Diniz: empresário nega que tenha sido indicado à presidência do Conselho da BRF (Germano Lüders/EXAME)
Tatiana Vaz
Publicado em 20 de fevereiro de 2013 às 16h42.
São Paulo – Se o Casino, atual controlador do Grupo Pão de Açúcar, defendeu na reunião de assembleia de hoje que Abilio Diniz teria de renunciar ao cargo de presidente do Conselho por “conflito de interesse”, o empresário também não deixou de apresentar seus motivos para ficar no cargo. Entre eles, estava o dele ser filho do fundador da empresa e o de ter trabalhado por décadas para o crescimento da maior varejista do país.
“O acordo de acionistas prevê que tenho direito vitalício ao cargo de presidente do conselho de administração... a razão de ser de tal direito é óbvia. Trata-se do reconhecimento de que tenho muito a contribuir para a CBD, enquanto tiver saúde e disposição para o trabalho”, afirmou o empresário em seu voto-registro.
Sobre sua indicação ao cargo de presidente do conselho da fabricante de alimentos BRF, motivo que teria causado a mais recente desavença com o sócio francês, Abilio afirma no documento que “não há nada de concreto a ser discutido” e nega que tal indicação tenha sido feita.
“Não fui indicado para o cargo, nem sequer foi convocada assembleia geral de acionistas da BRF para a eleição dos membros do conselho de administração. Assim a discussão aqui colocada é uma discussão em tese pois, frise-se, não há nenhum fato concreto que deva ser analisado ou deliberado por este Conselho”, disse ele.
Prática comum
Entretanto, o empresário deixa claro que não haveria problema legal, segundo o acordo de acionistas do Grupo Pão de Açúcar, se tal pedido fosse feito e aceito por ele. Isso porque “é muito frequente na prática empresarial a participação de investidores e executivos no conselho de administração de diferentes companhias”.
Além disso, afirma Diniz no documento, outros acionistas do grupo também são de conselhos de outras empresas fornecedoras. O próprio presidente do conselho do Casino, Jean-Charles Naouri, foi citado como exemplo, já que a empresa é controladora e fornecedora da companhia.
“Estaria, então, o Sr. Naouri impedido de atuar como conselheiro de administração da CBD?”, questiona o bilionário brasileiro, que ainda rebate. “Os conselheiros indicados por Casino, ao alardearem a existência do suposto “conflito de interesses”, não estão a defender o interesse da CBD, mas sim o do acionista que os elegeu”, disse.
Exame.com teve acesso, com exclusividade, ao voto completo do empresário na assembleia de acionistas de hoje. Confira abaixo.
Manifestação de Voto do conselheiro Abilio dos Santos Diniz
Com referência ao item “xi” da ordem do dia - “Leitura da ata da Reunião do Conselho de Administração da Wilkes Participações S.A. (“Wilkes”) realizada no dia 7 de fevereiro de 2013 e eventuais comentários dos conselheiros” - venho, nos termos da Lei nº. 6.404/1976 (“Lei das S.A.”) e do estatuto social da Companhia Brasileira de Distribuição (“CBD”), manifestar-me da forma como segue.
O item “xi” da pauta, antes transcrito, foi incluído a pedido do Sr. Arnaud Strasser, com o objetivo de trazer ao âmbito da CBD discussão a respeito de notícias veiculadas pela mídia sobre minha eventual eleição para o conselho de administração da BRF – Brasil Foods S.A. (“BRF”). A questão foi incluída na pauta da Reunião do Conselho de Administração da Wilkes de 7 de fevereiro de 2013 por iniciativa do seu presidente, Sr. Jean-Charles Naouri.
Na oportunidade, o conselheiro Arnaud Strasser apresentou manifestação de voto, acompanhada pelo conselheiro Marcelo Trindade, no sentido de que eu deveria renunciar ao cargo de conselheiro de administração da CBD, caso viesse a ser eleito para o conselho de administração da BRF. O motivo seria a existência de suposto “conflito de interesses”. Não obstante, a referida manifestação de voto não apontou qualquer elemento concreto, de natureza econômica ou jurídica, para justificar tal conflito, tratando-o como se fora algo abstrato e puramente teórico.
