PICHAI, DO GOOGLE: executivo-chefe foi ao Congresso americano responder perguntas sobre viés das buscas e transparência / Justin Sullivan/ Getty Images (Justin Sullivan/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2018 às 11h44.
Última atualização em 20 de dezembro de 2018 às 13h15.
Há um espectro rondando as principais gigantes de tecnologia, e ele atende pelo nome de regulamentação. Já virou consenso dizer que Google, Facebook, Twitter, Amazon, Netflix e, em certa medida, Apple, têm poderes monopolistas. No caso das três primeiras dessa lista, o problema é mais grave, porque o material de que se alimentam são as informações pessoais de seus usuários. A pecha de monopólio faz lembrar das grandes corporações do início do século XX, que reinaram absolutas até ser dobradas por uma onda de legislações de proteção aos consumidores e estímulo à concorrência.
De todas, a empresa mais criticada tem sido o Facebook, cuja reputação começou a ruir com a revelação de que a rede foi usada para influenciar as eleições americanas de 2016, via fake news, e desde então não param de surgir novos escândalos (sendo o mais recente a descoberta de que dados privados foram compartilhados com desenvolvedores de software parceiros).
Mas a bola da vez é o Google, que não tinha comparecido às sessões de esclarecimento requeridas pelo Congresso há alguns meses e, ante o aumento das pressões, enviou este mês seu executivo-chefe, Sundar Pichai, para responder perguntas dos congressistas. Do lado republicano, as acusações são de que a rede tem um viés progressista, que nas buscas sobre conservadores mostra com mais destaque as notícias negativas. Do lado democrata, tem crescido o incômodo com o poder e a falta de transparência da empresa no que tange a privacidade dos cidadãos.
O Google já tem sentido o calor da batalha regulatória. O governo japonês divulgou há poucos dias um relatório de especialistas pedindo maior vigilância para proteger a competição e a privacidade dos usuários. Segue a tendência da União Europeia, que multou o Google em 4,34 bilhões de euros por práticas anticoncorrenciais (a empresa recorre da ação, em que é acusada de usar o sistema operacional Android, presente na maioria dos smartphones, para promover seu buscador, fechando a porta a rivais).
Na Austrália, uma Comissão de Competição e Consumidores formada pelo governo lançou no último dia 13 um relatório de 400 páginas que propõe a criação de um órgão regulador com a missão específica de monitorar as plataformas digitais – e teria poderes para exigir informações sobre como funcionam os algoritmos que organizam e ordenam as informações mostradas aos usuários.
Por mais que este seja um temor agudo das empresas de tecnologia em geral, e do Google muito em particular, dado que seu algoritmo é considerado um valioso segredo de negócio, não é esta a maior ameaça no horizonte. Há riscos ainda maiores, provenientes de diversas direções.
O primeiro desses riscos atende pelo nome de Amazon. À primeira vista, as duas empresas atuam em mercados completamente distintos. Uma fornece informações a partir de buscas pela internet e ganha dinheiro com a publicidade que consegue atrair pelo tráfego em suas listas, a outra vende coisas. Ocorre, porém, que a Amazon não para quieta; ela tende a ocupar mercados adjacentes com irresistível poder de fogo que seu gigantismo lhe confere.
E a Amazon está avançando sobre o mercado de publicidade digital. Ela já é a terceira colocada no mercado americano, atrás de Google e Facebook. Sua receita deve quase quintuplicar nos próximos cinco anos, de pouco menos de 6 bilhões de dólares em 2018 para mais de 28 bilhões de dólares em 2023.
Esta receita vem do estabelecimento da Amazon como o lugar onde se pode encontrar qualquer coisa. Se é assim, por que procurar no vasto oceano da web, em vez de ir direto à fonte? Nos Estados Unidos, mais e mais pessoas têm feito suas buscas na Amazon. De acordo com a empresa de serviços financeiros Raymon James, 52% dos internautas começa suas buscas pela Amazon quando tem a intenção de comprar algo. Apenas 26% fazem uso de algum buscador (majoritariamente o Google). Em 2014, a proporção era invertida: 38% iam primeiro à Amazon, 55% utilizavam buscadores.
Esta é uma fatia do mercado valiosa. As empresas têm muita ânsia de capturar a atenção do internauta quando ele está em “modo de compra”. Mas o Google ainda tem um imenso manancial de atenção quando as pessoas estão navegando por outros motivos, certo? É aí que entra o segundo risco para o Google: a Apple.
