Desde o início do ano, R$ 238,8 milhões saíram dos cofres da União para os cofres da empresa fundada por Fernando Cavendish (Julio Bittencourt)
Da Redação
Publicado em 8 de junho de 2012 às 23h41.
No epicentro do escândalo envolvendo o contraventor Carlinhos Cachoeira, a construtora Delta recebeu 55,2 milhões de reais do governo federal somente em maio. Desde o início do ano, 238,8 milhões de reais saíram dos cofres da União para os cofres da empresa fundada por Fernando Cavendish. É o que revela levantamento da ONG Contas Abertas.
Os pagamentos à construtora em maio partiram, em sua maioria, do Ministério dos Transportes. As obras executadas pela empresa, notadamente de manutenção e adequação de trechos rodoviários, continuam sendo realizadas em 18 estados: Mato Grosso, Pará, Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia, Sergipe, Paraná, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Goiás.
Confirmando que possui muitos “ativos patrimoniais a receber”, conforme afirmou em nota, a empresa obteve grande parte desses pagamentos em restos a pagar. Foram quase 229 milhões de reais desembolsados pelo governo federal para quitar despesas contraídas em anos anteriores com a Delta, o que representa 95,8% do total recebido este ano.
Os números comprovam que, apesar de ter entrado nessa segunda-feira na Justiça do Rio de Janeiro com a solicitação de recuperação judicial, medida tomada para evitar a falência e apresentar formas de quitação das dívidas, a Delta não tem do que reclamar, pelo menos em relação aos pagamentos da União. No mês de maio, em que sofreu a quebra de sigilo bancário em todo o país, a empresa continuou recebendo recursos. Em junho, apenas nos dois primeiros dias os repasses já haviam chegado a 8 milhões de reais.
No pedido de recuperação judicial, a Delta alega que precisa adquirir “fôlego financeiro” para que possa pagar todas as dívidas, já que se encontra em situação “insustentável” após a holding J&F ter declarado que não vai mais assumir o controle da empresa. “O envolvimento de alguns executivos em supostos atos ilícitos, que estão sendo investigados judicialmente, tem levado a empresa a sofrer uma espécie de bullying empresarial. Em razão de notícias desta natureza que estão sendo veiculadas, várias administrações públicas estão deixando de honrar os pagamentos de obras já executadas”, afirmou a construtora em nota.
Investigação no Amazonas – Ao contrário do governo federal, algumas instituições públicas estão questionando a empresa e sustando pagamentos. É o caso do governo do Amazonas, que possui quatro contratos com a empresa para a locação de 518 viaturas policiais de diferentes modelos. Os contratos, assinados por meio da Secretaria de Segurança Pública do Estado, somam 143,8 milhões de reais e foram celebrados entre outubro e dezembro de 2011 com vigência de três anos. No entanto, nenhum valor foi pago à empresa até o momento, embora já existam nove empenhos que totalizam cerca de 32,9 milhões de reais.
No dia 17 de abril, o deputado estadual José Ricardo (PT) entrou com representação no Ministério Público Estadual do Amazonas (MPE-AM) questionando a competência da Delta para prestar os serviços, após as denúncias envolvendo a empresa e a instalação da CPI do Cachoeira. “A nossa intenção é verificar as condições de contratação e saber mais sobre a atuação da empresa no Amazonas, para que se essas denúncias a nível nacional puderem comprometer o serviço na área de segurança pública, o governo possa tomar providências, se for o caso”, explica.
Para Fábio Monteiro, promotor responsável pelo caso, algumas solicitações do MPE ainda não foram atendidas, como o envio de cópia do processo licitatório, que, de acordo com a assessoria do governo do Amazonas, foi realizado por meio de pregão eletrônico. “A vencedora do certame foi a Delta nacional. Pelos dados que nós temos até o presente momento, nem a Delta nacional nem a sua filial aqui na cidade de Manaus possuem nas suas razões sociais a locação de veículos de passageiros sem motorista. Ela tem inúmeras atividades, mas essa não aparece. Porém, por cautela, ainda estamos confirmando com a Junta Comercial se houve alguma retificação”, afirmou o promotor, que é coordenador do Centro de Investigação e Combate ao Crime Organizado do MPE-AM.
Segundo Monteiro, a previsão é que na próxima semana o Ministério Público já tenha uma conclusão sobre as investigações. Além disso, de acordo com o promotor, as investigações do MPE também levam em conta os valores firmados durante os contratos. “Se isso se confirmar, haverá um posicionamento nosso no sentido de que o próprio governo do Estado desqualifique, rescinda o contrato, porque não pode haver esse tipo de prestação de serviços por uma empresa que não tem essa destinação de atividade comercial”, disse.
PAC - Em junho, a CGU deverá finalizar as investigações que realiza no sentido de decretar ou não a inidoneidade da empresa Delta Construções S. A., principal empreiteira do PAC com recursos do Orçamento Geral da União (OGU).
Até 11 de maio, os restos a pagar em favor da Delta somavam 504,5 milhões de reais, sendo 502,4 milhões de reais não processados, ou seja, sem o reconhecimento do governo quanto à conclusão dos serviços prestados. Além disso, neste ano, já tinham sido empenhados 229,5 milhões de reais, dos quais apenas 8 milhões de reais foram liquidados. Desta forma, computando-se os 504,5 milhões de reais de exercícios anteriores e a diferença entre os valores empenhados e liquidados em 2012 (221,6 milhões de reais), chega-se aos 724 milhões de reais passíveis de recebimento pela empreiteira.
A maior obra pela qual a Delta vai receber recursos é a de integração do Rio São Francisco com as Bacias dos rios Jaguaribe, Piranhas, Açu e Apodi, na Região Nordeste. Cerca de 59,9 milhões de reais estão alocados em restos a pagar, a pagar. O empreendimento é coordenado pelo Ministério da Integração Nacional. A empreiteira também vai receber 32,1 milhões de reais para a adequação de trecho rodoviário da BR-110 na divisa entre o Rio Grande do Norte e Paraíba, obra tocada pelo Dnit.
A Delta e o PT - A empreiteira assumiu o posto de líder entre as fornecedoras da União depois de contratar como consultor o deputado cassado José Dirceu, petista que responde a processo no Supremo Tribunal Federal (STF) no papel de "chefe da organização criminosa" do mensalão. Além disso, consolidou-se como a principal parceira do Ministério dos Transportes na esteira de uma amizade entre seu controlador, Fernando Cavendish, e o deputado Valdemar Costa Neto, réu no mesmo processo do mensalão e mandachuva do PR, partido que comandou um esquema de cobrança de propina que floresceu na gestão Lula e só foi desmantelado no ano passado pela presidente Dilma Rousseff. A empreiteira de Cavendish é dona da maior fatia das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tem contratos avaliados em cerca de 4 bilhões de reais com 23 dos 27 governos estaduais.
Deflagradas pela Polícia Federal, as operações Vegas e Monte Carlo revelaram o envolvimento do contraventor Carlos Cachoeira com políticos como o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) e Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta na Região Centro-Oeste. Entre outras atividades, o trio agia para abrir os cofres dos governos estaduais e federal à empresa. Para tanto, ofereceria propina em troca de contratos. A PF colheu indícios desse tipo de oferta criminosa, por exemplo, em Goiás e no Distrito Federal. Uma operação comandada pelo ex-presidente Lula, contudo, quer impedir a CPI do Cachoeira de investigar a atuação da empreiteira além da Região Centro-Oeste.