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Emergência climática é o grande desafio desta década

Em entrevista à EXAME, Marina Grossi, do CEBDS, defende urgência na criação de um mercado nacional regulado de carbono

Para Marina Grossi, do CEBDS, o desenvolvimento sustentável deve direcionar todo e qualquer governo, independentemente de sua orientação ideológica (CDEBS/Reprodução)

Para Marina Grossi, do CEBDS, o desenvolvimento sustentável deve direcionar todo e qualquer governo, independentemente de sua orientação ideológica (CDEBS/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2022 às 08h00.

O setor empresarial brasileiro está na vanguarda da transformação para uma nova economia, sustentável e inclusiva. A afirmação é de Marina Grossi, presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável). Segundo ela, a adoção de critérios ESG tem avançado nas companhias de diversos setores. Em entrevista à EXAME, Marina falou sobre a descarbonização do setor privado. Leia trechos:

A sra. está no CEBDS há mais de 15 anos, ocupando a presidência desde 2010. Quando falamos em descarbonização do setor privado, quais os principais avanços nesse período?

As empresas têm apresentado metas e ações para modificar o modelo de negócios ao longo de toda a sua cadeia produtiva, como a redução e compensação das emissões, a precificação interna de carbono, a descarbonização das operações e cadeias de valor, investimentos em tecnologias verdes e o estabelecimento de metas corporativas ambiciosas de neutralidade climática até 2050. Essa transformação tem avançado constantemente, mesmo durante a pandemia de covid-19. O CEBDS registrou expressivo aumento no número de associados: em dois anos, saltamos de 61 para 96 das maiores empresas do Brasil. Entre outros pontos, elas buscam no Conselho o conhecimento e a troca de experiências com outras companhias para acelerar a transformação necessária para a descarbonização.

O setor empresarial está crescentemente unido nessa transformação, promovendo uma retomada verde fundada em bases de economia circular, de baixo carbono e de inclusão. Para a mais recente Conferência do Clima da ONU, a COP 26, em Glasgow, na Escócia, realizada em novembro passado, o CEBDS capitaneou o posicionamento “Empresários pelo Clima”, que conta com 119 assinaturas de CEOs e de 14 entidades setoriais. O documento defendeu o avanço da agenda verde e a construção de políticas públicas que promovam esse caminho, como a criação de um mercado regulado de carbono nacional.

Hoje, qual é o principal desafio das empresas para avançar rumo à descarbonização? E como o Brasil está nessa jornada, em relação a outros países?

Esta é uma jornada que exige atuação em várias frentes simultaneamente, tais como o engajamento de toda a cadeia de fornecedores das empresas, um marco regulatório que promova esta transformação, entre outros pontos. A criação de um mercado nacional regulado de carbono, por exemplo, é uma medida urgente com o poder de alavancar a transição e atrair recursos para o país. É o setor que será regulado querendo ser regulado, pois o Brasil e suas empresas são muito competitivos neste novo cenário de uma economia de baixo carbono. Por isso, o CEBDS publicou recentemente um posicionamento sobre o tema. Essa é uma ferramenta essencial para estimular uma economia de baixo carbono, que vai aumentar a competitividade, atrair investimentos e gerar empregos e renda.

O Brasil tem grandes vantagens, como a maior biodiversidade do mundo e geração de energia majoritariamente limpa. O que precisamos é agir agora no caminho do desenvolvimento sustentável. Outro desafio é a implementação das metas apresentadas. As empresas sabem aonde querem chegar, mas o caminho até lá ainda está sendo construído. O CEBDS tem trabalhado em conjunto com suas associadas na construção de soluções que acelerem essa transição. Neste ano, vamos lançar a plataforma net zero, que auxiliará as companhias em suas jornadas de descarbonização.

Hoje, qual é a principal agenda do CEBDS?

A promoção do desenvolvimento sustentável envolve uma série de agendas, pela diversidade de temas que o assunto envolve, tanto na construção de novos processos pelas empresas quanto na defesa de políticas públicas que desenvolvam essa transição para uma economia verde. O momento atual, inclusive, faz com que a humanidade conviva pela primeira vez com três graves crises entrelaçadas que se retroalimentam: a emergência climática, a desigualdade social e a perda da biodiversidade.

Os motivos para preocupação são mais que palpáveis: já alcançamos uma elevação da temperatura global de 1,09ºC, com evidências claras nos eventos climáticos extremos, como secas e temperaturas elevadas. Os dados são do IPCC, o painel de mudanças climáticas da ONU. O mesmo relatório enfatiza que o 1% mais rico da população (cerca de 70 milhões de pessoas) emite o dobro de carbono do que os 50% mais pobres (3,5 bilhões de pessoas).

No Brasil, a pandemia de covid-19 e a retração econômica tornaram as desigualdades ainda mais evidentes: 33,1 milhões de brasileiros enfrentam insegurança alimentar. Só 4 entre 10 famílias têm acesso pleno à alimentação. A perda da biodiversidade tende a agravar ainda mais este cenário: 75% das terras e 66% dos oceanos já foram afetados pela atividade humana de uma forma sem precedentes, o que já custa à economia global 10% de sua produção anual, segundo o Pnuma/ONU.

É nesse cenário que as empresas estão avançando na construção de um novo modelo de negócios. Entre os pontos mais urgentes, como disse, estão a criação de um mercado regulado de carbono no país e o combate ao desmatamento. Precisamos rapidamente zerar o desmatamento ilegal, enxergando a floresta em pé como um importante ativo. O país poderá se beneficiar, e muito, de políticas públicas que fomentem um ambiente regulatório propício à agenda da sustentabilidade.

