Otelmo Drebes, presidente da Lojas Lebes: "A Lebes é uma empresa de 67 anos, que já passou por muitas crises nacionais, e superamos. Eu acredito nas pessoas, no espírito do gaúcho de reconstrução, de fazer" (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 3 de julho de 2024 às 09h26.
Última atualização em 3 de julho de 2024 às 09h27.
ELDORADO DO SUL (RS) — A Lojas Lebes, uma das maiores redes de varejo do Sul do Brasil, com um faturamento na casa de 1,5 bilhão de reais, enfrenta atualmente um dos momentos mais desafiadores em sua trajetória de quase 68 anos.
Sua sede fica em Eldorado do Sul, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre que ficou 95% submersa durante a recente enchente.
No caminho que conecta a Capital do Estado ao centro administrativo da empresa, pouco mais de 15 quilômetros, ainda hoje, dois meses depois da tragédia, é possível ver poças de água, lixo acumulado próximo a viadutos e carros danificados abandonados pelo acostamento.
Apesar da cidade ter sido duramente atingida, a sede da Lebes ficou intacta. Diferente de 16% de suas operações: 22 de suas 350 lojas ficaram completamente submersas, e outras 35 sofreram danos significativos.
Para além da estrutura, cerca de 900 funcionários foram diretamente afetados, sendo que aproximadamente 200 perderam tudo o que tinham.
Em resposta à crise, a Lebes adotou diversas medidas para apoiar seus funcionários e a comunidade. A empresa antecipou o 13º salário, vendeu produtos a preço de custo aos empregados e ofereceu assistência psicológica aos afetados. Além disso, foi criada uma ajuda financeira de até 10.000 reais para aqueles que perderam tudo, permitindo-lhes iniciar a reconstrução de suas vidas.
Muito apoiada pelo crediário, também tomou a decisão de não cobrar imediatamente as prestações dos clientes impactados pela enchente. Também criou uma espécie de cartão-presente, chamado Cartão Reconstrução, para quem quisesse doar para os atingidos.
Numa manhã de sol no Rio Grande do Sul, algo raro nas últimas semanas, o presidente da Lebes, Otelmo Drebes, recebeu a reportagem da EXAME para falar dos impactos da enchente e dos caminhos para a reconstrução.
Somos uma varejista que vai completar 68 anos e um faturamento na casa dos 1,5 bilhão de reais. A Lebes iniciou no interior do Rio Grande do Sul, em São Jerônimo, criada pelo meu pai com um monte de sócios. Eu sou da segunda geração. A cerca de 13 anos, nos mudamos para Eldorado do Sul, para chegar mais perto da grande Porto Alegre.
É uma empresa familiar profissionalizada. Hoje temos diretores profissionais, mas é uma empresa com controle familiar. Hoje eu sou presidente da empresa, presidente executivo, sócio majoritário, eu sou tudo. E o meu pai ainda é sócio também da empresa.
São 350 lojas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e tem duas operações no Paraná. Vendemos móveis, eletrodomésticos e confecções. Nossas lojas têm em média 1.000 metros quadrados, com operações também express, que são menores, de 100 a 200 metros quadrados. Temos uma atenção forte para o interior, onde as grandes varejistas têm maior dificuldade de penetração.
Sim, e muito pelo crediário. Essa é uma característica um pouco diferente. As grandes empresas trabalham muito com cartão de crédito, com Pix, mantendo uma distância do cliente. Nós temos mais de um milhão de clientes que ficam muito próximos. Com o crediário, a pessoa vai pagar a prestação, volta na loja, paga pelo celular, pelo site, na loja, mas fica muito próxima. E cerca de 70% das nossas vendas são no crediário.
Acho que tem um exemplo que ajuda a ilustrar esta resposta. Na época da enchente, tivemos um aumento de demanda, um movimento maior por alguns dias, de pessoas que querem comprar o que perderam. Eu estou sempre visitando lojas, e numa dessas visitas, já durante a época da enchente, passei por uma varejista nacional que estava fechada porque estavam com medo de saque e tumulto. Era uma cidade do interior, dificilmente teria saque. Mas alguém de São Paulo, longe da realidade, mandou fechar, e com isso, perderam vendas num dia importante. Nós estamos próximos, sabemos da realidade de cada loja que temos, de cada cidade. Não tem uma fórmula, mas é uma sensibilidade que tu vai levando no dia a dia.
