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Decepção da Ikea na Ucrânia mostra derrota para a corrupção

A maior rede varejista de móveis para o lar não foi capaz de entrar no mercado após uma década de tentativas. O motivo: a empresa não paga subornos


	Loja da Ikea em NY: comparada com a Ucrânia, a Rússia, a mais corrupta entre as grandes economias, “é mais branca que a neve”, disse ex-executivo da Ikea
 (Spencer Platt/Getty Images)

Loja da Ikea em NY: comparada com a Ucrânia, a Rússia, a mais corrupta entre as grandes economias, “é mais branca que a neve”, disse ex-executivo da Ikea (Spencer Platt/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2014 às 09h44.

Quase metade dos ucranianos diz que deseja os produtos da Ikea mais do que qualquer outra marca multinacional, apesar de a maior rede varejista de móveis para o lar não ter sido capaz de entrar no mercado após uma década de tentativas. O motivo: a empresa não paga subornos.

Enquanto o governo do primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk corre para evitar a expansão da Rússia e levantar os US$ 35 bilhões que diz precisar para não entrar em default, o país com 45 milhões de habitantes enfrenta o problema mais básico, a corrupção desenfreada, que nenhum líder foi capaz de solucionar em 23 anos de independência.

Encravado entre a União Europeia e sua antiga dona imperialista Rússia, a Ucrânia se tornou o país mais corrupto do continente, segundo a Transparência Internacional.

Este fato, aliado a uma liderança “incompetente”, são as razões pelas quais a nação dotada da maioria dos ingredientes necessários para se criar uma economia vibrante está tão atrás de seus pares, segundo analistas, incluindo Erik Nielsen, economista-chefe global da UniCredit SpA, em Londres.

“Mesmo antes desta crise mais recente a Ucrânia era uma bagunça indescritível”, disse Nielsen, em uma nota técnica.

Diversos governos “precisam assumir a responsabilidade coletiva pelo que tem sido um dos países mais mal geridos da história moderna”, disse Nielsen, acrescentando que muitos políticos e membros de suas famílias “se tornaram extremamente ricos ao longo do tempo”.

Exemplo disso é Oleksandr Yanukovych, 40, filho do presidente deposto Viktor Yanukovych. O jovem Yanukovych, que está escondido desde que seu pai fugiu para a Rússia, passou de dentista a homem de negócios com patrimônio líquido de US$ 510 milhões depois que seu pai chegou ao poder, em 2010, segundo a Forbes Ukraine.


"Vazio, roubado"

Yatsenyuk disse a congressistas em Kiev no mês passado que Yanukovych e seus aliados haviam transferido US$ 70 bilhões para contas no exterior, deixando os cofres do estado “vazios e roubados”.

O montante é igual a 40 por cento do produto interno bruto do país. Promotores suíços abriram uma investigação contra Yanukovych e seu filho, no mês passado, por possível “lavagem de dinheiro agravada” e fizeram uma busca em uma empresa registrada em nome do jovem Yanukovych.

Comparada com a Ucrânia, a Rússia, a mais corrupta entre as grandes economias, “é mais branca que a neve”, disse Lennart Dahlgren, ex-executivo da Ikea que liderou a entrada da empresa na Rússia, em entrevista à revista Russkiy Reporter, em 2010.

Dahlgren disse que se reuniu com todos os presidentes e primeiros-ministros ucranianos desde 2004 e que todos disseram que queriam ajudar a Ikea a entrar no mercado.

“Mas não pudemos chegar a um acordo porque o sistema da Ikea não disponibilizava nenhum dinheiro para subornos”, disse Dahlgren à revista.

O novo governo do país, no poder desde a fuga de Yanukovych em um levante que deixou mais de 100 mortos no mês passado, tem a tarefa imediata de garantir uma tábua de salvação financeira.

Aquele que conquistar a presidência em maio enfrentará desafios mais de longo prazo, como ordenar os tribunais e colocar em prática controles e balanços que ajudarão a erradicar a corrupção e atrair empresas como a Ikea, segundo Lilit Gevorgyan, analista sênior da IHS Global Insight em Londres.


O país ainda precisa se recuperar de 2009, quando a produção em dólares correntes caiu um recorde de 35 por cento em relação ao pico de US$ 180 bilhões do ano anterior, mostram dados do Banco Mundial.

O governo estima que o PIB encolherá outros 3 por cento neste ano em termos reais, em um momento em que reduz gastos e inicia a reformulação de empresas estatais e que a Rússia impõe restrições comerciais.