A inimizade entre Apple e Google nasceu quando o Google resolveu lançar o sistema operacional Android. Até ali, o então CEO do Google, Eric Schmidt, era um membro do conselho de administração da Apple. A criação de um sistema rival ao iOS, que comanda os aparelhos da Apple, foi considerada uma traição por Steve Jobs.
O sucessor de Jobs no comando da Apple, Tim Cook, não é nem de longe tão mercurial quando o cofundador da empresa, mas a inimizade não se alimenta da raiva. Bem mais do que uma disputa por fatia de mercado no mundo dos smartphones, as duas empresas funcionam com lógicas opostas; o sucesso de uma corrói a viabilidade da outra.
A Apple vende seus produtos, e os vende caro. Para justificar o preço, além de benefícios em parte intangíveis, como design e força da marca, ela os recheia com serviços gratuitos ou muito baratos. Vende hardware e subsidia o software.
O Google faz o contrário. Subsidia o hardware para vender software, e para vender a atenção do dono do aparelho aos anunciantes. A ira de Cook tem origem menos nos sentimentos herdados de Jobs, e mais no combate à ideia de que o hardware seja uma commodity.
E isso ajuda a explicar o alinhamento da Apple ao clamor pela regulação dos serviços digitais (ainda que a Apple também tenha um poder imenso sobre os dados dos usuários de seus aparelhos). Mais do que um mero apoio diplomático, a Apple produz armas para essa guerra. Em 2015, ela lançou um bloqueador de anúncios, que permite driblar as interrupções durante a navegação.
De acordo com a empresa de pesquisas Statista, a adesão aos bloqueadores de anúncios chegou a 27% dos usuários nos Estados Unidos em 2017, com maior prevalência entre o público jovem, justamente o mais valioso para a publicidade. Como contra-ataque, o navegador Chrome, pertencente ao Google, lançou no início deste ano o seu próprio bloqueador de anúncios; um bloqueador atenuado, que bloqueia apenas os anúncios não condizentes com os padrões de qualidade da indústria.
O terceiro risco para o Google é que a empresa não tem sido tão bem-sucedida na migração para outras áreas de atuação. O salto do mercado de buscas para a criação do Android foi genial. Mas o mundo da tecnologia está abrindo diversas novas fronteiras, e o Google está com dificuldades para conquistar espaço nelas.
Isso é crucial, como bem mostra o exemplo do Facebook. A rede social tem dado sinais de esgotamento, com queda no engajamento de seus usuários (de novo, especialmente os mais jovens); mas isso tem sido compensado pelas novas iniciativas, empresas compradas como o Instagram e o WhastApp.
No caso do Google, a tentativa de criar uma rede social que destronasse o Facebook deu em água. O serviço Google+ foi inovador, mas o Facebook soube copiar os avanços do rival e bloquear seu crescimento; em agosto, o Google anunciou que sua rede social será encerrada (o estopim foi a revelação de uma falha de segurança, que resultou em grande exposição de dados de seus usuários).
Outra fronteira é a automação de veículos. Sua divisão Waymo foi uma das pioneiras, mas esse mercado superlotou – todas as empresas de tecnologia e todas as empresas de automóveis disputam sua primazia, o que torna o resultado um tanto incerto.
A inteligência artificial é um terceiro mercado que o Google disputa. Mas perdeu a dianteira para a Amazon, cujo sistema (a assistente virtual Alexa e o comunicador para a casa Echo) tem se mostrado mais eficiente.
Um quarto campo de atuação é a criação de conteúdo. Aqui, o principal rival a ser vencido é a Netflix. O Google lançou mão da sua poderosa divisão YouTube para ganhar essa guerra – mas já parece estar batendo em retirada. A divisão lançou em 2015 um serviço pago, assinaturas sem anúncios. O passo seguinte foi partir para o combate com os serviços de música por assinatura e produzir séries próprias, ao estilo da Netflix.
As músicas não decolaram (pelo menos não até agora) e as séries… segundo o site Hollywood Reporter, o Google está tirando o pé do acelerador na produção de conteúdo próprio. Sua série de maior sucesso, Cobra Kai, uma continuação do filme Karatê Kid, deverá ser exibida de graça. Ao que tudo indica, o YouTube, que a despeito de sua extraordinária audiência ainda está por dar lucro, não se sentiu apto a brigar no nível da Netflix, cujos gastos com conteúdo original atingiram 13 bilhões de dólares em 2018, os maiores de toda a indústria.
Nenhum desses riscos, isoladamente, tem o poder de derrubar um império como a Alphabet (holding que controla o Google). E o futuro de todos esses mercados ainda é muito incerto. Mas o conjunto de problemas mostra que a empresa busca, busca, mas não está encontrando respostas convincentes.