FPSO Cidade de Ilhabela, da Petrobras: preço de equilíbrio da companhia está ameaçado (Stéferson Faria/Agência Petrobras/Divulgação)
Juliana Estigarribia
Publicado em 9 de março de 2020 às 17h33.
Última atualização em 9 de março de 2020 às 17h34.
A batalha de preços travada entre Arábia Saudita e Rússia pela participação no mercado global de petróleo, em um ambiente de incertezas acerca do coronavírus, trará impactos significativos ao Brasil. Em um primeiro momento, a rentabilidade da Petrobras e de outras empresas do setor vai cair. Se o cenário persistir, a decisão do investidor de tirar novos projetos do papel deve ser adiada.
Na semana passada, membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) se reuniram com a Rússia para promover cortes adicionais de produção. O objetivo era equilibrar os preços da commodity, que vêm caindo diante da desaceleração da demanda em um cenário de agravamento do coronavírus no mundo. Os russos recusaram o acordo e os sauditas retaliaram, acelerando a produção e concedendo descontos de até 10% dos preços pela Saudi Aramco, estatal saudita do petróleo e uma das maiores do mundo.
O cenário não tem precedentes na história. Quando a demanda recuava, os membros da Opep se reuniam para equilibrar os preços. Em momentos de excesso de oferta, como aconteceu na última década com o avanço do shale gas nos Estados Unidos, o cartel também se movimentava para equalizar o mercado.
Agora, a demanda está em queda e a indústria global está inundada de petróleo. No curto prazo, o impacto da crise atual no caixa das empresas é certo. “No Brasil e no mundo, as petroleiras vão sofrer com a queda das margens. Em países mais dependentes do petróleo, como Venezuela e Irã, os efeitos serão mais graves”, afirma Anderson Dutra, sócio líder de energia e recursos naturais da KPMG.
Se o Brent permanecer abaixo de 40 dólares, projetos que demandam mais investimentos passam a ter atratividade reduzida. “Mesmo se o ativo for de classe mundial, como o pré-sal, o investidor acaba ficando muito eletivo ao alocar o seu dinheiro, e novos projetos devem ser postergados”, afirma Rivaldo Moreira Neto, CEO da Gas Energy consultoria especializada no setor de petróleo.
Marcelo de Assis, chefe de pesquisa da Wood Mackenzie América Latina para a área de upstream, não descarta uma queda maior dos preços do petróleo, que às 17 horas desta segunda-feira, 09, estavam cotados a cerca de 34 dólares. “A Petrobras tem que honrar compromissos, como o pagamento de dividendos, assim como as outras empresas do setor. Neste cenário, as petroleiras podem adiar a decisão de investimentos."
Em relatório do BB Investimentos, analistas afirmam que, além dos impactos relevantes no caixa da Petrobras no curto prazo, “o ponto mais preocupante é o desenvolvimento de novos projetos” da companhia. Segundo os analistas do banco, o ponto de equilíbrio atual (breakeven) da brasileira consegue manter uma geração de caixa positiva mesmo com os preços do petróleo em torno de 30 dólares. Mas o retorno deve ficar pressionado, “colocando em risco as perspectivas de maiores dividendos estimadas a partir de 2021", principalmente se os preços do petróleo persistirem abaixo de 40 dólares o barril.
Os investimentos necessários para explorar o imenso volume de petróleo do Brasil, até 2030, são calculados em cerca de 1,7 trilhão de reais, conforme a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Nos cálculos da Wood Mackenzie, caso os preços do Brent permaneçam no patamar de 35 dólares por barril, em média, até o final do ano, 380 bilhões de dólares poderiam desaparecer do fluxo de caixa das petroleiras.
Segundo Marcelo Assis, os produtores mais alavancados serão obrigados a promover cortes profundos de custos para evitar a falência, principalmente nos Estados Unidos, onde a produção de shale gas é mais cara e sua viabilidade é altamente dependente dos preços da commodity no curto prazo.
De acordo com a Schroders gestora de investimentos, se os preços do petróleo atingirem uma média de 35 dólares por barril no restante de 2020, o fluxo de caixa das empresas integradas de petróleo deverá cair entre 50% e 60%.
“Os dividendos das petroleiras não são cobertos com um barril a 35 dólares, embora não acreditemos em cortes de proventos no curto prazo”, disse Mark Lacey, diretor global de commodities da Schroders.
Com o caos gerado em poucos dias no setor petrolífero global, as bolsas ao redor do mundo despencaram. A Petrobras, maior empresa listada na B3, perdeu 91 bilhões de reais de valor de mercado somente nesta segunda-feira, quando as ações da companhia caíram 31%.
No relatório do BB Investimentos, analistas do banco projetam que, para cada variação de 5 dólares nas cotações do petróleo, o caixa da Petrobras será afetado em aproximadamente 3 bilhões de dólares, o equivalente a cerca de 10% do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) da companhia em 2019.
O que pode compensar uma parte dessa queda é a alta do dólar. Porém, o impacto na companhia deve se manter significativo. “Alguns campos do pré-sal vão continuar viáveis, mas a guerra de preços vai comprometer o caixa e os dividendos da empresa”, avalia Assis.