Yatsenyuk começou como primeiro-ministro prometendo implantar medidas impopulares, evitadas por administrações anteriores, para obter financiamento de emergência e afastar o default, descrevendo sua tarefa como uma missão “kamikaze”.

Durante anos o FMI pediu à Ucrânia que permitisse uma taxa de câmbio flexível, reduzisse o déficit orçamentário e elevasse os preços do gás para as residências de forma a eliminar gradualmente os subsídios que o fundo estima equivalerem a 7,5 por cento da economia.

À beira da falência

Até aqui o governo tem sido bem-sucedido, tendo inclusive chegado a um acordo com o FMI na semana passada para destravar US$ 27 bilhões de apoio internacional, incluindo um empréstimo de dois anos de US$ 14 bilhões a US$ 18 bilhões do banco com sede em Washington.

O conselho do FMI ainda precisa chancelar o pacote, o terceiro da Ucrânia desde 2008, o que provavelmente ocorrerá em abril, disse o FMI em um comunicado enviado por e-mail.

“O país está à beira da falência econômica e financeira”, disse Yatsenyuk, em Kiev, antes de os congressistas aprovarem um projeto de lei preparado como parte do acordo com o FMI. “Esse pacote de leis é muito impopular, muito difícil, muito duro”.

Uma ameaça mais imediata à economia, contudo, é o presidente russo, Vladimir Putin, que anexou a Crimeia e reuniu tropas ao longo da fronteira com a Ucrânia, disse Alexander Valchyshen, chefe de pesquisa da Investment Capital Ukraine, por telefone, de Kiev.


"Depressão" de Putin

Não saber o que Putin fará a seguir pode desencadear uma “depressão”, pois empresas e consumidores reduzem a produção e o consumo, disse Valchyshen.

Com cerca de 70 por cento da economia de US$ 176 bilhões vindos dos gastos familiares e apenas um quinto de investimentos fixos, o país precisa desesperadamente de capital estrangeiro e a apropriação de terras de Putin está tornando isso mais difícil, disse ele.

“Alcançar a Bulgária e a Romênia seria fácil. A Ucrânia precisa apenas de um apoio político”, disse Valchyshen. “A promessa de adesão à UE deveria ser comunicada claramente pela UE e isso seria um forte apoio para a economia. Caso contrário a Ucrânia continuará sendo a mesma coisa das últimas duas décadas: o quintal do Kremlin”.

As reservas estrangeiras da Ucrânia caíram para US$ 15,5 bilhões em fevereiro, o nível mais baixo dos últimos oito anos. O montante contrasta com os US$ 104 bilhões da Polônia e os US$ 487 bilhões da Rússia. A grívnia caiu 26 por cento neste ano em relação ao dólar, o maior declínio entre mais de 170 moedas monitoradas pela Bloomberg. A moeda ucraniana subiu 0,1 por cento, para 11,1 por dólar, em 28 de março.

Com as mudanças corretas o crescimento pode chegar a 5 por cento ao ano, principalmente por meio de investimentos em agricultura, o setor com o maior potencial, e tecnologia da informação, no qual a força de trabalho altamente qualificada do país lhe dá uma vantagem, segundo Valchyshen.


Ikea é "símbolo"

O governo de Yatsenyuk está em processo de criação de uma força-tarefa anticorrupção e abriu várias investigações contra a corrupção que ganharam destaque.

A polícia efetuou buscas nos escritórios da empresa estatal de energia NAK Naftogaz Ukrainy como parte de uma investigação relacionada ao desaparecimento de US$ 4 bilhões em fundos.

Os investigadores disseram que também estão investigando ex-funcionários do Ministério da Agricultura pelo possível roubo de dinheiro do orçamento.

Tudo isso pode mudar, contudo, dependendo de quem assumir como presidente em maio. Até lá, investidores estrangeiros como a Ikea provavelmente ficarão à espera para ver como as coisas evoluem. A empresa sueca em um primeiro momento planejou abrir uma loja em Kiev, depois mudou para Odessa, até que engavetou a ideia de uma vez.

O candidato à presidência Petro Poroshenko, um magnata do ramo de fabricação de chocolate que está liderando as pesquisas de opinião, chamou a experiência da Ikea de “símbolo” do que está errado no país.

“Quando a Ikea não tem permissão para entrar no mercado, não é a Ikea que sofre, é a imagem da Ucrânia que sofre”, disse Poroshenko, em entrevista, em 2012, quando era ministro da Economia.

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