Essa pauta mudou em função da pandemia? Se sim, de que forma?

Vivemos o desafio de recuperar a economia, ainda muito combalida por dois anos de pandemia de covid-19, que acentuaram ainda mais a desigualdade social. Sendo assim, é fundamental alinhar uma agenda de retomada econômica pós-pandemia com atividades de baixo carbono e redução da desigualdade social. Essa tem sido a aposta, por exemplo, dos EUA e da União Europeia, com seu New Green Deal. A emergência climática é o grande desafio desta década. Temos efeitos sociais e ambientais que precisam ser tratados com urgência. E a retomada do país deve considerar o uso estratégico dos nossos ativos ambientais para promover a prosperidade do nosso grande passivo social.

Para Marina Grossi, do CEBDS, o desenvolvimento sustentável deve direcionar todo e qualquer governo, independentemente de sua orientação ideológica (CDEBS/Reprodução)

O CEBDS publicou, recentemente, uma carta aberta aos presidenciáveis, com as principais diretrizes para promover o desenvolvimento sustentável no país durante o próximo governo. Qual é a sua expectativa com esse documento?

Esta é uma eleição muito relevante para definir o papel e os caminhos do Brasil. O CEBDS tem feito, desde 2014, um papel de assessorar os candidatos para que a agenda sobre clima e sustentabilidade faça parte das propostas eleitorais. São soluções que trazem maior competitividade e prosperidade dentro dos quatro anos de mandato. Nas eleições de 2014 e 2018, lançamos duas edições da Agenda CEBDS - Por um País Sustentável, um projeto construído por lideranças de grandes grupos empresariais sediados no Brasil, com contribuições sobre economia verde, energia, biodiversidade, cidades e desenvolvimento humano.

Este ano, no início de abril, manifestamos, por meio da Carta Aberta aos Presidenciáveis, a visão do setor empresarial brasileiro sobre o desenvolvimento do país, com pontos que não podem deixar de ser observados dentro de um plano estratégico para colocar o Brasil como protagonista da nova economia verde global. Acreditamos que o desenvolvimento sustentável deve direcionar todo e qualquer governo, independentemente de sua orientação ideológica, e isso começa por honrar os compromissos já assumidos pelo país, nacional e internacionalmente. Trata-se de uma agenda de Estado e não de governo.

Em anos anteriores obteve impactos positivos com essa carta aos presidenciáveis?

Algumas propostas viraram realidade e trouxeram grandes ganhos sociais e ambientais para o país. Um ótimo exemplo está relacionado ao saneamento básico. Na nossa proposta de 2018, defendemos mudanças na lei do setor para permitir mais velocidade - no ritmo em que estava, a universalização só aconteceria em 2054. Em 2020, foi aprovado o novo Marco Legal do Saneamento, que já está atraindo grandes investimentos. Por isso, na carta pleiteamos o estímulo à ampliação dos serviços de água e esgoto, com o objetivo de universalizar o atendimento até 2033.

Outro pleito importante feito em 2018 diz respeito à criação de um mercado regulado de carbono nacional, um assunto que, apesar de ainda não estar pronto, teve importantes avanços nos últimos anos. Vale citar ainda a consolidação dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), que defendemos na eleição presidencial passada. Em 2021, foi promulgada a lei que institui a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, que estava em discussão no Congresso Nacional desde 2007.

A sra. mencionou, em uma entrevista, que o desmatamento ilegal é hoje para o Brasil um problema nas mesmas proporções que foi a hiperinflação no século passado. Este é o principal problema da agenda sustentável hoje do país?

O desmatamento dos biomas, especialmente da Amazônia, continua sendo o nosso grande problema, respondendo por quase 50% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, sendo mais de 90% de origem ilegal. A Amazônia é a casa de 30 milhões de brasileiros e responde por 59% do território brasileiro, mas vive o desafio de romper com um ciclo de destruição de sua biodiversidade e, ao mesmo tempo, gerar prosperidade para seus moradores mantendo a floresta em pé. Preservar o bioma é condição imprescindível na luta contra a emergência climática, e grande parte dos compromissos assumidos pelo Brasil na COP26 se relacionam com a floresta.

Produzir e preservar não são verbos antagônicos no Brasil. Essa foi a mensagem central do Comunicado do Setor Empresarial Brasileiro pela Amazônia, lançado pelo CEBDS em julho de 2020 e assinado por 78 empresas, 5 investidores e 8 instituições. No ano passado, o movimento publicou um novo posicionamento, listando iniciativas sobre como desenvolver a região. Ou seja, no comunicado de 2020 as empresas disseram o que desejam; no posicionamento de 2021, detalharam como fazer. Um dos eixos do posicionamento é o combate à criminalidade e à ilegalidade por todas as esferas dos diversos governos (federais, estaduais, municipais) e pelos três Poderes.

É o caso do desmatamento ilegal. Ele não traz nenhum tipo de benefício para a sociedade, não cria empregos qualificados, afeta a reputação do Brasil, não fortalece o setor florestal responsável e ainda aumenta o impacto dos gases de efeito estufa sobre a atmosfera. É uma atividade ilegal que beneficia poucos e deixa o prejuízo para a maciça maioria dos brasileiros. O desenvolvimento sustentável e a defesa da Amazônia devem ser uma bandeira de Estado, e não de um governo.

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