrou que a aceleração da digitalização durante a pandemia foi de aproximadamente dez anos. Isso quer dizer que, mesmo quem não pensava no assunto – seja por falta de conhecimento ou por não achar que era necessário –, teve que se adaptar.

Segundo pesquisa feita pela RME com 1.555 empreendedores, entre setembro e outubro de 2020, quase um ano após o início da maior crise sanitária do mundo, mostrou que apenas 34% das mulheres se diziam muito confiantes com o uso do digital, enquanto 51% dos homens falavam o mesmo. E mais: boa parte delas só começou a utilizar site próprio, e-commerce ou marketplace durante esse período.

55,5% das empresas criadas durante a
pandemia foram abertas pelo público feminino
Fonte: Global Entrepreneurship Monitor (2020) em
parceria com o Sebrae

“Antes da pandemia, já havia um movimento de mulheres, que tinham acabado de ser mães ou estavam em uma transição entre mundo corporativo e o empreendedorismo, buscando o e-commerce como alternativa, mas de forma tímida. Com a covid-19, isso virou exponencial”, diz Carolina Moreno, CEO e fundadora do Mulheres no E-commerce, que passou de uma comunidade com 3 mil mulheres para mais de 60 mil atualmente.

De acordo com ela, foi nítido que havia uma “bolha” sobre o entendimento da tecnologia versus a realidade do Brasil. “Foi preciso começar a estourá-la. Muitas mulheres não sabiam mexer direito no celular, muito menos vender em um marketplace ou usar as redes sociais.”

Rede de apoio

Essa bolha começou a se dissipar a partir da generosidade. Ribeiro, por exemplo, a cabeleireira citada no início deste texto, conseguiu driblar medos, suprir lacunas de conhecimentos e se reinventar quando entrou em um grupo de WhatsApp criado pelo Tresbê D.E.L.A.S. – um espaço de acolhimento, crescimento e transformação para mulheres empreendedoras.

Por lá, pôde trocar ideias, ser acolhida e receber mentoria sobre como se posicionar no mundo virtual. “Lá atrás, em 2015, cursei Cosmetologia porque me incomodava com a realização de procedimentos que considerava agressivos à saúde das clientes, como a selagem. Pensava, até, em ter uma marca própria”, conta. No entanto, segundo ela, faltava um entendimento maior de negócios.

“Pouco antes da pandemia, cheguei a comprar alguns insumos para iniciar a produção de cosméticos capilares ao lado de um amigo, mas ele desistiu e me vi sozinha. Veio a covid-19, tudo fechou e a ideia ficou apenas na minha cabeça, sem plano de negócios.”

Por meio de aulas e conversas virtuais disponibilizadas pela Tresbê, ela aprendeu sobre vendas e posicionamento nos meios digitais, como Instagram, WhatsApp e marketplaces, planejamento estratégico e organização financeira. Também fez capacitação em oratória para começar a produzir conteúdos online. Além disso, os produtos passaram a ser vendidos em uma plataforma criada pela Tresbê.

“Para a minha surpresa fui a empreendedora que mais vendeu por lá. Isso me motivou a não parar mais”. Atualmente, ela segue desenvolvendo e vendendo seus produtos – são três linhas e, em 2025, a quarta deve ir para o mercado –, abriu um salão físico e produz conteúdo nas redes sociais.

Segundo Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME), essa realidade da falta de letramento digital foi escancarada pela pandemia.

“Percebemos que tínhamos uma visão errada do cenário, como se todos estivessem muito preparados. Mas havia um passo anterior essencial que não havia sido trabalhado: a capacitação de ponta a ponta”, explica.

Isso porque, a transformação digital vai muito além de usar redes sociais ou aplicativos de mensagem. Assim, foi preciso desenvolver uma série de capacitações e tutoriais sobre como utilizar as ferramentas de videoconferência para reuniões, os aplicativos de mensagens para vendas, sem misturar as questões pessoais e de negócio, de que forma ter um e-commerce mesmo sem possuir um site, e como utilizar o conhecimento para atrair clientes por meio das redes sociais. “Até nossa plataforma de cursos precisou ser adaptada para que todas conseguissem ter acesso.”

Outra medida fundamental para o avanço da transformação digital das empreendedoras foi o estabelecimento de parcerias. Tanto a RME quanto a Mulheres no E-commerce buscaram empresas de marketplaces, para abrir mais oportunidades de vendas, e escolas de negócios para desenvolver capacitações. O Sebrae foi um parceiro nesse sentido.

A instituição já atuava com EAD, mas intensificou o modelo. Renata Malheiros, gestora nacional do Sebrae Delas e especialista em empreendedorismo feminino, ressalta que muitos negócios tradicionais, como mercearias, foram para o online. Com isso, as empreendedoras entenderam que o mercado virtual é possível para empresas de pequeno porte e da área de serviços.