Na mesma Reunião do Conselho de Administração da Wilkes apresentei manifestação escrita, anteriormente lida pelo secretário, evidenciando que a iniciativa dos conselheiros indicados pelo acionista Casino (“Casino”) é insensata e desprovida de qualquer fundamento. A despeito do descabimento do tema, diante da insistência dos conselheiros indicados por Casino em trazê-lo à discussão, em complemento à minha manifestação antes referida, cujos termos reitero integralmente, passo a tecer as seguintes considerações.
Inicialmente, observo que não existe nada de concreto, neste momento, a respeito de minha eventual eleição para o conselho de administração da BRF. Não fui indicado para o cargo, nem sequer foi convocada assembleia geral de acionistas da BRF para a eleição dos membros do conselho de administração.
Assim a discussão aqui colocada é uma discussão em tese pois, frise-se, não há nenhum fato concreto que deva ser analisado ou deliberado por este Conselho. Porém, vale ressaltar desde logo, que se, no futuro, essa hipótese viesse a concretizar-se, não haveria nenhum impedimento para o exercício de minha função como presidente do conselho de administração da CBD.
É interessante que a manifestação do conselheiro Arnaud, antes referida, embora proponha a drástica solução de que eu deveria renunciar ao cargo de conselheiro de administração da CBD, não justifica, de forma alguma, qual seria o suposto “conflito de interesses” que me impediria de permanecer no cargo.
Com efeito, não há na manifestação do conselheiro Arnaud nenhum dado concreto a justificar como, e por que, haveria conflito de interesses. Nem mesmo quando eu solicitei, de maneira formal, a justificativa para a existência deste alegado conflito de interesses o Conselheiro Arnaud foi capaz de indica-la de maneira expressa, afirmando decorrer de sua “percepção” sobre a questão. O fato é que não há qualquer indicação sobre a extensão e intensidade do alegado conflito. Trata-se, ali, de um conflito teórico, acerca de uma situação que sequer se concretizou.
Ocorre que a discussão sobre a existência de conflito de interesses não pode ultrapassar os limites do concreto. A tese do interesse conflitante supõe que o conselheiro tenha algum interesse pessoal conflitante, o que não é o caso. Afinal, ser administrador de outra sociedade não pode, por si só, caracterizar um interesse conflitante. Aliás, mesmo diante de um caso concreto, discute-se se o conflito dos administradores seria formal ou substancial, dependendo, ou não, de prova de prejuízo para a sociedade. Seja formal ou substancial, a lei determina que, havendo um interesse conflitante concreto, o conselheiro deve abster-se de intervir na operação. Nessa hipótese, não se cogita de seu impedimento para o cargo.
No caso em questão, a BRF não é concorrente da CBD, mas uma de suas fornecedoras. Não existe entre as companhias relação de dependência, nem qualquer delas tem capacidade de exercer influência relevante sobre o comportamento da outra. Por isso, não se encontra na lei brasileira, ou no acordo de acionistas celebrado com o Casino (“Acordo de Acionistas”), qualquer restrição à minha eventual participação no conselho de administração de ambas as companhias.
É, aliás, muito frequente na prática empresarial a participação de investidores e executivos no conselho de administração de diferentes companhias. Na própria CBD, tal situação já se verifica.
O conselheiro Cândido Bracher, como bem se sabe, atua como administrador no grupo Itaú, que tem relações financeiras estratégicas com a CBD há muito anos. CBD e Itaú, inclusive, compõem uma joint venture, cuja atuação é relevante para a CBD. Estaria Cândido Bracher, por esse motivo, impedido de exercer o cargo de conselheiro de administração da CBD?
