Negócios

Como um produto grátis pode dar errado

Parece contraintuitivo, mas às vezes, os clientes preferem gastar um pouco em vez de que receber algo de graça

Varejo: oferecer a primeira compra grátis parece ser uma estratégia de marketing intuitiva — mas pode não ser. (Ricardo Wolffenbuttel/ SECOM/Divulgação)

Varejo: oferecer a primeira compra grátis parece ser uma estratégia de marketing intuitiva — mas pode não ser. (Ricardo Wolffenbuttel/ SECOM/Divulgação)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 1 de março de 2023 às 18h52.

Para empresas que buscam atrair novos clientes, oferecer a primeira compra grátis parece ser uma estratégia de marketing intuitiva e bem-sucedida.

No entanto, uma equipe de pesquisadores da Kellogg estava interessada em saber se a estratégia de “preço zero” pode, às vezes, dar um tiro pela culatra. Xiaomeng Fan, ex-doutorando da Kellogg e agora na Universidade Tecnológica de Xangai, e o ex-professor visitante Fengyan Cindy Cai, notaram o oposto na China, seu país natal. Em muitas cidades chinesas, os idosos podem receber vacinas contra a gripe gratuitamente, mas Fan sabia que muitos optam por pagar pela imunização.

Assim, os dois se uniram a Galen Bodenhausen, professor de marketing da Kellogg, para investigar como a oferta de um produto gratuitamente pode, na verdade, às vezes ser um ponto negativo para empresas. Eles descobriram que há, sem dúvida, momentos em que as pessoas preferem pagar um pouco por algo ao invés de obtê-lo de graça.

Tudo se resume aos custos incidentais, como o tempo ou esforço envolvido na compra, ou o risco aparente da compra. Os pesquisadores descobriram que, quando um produto com altos custos incidentais era oferecido gratuitamente, havia um escrutínio extra por parte dos consumidores. Isso levava os clientes a pensar nesses custos mais a fundo do que o normal e, em última análise, levou a menor demanda pelo produto. Porém, quando o mesmo produto era ofertado por um preço baixo, mesmo um preço extremamente baixo, não causava o mesmo estudo detalhado dos custos incidentais por parte dos consumidores.

Isso significa que, quando o produto tinha um alto custo incidental, havia realmente maior demanda por uma versão de baixo preço do que por uma versão gratuita do mesmo produto—o chamado efeito “bumerangue” do preço zero.

“Queríamos descobrir os limites da oferta de preço zero”, Bodenhausen diz. “Queríamos mostrar que, embora pareça intuitivo oferecer um produto gratuitamente, nem sempre é o melhor para os profissionais de marketing. Há algumas circunstâncias em que um preço baixo que não seja zero pode se sair melhor como estratégia de aumentar a demanda”.

Quando um produto é gratuito, os consumidores analisam o tempo e o esforço

A maioria das compras inclui custos incidentais—que pode incluir tempo e esforços usados para fazer a compra ou o risco associado a ela. Pense nas horas que precisamos esperar na fila para comprar o tênis da última moda, ou o risco social do possível constrangimento de comprar xampu para piolhos na farmácia local.

Para muitos consumidores e profissionais de marketing, os custos não monetários não representam uma prioridade. Embora os clientes com certeza estejam cientes dos custos, geralmente são pequenos se comparados com o preço de um produto que podem ser ignorados.

Entretanto, Bodenhausen e seus colegas propuseram que esses custos pudessem receber uma consideração mais detalhada se o produto fosse gratuito. Ou seja, sem a principal característica normalmente considerada pelos clientes geralmente —o valor monetário— sua atenção poderia ser redirecionada para um elemento diferente de custo.

Em diversos estudos, a equipe testou a hipótese e chegou a alguns resultados surpreendentes.

Em um dos estudos, 205 estudantes universitários nos EUA completaram uma pesquisa online que descrevia uma aula sobre gestão de estresse. Alguns participantes foram informados de que a aula seria realizada online; outros foram informados de que seria realizada em um local a cerca de 40 minutos de distância de onde estavam. Nos dois grupos, alguns alunos foram informados de que a aula seria gratuita e, outros, de que custaria US$ 2. Em seguida, os participantes indicaram interesse em participar da aula, dando os motivos para isso.

Os resultados confirmaram a hipótese dos pesquisadores. Para os jovens informados de que a classe seria online, que representa menor custo incidental, a aula grátis gerou maior interesse do que a classe de baixo custo.

No entanto, os que foram informados de que o curso e seria presencial, a aula grátis gerou menor interesse do que a aula de baixo custo. Na pesquisa, os participantes expressaram maior preocupação com o tempo que levaria para ir para o curso grátis, em comparação com ao custo de US$ 2.

Para evitar a análise detalhada, os consumidores devem ficar mentalmente ocupados

Se a oferta de produtos grátis nos tornam mais conscientes dos custos incidentais, existe alguma maneira de evitar esta avaliação adicional? Para descobrir mais a respeito do tema, os pesquisadores analisaram se a alta carga cognitiva mudaria as preferências dos consumidores.

