Meghan Stabler, conselheira executiva da CA Technologies e mulher transgênero (CA Technologies/Divulgação)
Luísa Melo
Publicado em 29 de outubro de 2016 às 08h00.
Última atualização em 31 de outubro de 2016 às 09h59.
São Paulo - Para Meghan Stabler, conselheira executiva da companhia de software CA Technologies, incluir e dar voz às minorias é também um dever das empresas, e não só dos governos e indivíduos.
"Se você educa as pessoas de uma mesma forma, elas serão iguais, independentemente da cor da pele, sexo, de onde vieram ou se podem pagar por algo. É responsabilidade das companhias ajudar nesse processo", disse.
Por ser transgênero, Meghan passou pela rara experiência de ser homem e mulher no mercado de trabalho e é taxativa: os homens têm, sim, privilégios.
"Homens acreditam que têm o direito de dominar. Em uma reunião, por exemplo, eles querem ser o macho alfa e podem ignorar as mulheres, impedir que elas falem", afirmou.
A executiva é porta-voz da CA para o tema da diversidade e milita pela igualdade. É membro do conselho de diretores do Human Rights Campaign (HRC), maior grupo de defesa e lobby pelos direitos civis LGBT dos Estados Unidos, e também integra o comitê do Partido Democrata para a causa.
Há dois anos, foi eleita mãe do ano pela revista Working Mother. Ela falou a EXAME.com após um evento para debater a inclusão no ambiente corporativo, promovido pela companhia nesta semana, em São Paulo.
Mundo sem preconceitos
Meghan fez a transição de gênero em 2004 e sofreu o preconceito na pele.
"Eu ainda tive a sorte de ser branca [e não enfrentar o racismo]. Mas passei 40 anos tentando ser algo que eu não era. Aquele corpo masculino não era meu. Se pudesse voltar atrás e dar um conselho a mim mesma, eu diria: vai ficar tudo bem, mas faça essa mudança logo, não espere tanto tempo", disse durante o painel.
Ela espera pelo dia em que as pessoas sejam aceitas como são e contratadas apenas pela capacidade de fazer o seu trabalho, sem discriminação.
Sabe que isso ainda está distante, mas não acredita que instituir cotas é uma solução para amenizar o problema da falta de representatividade no ambiente corporativo.
"O que as empresas têm que fazer é empoderar os menos favorecidos, ter programas para isso", reforçou. "É preciso ajudar a tirar as pessoas de lugares dos quais elas não conseguem sair. Aquelas que vivem na favela, que têm medo de ser quem elas são".
Ela diz que a CA Technologies procura dar sua contribuição. Nos Estados Unidos, tem um projeto que ensina meninas a programar, por exemplo.
Contratar mulheres é um desafio para a desenvolvedora de software. A cada 10 currículos recebidos, nove são de profissionais do sexo masculino, contou a presidente da companhia para a América Latina, Claudia Vásquez.
"Isso acontece porque as mulheres têm menos oportunidades. O machismo começa cedo em casa, pelo jeito que criamos nossas crianças, pelos brinquedos que compramos para as meninas. Elas são desincentivadas a buscar uma carreira", disse.
Para além da questão da desigualdade de oportunidades, a dificuldade das empresas em admitir funcionários de sexos, lugares e classes sociais diferentes pode existir devido a falhas de comunicação, lembrou Juliana de Faria, fundadora da ONG Think Olga, que promove o empoderamento feminino.
"Se você abre uma vaga e as mesmas pessoas se inscrevem, é porque tem algum problema com a sua mensagem. Você quer contratar mulheres, mas anunciou uma vaga de arquiteto ou de arquiteta? Você quer ter candidatos da periferia, mas sua empresa fica na região central?", provocou, no evento.
Na visão dela, para acolher públicos diferentes, é preciso mudar regras.
Foi o que a brasileira Natura fez ao perceber que os inscritos em seu programa de estágio tinham sempre um perfil muito parecido.
Para tornar o grupo mais heterogêneo, a fabricante de cosméticos flexibilizou alguns critérios na seleção, como idade, domínio de línguas estrangeiras e as instituições de ensino elegíveis.
"Se a gente continua exigindo candidatos das melhores universidades, jovens e que falam outros idiomas, as opções se afunilam para aquele 1% privilegiado da população", explicou Fornazari, gerente de diversidade e inclusão da empresa.
Ela reforçou que a mudança não se trata de baixar a régua de exigências, mas de ampliar o leque de inscritos para, aí sim, escolher os mais competentes.
Camila defende que a diversidade é saudável não só para o posicionamento de marca, mas também para os negócios.
"Quanto mais eu tenho um público interno parecido com a sociedade lá fora, mais próximo do consumidor eu estou e mais eu consigo entregar o que ele quer", afirmou.
Panorama alarmante
O cenário da (falta de) diversidade nas empresas brasileiras é alarmante. De acordo com uma pesquisa da consultoria Out Now, especializada no público LGBT, apenas um terço (35%) dos profissionais gays do país se sente confortável para se assumir abertamente no trabalho.
Sete em cada dez deles (68%) disseram ter ouvidos comentários homofóbicos no emprego. O estudo ouviu 968 pessoas no ano passado, a edição de 2016 não contemplou o Brasil.
Nesse contexto hostil, as companhias saem perdendo (e muito). O mesmo estudo aponta que elas poderiam poupar até 1,7 bilhão de dólares por ano com rotatividade caso promovessem um ambiente mais inclusivo.
Indica também que os funcionários assumidamente gays são 29% mais produtivos do que aqueles que ficam no armário.
Outro levantamento publicado em maio pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e pelo Instituto Ethos revelou que, nas 500 maiores corporações nacionais, apenas 13,6% dos executivos são mulheres e 4,7% negros.
Entre aquelas que buscam promover a diversidade, 43% têm políticas voltadas para pessoas com deficiência, 28,2% para mulheres e só 8% para negros.
Nesta semana, o Fórum Econômico Mundial também divulgou que levará 100 anos para que as mulheres consigam ganhar o mesmo salário que os homens no Brasil.
Os números só mostram que o debate sobre o assunto ainda está longe, muito longe de terminar.
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