Demissões coletivas: recomendações para empresas (Pattanaphong Khuankaew / EyeEm/Getty Images)
Por Rodrigo Chagas Soares, sócio do escritório Granadeiro Guimarães Advogados
Nunca soou bem o ditado popular de “matar dois coelhos em uma cajadada”, além de causar inconformismos. Atualmente, vemos um aumento de casos de demissões realizadas por empresas por meio de plataformas digitais, em única reunião, composta por vários empregados, que têm seus microfones silenciados e sem direito de se expressarem sobre suas demissões.
Se por um lado os juros em alta para combater a inflação e a consequente fuga de investidores comprometem a atuação das startups, por outro, a tal cajadada da demissão única, ainda que mal comparando, deve ser evitada, independentemente do tamanho da empresa.
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Em 8 de junho de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), analisando caso muito anterior à Reforma Trabalhista de 2017, decidiu que “a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.
Ou seja, ao menos em tese e pela decisão recente, bastaria a empresa comprovar ter instado o sindicato a manifestar-se sobre as demissões, que as rescisões poderiam ocorrer, independente da concordância ou não da entidade sindical.
Contudo, a decisão do STF deixa margem para algumas dúvidas, tais como: o que é, efetivamente, “dispensa em massa”? Qual e quem definirá o lapso temporal de distância entre uma demissão e outra para que se considere como “dispensa em massa”?
Além disso, o que acontece se o sindicato deixar de ser instado a se manifestar (se não houver intervenção sindical): nulidade das demissões ou indenização, e qual seria o valor dessa indenização, quem definiria?
Um bom início na busca prática destas respostas, seria entender a negociação coletiva como um importante instrumento para o estabelecimento destas definições, em razão de contar com a participação democrática da entidade sindical patronal e laboral (para celebração de Convenção Coletiva), ou do sindicato de trabalhadores e empresa (para Acordos Coletivos), não se aguardando a eventual ocasião de demissões em massa.
Na União Europeia, a Diretiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de Julho de 1998 (relativa à aproximação das legislações dos estados-membros sobre as demissões coletivas) é clara sobre prazos e critérios. O lapso temporal é levado em consideração pela norma estrangeira.
No Brasil, não há critérios definidos pela lei. A Reforma Trabalhista de 2017 passou a prever que dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não necessitando de autorização do sindicato ou mesmo elaboração de norma coletiva para a demissão ocorrer, mas não estabeleceu critérios e prazos, muito embora aguarde julgamento do STF.
As decisões dos Tribunais sobre o assunto também não definiram, apenas utilizaram conceito doutrinário de que a demissão em massa é “a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho, numa empresa, sem substituição de empregados dispensados” (conceito do jurista brasileiro Orlando Gomes, em 1973).
Por tudo isso, entendemos que a manutenção do diálogo com entidades sindicais seja importante para o empresariado, afinal o sindicato de trabalhadores é um valioso instrumento de compliance da empresa, por acusar onde haveria alguma ilegalidade e, posteriormente, encontrar alternativas para superação dos problemas contratuais por meio da negociação coletiva de trabalho.
A Constituição Federal garante o monopólio das negociações coletivas aos sindicatos. Demissões em massa são coletivas.
Independentemente disso, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece que o empregador deverá proporcionar aos representantes de trabalhadores os motivos dos términos de contratos de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou semelhantes, para que haja uma oportunidade de evitar ou limitar as rescisões contratuais, a fim de atenuar as consequências adversas, por exemplo, possibilitando a reinserção dos empregados demitidos no mercado de trabalho ou mesmo redução de jornada de trabalho e salários.
Para empresas de pequeno porte e startups em geral, corre-se o risco de a demissão de poucos empregados, no mesmo ato, ser considerada demissão em massa. Ou seja, levado ao extremo, uma empresa com três empregados, ao demitir dois, já poderia dar margem para discussão se seria demissão em massa a ser submetida à intervenção sindical.
Enquanto não houver uma conceituação prática da demissão em massa no Brasil, teremos margens interpretativas. Assim como em tudo na vida, a razoabilidade deve ser observada.
É provável que a rescisão contratual de uma quantidade elevada de trabalhadores impacte no município em que a empresa esteja localizada, extrapolando a esfera individual do empregado e afetando a comunidade da região. Logo, mais uma vez, é razoável o diálogo da empresa com os sindicatos.
Antes de uma Startup demitir mais de um empregado em um mesmo momento, é recomendável analisar a existência ou não de eventual norma coletiva que regulamente a demissão em massa, aplicada às relações de trabalho da empresa, bem como o impacto dessas demissões no contexto social, por menor que seja a empresa, sob risco de pagamento de indenizações aos demitidos e ao sindicato.
Independente do enquadramento da forma da demissão — se é de massa ou não — é preciso compreender que existem seres humanos por trás da tela do computador, evitando-se “cajadadas”, ou a “coisificação do ser humano”, a pretexto de otimização de tempo do profissional contratado para demitir.
A individualidade de cada empregado deve ser respeitada, inclusive, no ato da demissão, concedendo liberdade de expressão àquele que está na iminência de incorporar-se aos atuais 11,3 milhões de desempregados no país.