Sim. Para você ter uma ideia, todos os funcionários da Lebes têm meu telefone. Eles não vão me ligar porque não precisam, há outros caminhos para eles atenderem as demandas, mas se alguém ligar, eu atendo. E tem uns 400 funcionários que eu ligo todos os anos no aniversário. Não vai me tomar mais de 30 segundos, mas o funcionário se sentirá valorizado. Eu também faço mentoria com os gerentes para nos atualizarmos e conversarmos sobre a loja todos os meses. E isso vai sendo replicado para gerentes menores, que vão se sentindo parte da cultura. Na enchente, tivemos muitas lojas atingidas e 900 funcionários afetados. Quase 300 perderam tudo. Nós adiantamos o 13º salário, vendemos produtos a preço de custo e oferecemos psicólogo para assistência. E para uma quantidade menor de funcionários, chegamos a dar 10.000 reais para eles usarem como quisessem na reconstrução.
Foram 35 lojas parcialmente atingidas, com água até o portão ou coisa assim, e outras 22 com água até o teto. Conseguimos salvar alguns produtos, mas teve locais em que a água subiu à noite e não deu para salvar nada.
A maioria reabriu, mas algumas não, porque afetou a estrutura. Algumas estão trocando de ponto, outras estamos verificando se vamos conseguir reabrir ou não.
Essa foi a parte que mais sentimos. Porque nos locais que a água subiu, colocamos mercadoria nova, balcões novos e bola pra frente. Mas com estradas interrompidas, pontes interrompidas, mesmo as lojas que não foram atingidas, foram, de certa forma, impactadas. Teve estradas que ficaram interditadas por duas semanas. E aí ficamos numa encruzilhada, porque as pessoas estavam querendo comprar, mas o produto não chegava para ser vendido.
Sim, estamos sentindo alguma coisa, mas desde o início, por uma deliberação nossa, decidimos não cobrar nada de ninguém. Pensei assim: imagina a pessoa estar preocupada com a família, com a vida, e liga uma atendente cobrando o pagamento de uma prestação da Lebes. Esse cliente vai mandar a atendente para longe. Achamos isso importante. Agora em junho, já tivemos um índice de inadimplência menor. E está melhorando, mas focamos muito mais em preservar a relação do que recebendo aquele valor naquele momento.
Uma coisa que aconteceu por um outro lado é que aumentou a venda à vista, com o dinheiro que foi liberado emergencialmente para a população, como o saque emergencial do FGTS e a antecipação do 13º salário. Houve pessoas que apareciam nas lojas querendo comprar 50.000 reais em doação. Teve isso, também. Inclusive, criamos um “cartão reconstrução”. As pessoas podem doar para esse cartão e o beneficiário compra o que realmente tiver necessidade.
A chuva é algo bom, reconfortante, serve até de calmante. Sempre foi assim, mas agora, não. Agora qualquer chuva, você fica nervoso. Cria uma insegurança nas pessoas. Tem muitas pessoas que não estão comprando porque acham que pode dar enchente novamente, então esperam. Houve cidades que, em um ano, tiveram três enchentes. E há dúvidas sobre o que está sendo feito para prevenir isso. Existem algumas mobilizações no sentido de dragagem, de fazer diques, mas isso vai levar anos.
Eu, por criação, sou muito otimista. Eu espero coisas boas. A Lebes é uma empresa de 67 anos, que já passou por muitas crises nacionais, e superamos. Eu acredito nas pessoas, no espírito do gaúcho de reconstrução, de fazer. Mas não adianta eu ser otimista e na próxima chuva as lojas encherem de água de novo. Mas sou otimista no gaúcho, no sentido desbravador, aventureiro, empreendedor, que quer crescer.
O mês de maio impactou bastante, junho também, e eu espero que a partir de julho as coisas comecem a normalizar. Mas impactou significativamente nesses meses. Isso impacta no ano, mas eu não acho que seja muito significativo. Eu espero ir recuperando isso nos próximos meses, ajudando as pessoas a comprar, dando condições para essas pessoas.
A série de reportagens Negócios em Luta é uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolaram o estado no mês de maio.
São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.
Os textos do Negócios em Luta mostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente. Tem uma história? Mande para negociosemluta@exame.com.