Um negócio com a Força Aérea deveria “abrir portas” para a Embraer em outros lugares no Departamento de Defesa dos EUA e em outros países (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 15 de março de 2012 às 14h23.
São Paulo - O dia que a Embraer SA venceu um contrato de US$ 355 milhões para fornecer aviões leves de ataque para a Força Aérea dos Estados Unidos, depois de 14 meses de trabalho, ficará para sempre na memória do presidente da fabricante brasileira, Frederico Curado.
Mais inesquecível será o dia em que Curado soube pela imprensa que os EUA haviam cancelado a compra.
“Estamos tentando manter a sobriedade, foi uma enorme frustração para nós e, francamente, um choque”, disse Curado em entrevista no dia 12, no escritório da Embraer em São Paulo. “Fomos lá. Ganhamos. E depois tiraram da gente.”
O cancelamento do contrato de compra de 20 unidades do turboélice Super Tucano, em 28 de fevereiro, colocou um fim à alegria causada pela conquista do negócio pela Embraer dois meses antes. A Curado resta agora apenas a satisfação de saber que os aviões militares da empresa, fundada em 1969 para ser a base da indústria aeronáutica brasileira, são considerados bons o suficiente para uso na mais poderosa força aérea do mundo.
“Ser selecionado por uma organização como essa é um reconhecimento de qualidade, o que até certo ponto já temos, pois fomos selecionados, o contrato foi concedido e iniciado.”
A venda dos aviões para a Força Aérea dos EUA poderia “abrir portas” para novos negócios com o Departamento de Defesa americano e com outros países, disse Curado, de 50 anos, presidente da companhia desde 2007 e apenas o segundo a ocupar o cargo desde a privatização, em 1994.
“Seria uma chancela de credibilidade no exterior para nós, e a chance para desenvolver um relacionamento com o Departamento de Defesa”, disse Curado.
Parceiro nos EUA
O contrato, vencido em parceria com a Sierra Nevada Corp., empresa americana de capital fechado, incluía serviços de apoio além dos monomotores A-29 Super Tucano para uso em missões de ataque ao solo no Afeganistão. O nicho da Embraer é oferecer aviões militares para missões específicas, em vez de ter uma linha completa de modelos, disse Curado.
Mais conhecida pelos jatos regionais da família E-Jet, utilizados por companhias aéreas em todo o mundo, incluindo a Air France e a American Airlines, da AMR Corp., a Embraer teve o início de suas atividades mais ligado à aviação militar.
Atualmente, sua linha de defesa inclui aeronaves de patrulha, reconhecimento e vigilância, derivados dos modelos comerciais. A receita da área de defesa e governo representou cerca de 15 por cento do total no terceiro trimestre.
“Vejo isso crescendo para algo como 20 por cento, 25 por cento”, disse Curado. “Isso não é uma meta em si, mas o que vemos mais ou menos como o potencial nos próximos cinco anos.”
A Embraer trabalha hoje no desenvolvimento daquele que será o maior avião já produzido pela companhia, o jato bi-motor KC- 390, um cargueiro militar, que tem entre potenciais compradores a Força Aérea Brasileira, o Chile, a Colômbia, a República Tcheca e a Argentina.
‘Ideia Brilhante’
“O KC-390 é uma ideia brilhante”, disse Fábio Figueiredo, gestor de fundo e sócio da Orbe Investimentos e Participações Ltda., de São Paulo. Os fundos da Orbe detêm 1,78 milhão de ações da Embraer, e a última aquisição do papel foi realizada em novembro.
A Embraer está tentando entrar num mercado dominado pelo C- 130 Hercules, da Lockheed Martin Corp., avião turboélice quadrimotor que entrou em serviço em 1957 e continua sendo uma das principais aeronaves da Força Aérea dos EUA e das forças armadas de dezenas de outros países há décadas.
“Depois do Hercules, não surgiu nenhum outro avião de mesmo porte e capacidade, e o Hercules tem mais de 50 anos”, disse Figueiredo. “A Embraer foi bem esperta com essa aposta.”
Ainda que as exportações militares para os EUA e outros países sejam bem vindas, podem não ser indispensáveis, segundo Curado. Atualmente, a Embraer obtém metade de sua receita em defesa com vendas no mercado doméstico e vê essa fatia crescendo para até 75 por cento nos próximos anos, disse ele.
