O sedã Ford Ka%2B (Divulgação/Ford/Divulgação)
Karin Salomão
Publicado em 26 de janeiro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 28 de janeiro de 2019 às 10h43.
Depois que a GM ameaçou deixar o país, a Ford enfrenta dificuldades no Brasil e disputas em suas fábricas. As duas montadoras veem suas vendas no Brasil crescer depois de anos de crise econômica, mas ainda lutam para manter rentabilidade e investimentos. Ambas sofrem com o aumento da concorrência no Brasil e no exterior e a pressão das matrizes para entregarem mais eficiência, segundo especialistas ouvidos por EXAME.
Os funcionários da montadora Ford em Taubaté, SP, entraram em greve na segunda feira, 21, e, em São Bernardo do Campo, trabalhadores cobraram a empresa para retomar as discussões sobre investimentos na unidade. A empresa afirmou que as duas unidades operam normalmente e que está em processo de negociação com o sindicado.
A montadora é a terceira maior do país com 9,47% do mercado, atrás de GM e Volkswagen, e vendeu 205 mil carros novos no ano passado. O Ka é responsável por quase metade desse número, com 103 mil unidades vendidas em 2018. A empresa tem três fábricas em São Paulo, São Bernardo do Campo, Tatuí e Taubaté, e uma na Bahia, em Camaçari, que sozinha tem capacidade para produzir 250 mil veículos por ano.
A Ford viu suas vendas crescerem pelo sétimo trimestre consecutivo. Nos últimos três meses de 2018, a montadora registrou alta de 17% nas vendas ajustadas no país.
Mesmo assim, demitiu 12 funcionários em Taubaté, o que levou a protestos do sindicato. A Ford afirmou que as demissões ocorreram para ajustar seu tamanho e produção. Os cortes têm como objetivo "adequar os volumes de produção em função da queda nas exportações para a Argentina e do término do fornecimento de motores e transmissões para o México em 2019".
No início da semana, era sua concorrente General Motors que ameaçava sair do Brasil. Para ela, é essencial receber incentivos fiscais para continuar no Brasil.
A GM e a Ford enfrentam problemas similares. As duas, ao lado da Fiat e Volkswagen, foram as primeiras montadoras a se instalar no Brasil. Durante décadas dominaram o mercado brasileiro, até que chegaram novas concorrentes, principalmente asiáticas. “Por um tempo, as montadoras sentiram pouco esses efeitos, já que o mercado estava em ascensão”, diz o coordenador de cursos automotivos da FGV, Antonio Jorge Martins.
Em 2013, as vendas alcançaram o ápice 3,8 milhões de carros novos, mas o setor entrou em crise aguda nos anos seguintes. As montadoras reagiram com férias coletivas, fim de alguns turnos de produção e planos de demissão voluntária. Por conta da crise e da queda no consumo, que ainda não voltou aos patamares de 2013, muitas fábricas ainda operam abaixo de sua capacidade. “Como a indústria automobilística é alavancada e depende de volume, as montadoras podem perder dinheiro ao fabricar menos carros”, afirma Carlos Caldeira, professor de gestão de negócios do Insper.
Ainda há espaço para cortes de custo, acredita Raphael Galante, consultor da Oikonomia Consultoria Automotiva. As fabricantes estão reduzindo os opcionais e cobrando mais caro por comodidades que antes vinham de série.
A margem da comercialização das concessionárias também foi cortada. Os ganhos, que já chegaram a 10% da venda, hoje estão na casa dos 7% e em alguns casos podem chegar a 5%. Além disso, as empresas estão aumentando as vendas diretas para o consumidor, que chegam a 45% do total. No Grupo FCA, chega a quase 65%, segundo o consultor.
"Outro ponto é mexer no custo fabril. Ter uma fábrica no ABC tem um custo alto para todas as montadoras", afirma Galante. Por isso, o consultor acredita que cada vez mais a Ford deve deslocar sua produção para Camaçari e que o grande ABC pode perder participação na indústria automotiva brasileira.
Com o fim da crise, os investimentos necessários para se recuperar são gigantescos. As montadoras estabelecidas no Brasil devem investir cerca de 20 bilhões de dólares (perto de 80 bilhões de reais) até 2022, o dobro do valor investido de 2014 a 2017.
De acordo com especialistas, a concorrência não diminuiu, mas apenas aumentou e não apenas no Brasil. “Com a necessidade de investir cada vez mais para se manter relevante, as grandes companhias globais perseguem a eficiência e produtividade com mais força”, afirma Martins, da FGV. Assim, pressionam suas divisões regionais a entregar resultados melhores - é o caso da GM e da Ford.
O mercado automotivo global mudou. Consumidores compram menos carros e usam mais aplicativos de transporte, o que desafia as vendas de carros em todo o mundo. A tecnologia também é outra e o futuro, de carros elétricos e autônomos, já está à porta. Por conta dos aplicativos de transporte, pessoas mais jovens perdem o interesse em comprar um carro - ou até mesmo em dirigir. No Brasil, de 2014 a 2018, a média mensal de emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) caiu 32%.
O mercado vê a entrada de novos players, como a Tesla, Google e Apple, empresas focadas em tecnologia. Uma solução é se juntar às concorrentes, como a parceria global entre a Ford e a Volkswagen para desenvolverem, juntas, vans comerciais e picapes a partir de 2022, em uma tentativa de reduzir os custos, anunciada há poucos dias.
No longo prazo, as montadoras vão precisar se adaptar, diz Caldeira. O número de fábricas tende a cair e profissionais da linha de montagem podem ser substituídos por programadores, para criar carros mais tecnológicos.
Parcerias, melhoria na eficiência e mais investimentos são essenciais para que montadoras tradicionais se mantenham relevantes no mercado em transformação. Resta saber se serão o suficiente.