Ora, é claro que não existe o impedimento. Pelo contrário, a experiência de Cândido Bracher no Itaú tem sido altamente benéfica para a CBD. O conselheiro Bracher tem exercido sua função de forma louvável e com muito sucesso, tendo apresentado contribuições importantes para o crescimento da CBD. De outra parte, é claro que, em relação aos contratos celebrados entre CBD e Itaú, o conselheiro Bracher abstém-se de opinar e votar. Essa é a solução inteligente e, por isso, contemplada na lei brasileira.
O mesmo se pode dizer do conselheiro Jean-Charles Naouri, que atua no conselho de administração do Casino e da CBD. O Casino é (i) acionista controlador e (ii) fornecedor da CBD. Aliás, a participação do Casino como fornecedor da CBD tem, mais recentemente, observado enorme crescimento. Estaria, então, o Sr. Naouri impedido de atuar como conselheiro de administração da CBD? Veja-se que, no caso, pode haver desalinhamento entre o interesse do Sr. Naouri, como representante do acionista controlador, e o da CBD.
Isso porque seria um comportamento economicamente racional de sua parte, embora ilícito, o favorecimento da controladora em detrimento da controlada CBD. E o Sr. Naouri tem meios para isso, pois o Casino, na condição de acionista controlador, tem a possibilidade de determinar a decisão da CBD quanto às questões administrativas, inclusive, aquelas que se refiram às relações contratuais com o Casino.
Nesta manifestação, até para não me estender, entendi por bem citar apenas exemplos de administradores que já integram o conselho de administração da CBD. Poderia, porém, fazer referência a um sem-número de outros casos, pois, no mundo empresarial, é frequente, e muito natural, a participação de executivos em conselhos de administração de mais de uma companhia.
Se a alegação dos conselheiros indicados pelo Casino é destituída de qualquer respaldo jurídico, contrariando, ademais, a prática empresarial brasileira e mundial, o que justificaria a forma agressiva e insistente como vêm abordando o tema, inclusive, com declarações irresponsáveis, divulgadas pela mídia?
Há apenas uma explicação plausível. No cenário dos litígios que me opõem ao Casino, ele pretende usar a hipótese de minha eventual eleição para o conselho de administração da BRF como um pretexto, uma artimanha, para tentar afastar-me da presidência do conselho de administração da CBD, o que configuraria patente violação ao quanto estabelecido no Acordo de Acionistas.
O Acordo de Acionistas prevê, que tenho direito vitalício ao cargo de presidente do conselho de administração da CBD, com determinadas prerrogativas ali especialmente estabelecidas. A razão de ser de tal direito é óbvia. Trata-se do reconhecimento de que tenho muito a contribuir para a CBD, enquanto tiver saúde e disposição para o trabalho. Afinal, nasci na CBD, fundada por meu pai, e trabalhei por décadas, de forma incansável, para o seu crescimento. Tenho enorme experiência e conhecimento sobre a companhia e o mercado em que ela atua. Por isso, ninguém duvida do quanto posso contribuir para o crescimento da empresa.
A verdade, portanto, é que os conselheiros indicados por Casino, ao alardearem a existência do suposto “conflito de interesses”, não estão a defender o interesse da CBD, mas sim o do acionista que os elegeu. O argumento sobre um suposto “conflito de interesses”, que me impediria de exercer ambos os cargos, é vazio. Nada mais do que um pretexto para mal-dissimular sua real intenção, antes bem delineada.
Pelas razões anteriores, registro que a manifestação dos conselheiros indicados pelo Casino, destituída de fundamento jurídico e contrária à prática empresarial, não pode ser tomada em consideração, para qualquer efeito. Reitero que continuarei a exercer a presidência do conselho de administração da CBD tendo em vista o interesse da companhia, de seus acionistas e de seus trabalhadores, contribuindo para o crescimento de nosso país, como fiz durante toda a minha vida. Assim, toda e qualquer tentativa de restringir ou de suprimir o exercício de meu cargo, assegurado pela lei e pelo Acordo de Acionistas, será prontamente rechaçada.
São Paulo, 19 de fevereiro de 2013.
Abilio dos Santos Diniz