Da mesma forma, passaram a ver as grandes plataformas de vendas como uma opção e as redes sociais como uma possibilidade de dialogar com clientes. “Vemos, cada vez mais, o digital aumentar a competitividade das pequenas empresas lideradas pelo público feminino”, diz ela. 

Impulso para se reinventar

Apesar de muitos impactos negativos, como o fechamento de negócios liderados por mulheres, a pandemia também deu um impulso para muitas se reinventarem e transformarem suas carreiras.

É o caso da paulistana Bianca Alves Soares, fundadora da Type Media, que atua na gestão de redes sociais e na criação de identidade visual. Depois de trabalhar em grandes lojas de varejo no shopping e em salões de beleza com extensão de cílios, em 2019, ela decidiu empreender na área da beleza para ganhar mais e ter mais tempo com o filho, que tinha acabado de fazer um ano. “Busquei inspiração em minha avó materna, que me criou e já faleceu, e em meu avô, que depois de aposentado resolveu empreender”.

Soares conseguiu capital em um banco, comprou os equipamentos de que precisaria, como macas, materiais para aplicação dos cílios e de higiene, e organizou um espaço na sua casa. Mas veio a pandemia e ela se viu com uma dívida e sem perspectivas. “O desespero bateu, ainda mais por ser mãe. Infelizmente, muitas pessoas inviabilizam o trabalho da mulher depois da maternidade e tive receio de não conseguir voltar ao mercado”, diz.

Por sempre ter atuado no ambiente físico e em contato direto com os clientes, os caminhos pareciam realmente fechados. Foi então que seu marido e grande apoiador, sugeriu que ela atuasse no gerenciamento de redes sociais. “No início não acreditei muito na ideia, mas comecei a estudar desde identidade visual, até posicionamento virtual, tráfego pago e ferramentas de análises”, lembra.

Além disso, Soares, que já lidava bem com a internet, passou a registrar sua jornada de estudos nos Stories. “Até que uma prima propôs que eu fizesse a gestão das redes sociais da sua empresa. Ao receber o primeiro salário, que era muito maior do que eu recebia, vi que o negócio tinha potencial e busquei profissionalização.”

Uma das iniciativas foi entrar em grupos online de mulheres para divulgar o trabalho e buscar treinamentos na Rede Mulher Empreendedora e no Sebrae, como de organização financeira e ferramentas digitais voltadas ao negócio. “Ter essa rede de apoio foi fundamental.

Além de compartilhar conhecimento com outras mulheres e aprender, foi um ambiente de muito apoio e acolhimento”. E a jornada profissional de Soares tomou outro rumo. “Foi uma transformação forçada, mas que mudou a minha vida”. Atualmente, ela tem clientes no Brasil e fora do país, como nos Estados Unidos, Espanha e Reino Unido.

Barreiras que ainda persistem

Apesar de a pandemia ter impulsionado a transformação digital de muitas empreendedoras, ainda há um caminho a percorrer, como reforça Ana Fontes, da RME. Segundo ela, muitos negócios, principalmente os bem pequenos e locais, continuam sendo de subsistência e sobrevivência.

“Para essas empresas, a realidade segue a mesma porque além da digitalização, é necessário mais acesso ao crédito e auxílio na formalização do negócio. Precisamos, ainda, investir em educação empreendedora de forma mais ampla”, afirma. Isso exige o envolvimento de mais atores nesse cenário, não só de instituições como RME, Sebrae e Mulheres no E-commerce.

Fontes ressalta que boa parte dos movimentos de colaboração iniciados por empresários na pandemia, não se manteve. “Ainda há uma parcela que passa à margem da digitalização e precisa de crédito, acesso à tecnologia e mais apoio.”

“Precisamos mudar a ideia de que meninos são
melhores em matemática e meninas em humanas”
Renata Malheiros, do Sebrae Delas

Uma pesquisa recente da RME, por exemplo, mostra que muitas empreendedoras não são formalizadas. “São mulheres que com o que ganham por mês não conseguem pagar o imposto do MEI”. “O digital é fundamental, mas elas precisam de apoio e políticas públicas são essenciais nesse sentido”, completa.

Por outro lado, Malheiros, do Sebrae, reforça que das empreendedoras que conseguiram se digitalizar, muitas ainda estão no primeiro nível, que é o da venda pela internet. “Quando falamos em ferramentas mais sofisticadas, como blockchain, inteligência artificial e big data para entender o comportamento dos consumidores, rastrear a cadeia produtiva e de logística, ainda há uma lacuna a ser preenchida”, diz.

De acordo com ela, trata-se de algo cultural ainda enraizado na sociedade. É a visão de que “meninos são melhores em matemática e meninas em humanas”. “Precisamos mudar isso com o incentivo à capacitação em todas as áreas”.

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