Oportunidade de defesa
“Há uma oportunidade no próprio Brasil, pois é um dos poucos países hoje aumentando seus gastos com defesa, após 20 ou 30 anos de nenhum ou pouco investimento”, disse Curado.
Antes de assumir a presidência, Curado comandava a área de aviação comercial da Embraer. Ele iniciou sua carreira em 1984 na Pratt & Whitney Canada, da United Technologies Corp., trabalhando para a Embraer, após se formar em engenharia mecânica aeronáutica no Instituto Tecnológico de Aeronáutica.
A Embraer e a Sierra Nevada, de Sparks, no estado americano de Nevada, venceram com o Super Tucano a disputa com o AT-6, da Hawker Beechcraft Corp., fabricante parcialmente controlada pelo Goldman Sachs Group Inc. A Hawker processou os militares americanos, o que levou ao cancelamento do contrato com a Embraer e a uma investigação da Força Aérea dos EUA sobre a disputa.
Investigação
O executivo sênior de compras da Força Aérea dos EUA, David Van Buren, não ficou “satisfeito com a qualidade da documentação em que foi baseada a decisão sobre o contrato”, segundo comunicado de 28 de fevereiro do secretário da Força Aérea, Michael B. Donley, anunciando o cancelamento.
A Embraer não recorreu da decisão na Justiça, disse Flávia Sekles, diretora de comunicação da empresa, em 13 de março. Ela disse que a companhia não faria mais comentários sobre o caso.
As ações da Embraer acumulam alta de 18 por cento neste ano até ontem, abaixo dos 20 por cento de ganho registrados pelo Ibovespa no mesmo período.
No próximo dia 20 de março, a Embraer deve anunciar que registrou lucro líquido ajustado de R$ 199 milhões no quarto trimestre, segundo estimativa da analista Daniela Bretthauer, do Raymond James Financial Inc. A receita neste ano deve chegar a R$ 10,8 bilhões, de acordo com a média das estimativas de três analistas consultados pela Bloomberg.
Desde sua fundação, a empresa cresceu a ponto de hoje estar perto de superar a Bombardier Inc. como a terceira maior fabricante de aeronaves do mundo, acompanhando a transformação do Brasil em uma das principais economias do planeta. O País reduziu a inflação de quase 2.500 por cento em 1993, um ano antes da privatização da Embraer, para 6,5 por cento no ano passado. Em 2011, o Brasil superou o Reino Unido como a sexta maior economia mundial.
Aviação comercial
Ao longo de sua trajetória, a Embraer conseguiu evitar uma falência logo antes de ser privatizada e diversificou sua atividade em relação às raízes militares. Em 2012, a empresa estima que sua unidade de aviação comercial vai representar 60 por cento de sua receita anual.
Neste ano, a Embraer deve entregar 215 aeronaves regionais e executivas, enquanto a canadense Bombardier vai enviar 235 aviões desses tipos a clientes, segundo estimativas de ambas empresas. Em 2011, a Embraer entregou 204 aviões e a Bombardier 239.
“Vemos uma forte demanda por jatos Embraer no longo prazo, sustentada pelos mercados emergentes, que hoje passam pelo que ocorreu nos EUA nos anos 1990, com as companhias aéreas interessadas em jatos regionais menores e mais eficientes”, disse Figueiredo, da Orbe.
Curado reiterou a falta de interesse da Embraer em seguir a Bombardier na estratégia de concorrer com a Airbus SAS e a Boeing Co., maiores fabricantes de aviões do mundo, produzindo jatos comerciais maiores.
Em 10 de novembro, a Embraer decidiu atualizar a família E- Jet com novos motores e asas até 2018, em vez de desenvolver um avião maior completamente novo para competir com o Boeing 737 e com o Airbus A320. Esses dois modelos também devem receber novos motores nos próximos cinco anos.
“Para entrar no território deles para roubar clientes você precisa de uma inovação, e tem que ser através de tecnologia, só que a tecnologia simplesmente ainda não existe”, disse Curado. “Hoje não há nenhuma janela de oportunidade para um terceiro fabricante nesse segmento. Às vezes, você tem de ser corajoso o suficiente para não fazer algo.”