Realizaram outro estudo no qual 306 estudantes universitários chineses foram informados de que foram inscritos em um estudo com uma aula sobre mindfulness (atenção plena). Desta vez, todos os participantes foram informados de que a aula seria presencial, em um local a cerca de 60 minutos do câmpus universitário. Alguns foram informados de que seria gratuito; outros foram informados de que custaria menos de US$ 1 para participar.

Antes de serem informados sobre a aula, os participantes foram convidados a lembrar de um número. Metade dos participantes recebeu um número de 11 dígitos (o que representa uma alta carga cognitiva), enquanto que a outra metade recebeu um número de 3 dígitos (baixa carga cognitiva). Em seguida, todos leram a descrição do curso e foram convidados a classificar seu interesse.

Os estudantes com baixa carga cognitiva se comportaram como os consumidores no estudo anterior: o preço zero reduziu a demanda. No entanto, os com uma alta carga cognitiva agiram de forma diferente: o preço zero realmente impulsionou a demanda pelo curso, mesmo que houvesse um alto custo incidental do tempo para chegar ao local onde a aula seria ministrada.

“Ao se interromper o processo de escrutínio, não existirá mais o efeito bumerangue que observamos anteriormente”, diz Bodenhausen.

Consumidores não analisam produtos de baixo custo

Cada um desses estudos envolveu o custo do tempo. E o que isso pode representar aos outros tipos de custos incidentais?

Em outro estudo, os pesquisadores se concentraram no esforço necessário para se fazer alguma coisa. Recrutaram 192 participantes chineses e lhes deram informações sobre um seminário online sobre currículos. O curso exigiu que os participantes enviassem um rascunho de seu currículo antes do início da aula. Alguns participantes foram informados de que a aula era gratuita. Outros foram informados de que custaria o equivalente a um centavo.

O valor grátis aumentou o interesse entre as pessoas que já tinham um currículo pronto. Porém, os que não tinham um currículo pronto—e, portanto, teriam que se esforçar para criar uma versão inicial—estavam menos interessados na aula grátis do que na de custo extremamente baixo.

Essa descoberta não apenas demonstra que o efeito é levado aos custos incidentais relacionados ao esforço, mas também mostra o quão poderoso o número zero realmente é. “Isso mostra que o efeito bumerangue envolve uma reação do consumidor que se nota exclusivamente com os preços zero”, diz Fan. “O efeito não ocorre com preços extremamente baixos”.

Os pesquisadores ficaram surpresos com isso, acrescenta Bodenhausen. “Pensei que talvez as pessoas suspeitassem do valor de 1 centavo, que talvez isso pudesse desencadear um maior escrutínio, mas algo com um preço irrisório ainda era muito mais eficaz do que um preço zero”.

Os pesquisadores também estudaram se esse efeito bumerangue seria verdadeiro se o custo incidental envolvesse risco.

Assim, pediram a 376 estudantes universitários chineses que lessem um parágrafo com informações básicas sobre a hepatite C. Em seguida, disseram aos alunos que uma empresa farmacêutica havia desenvolvido uma vacina para a doença. Alguns participantes foram informados de que a vacina estava no mercado há algum tempo e funcionava conforme o esperado. Outros foram informados de que a vacina ainda não era utilizada no público em geral, então as autoridades ainda estavam monitorando de perto o desempenho da vacina. Dentro de cada grupo, alguns participantes foram informados de que poderiam obter a vacina gratuitamente, enquanto outros foram informados de que custaria menos de US$ 1.

Mais uma vez, a hipótese da análise cautelosa se manteve. Entre os participantes informados de que a vacina ainda não era utilizada para todos—o que presumivelmente parecia mais arriscado—havia mais interesse na vacina de baixo custo do que na gratuita.

Os pesquisadores queriam descartar uma explicação alternativa, que os participantes demonstrariam ceticismo em relação à empresa pelo fato de a vacina ser gratuita. Mas, quando perguntados a respeito disso, os participantes indicaram não descrerem a estratégia de preços, sugerindo que o preço zero não considera um produto ou uma empresa menos confiável.

Os profissionais de marketing podem precificar de acordo com os custos incidentais

Bodenhausen, que já estudou as percepções dos números, diz que o zero ocupa um lugar especial em termos psicológicos. A compreensão do zero vem mais tarde no desenvolvimento infantil do que a compreensão de números baixos, e zero como número e conceito surgiu mais tarde do que outros números na civilização ocidental.

“Em termos monetários, a diferença entre 0 e 1 é incrivelmente pequena, mas, psicologicamente, é muito diferente—é a ausência de algo contra a presença dele”, diz Bodenhausen.

Embora futuros pesquisadores possam querer explorar ainda mais a avaliação detalhada provocada pelo preço zero, os resultados atuais já têm implicações para os profissionais de marketing.

Deve-se evitar um preço zero quando os custos incidentais são altos. Frequentemente esse é o caso em canais offline, onde custos como tempo de deslocamento ou exposição à COVID-19 podem entrar em jogo. Os profissionais de marketing podem até considerar segmentar os preços para diferentes grupos de acordo com os custos incidentais ou em diferentes etapas do ciclo de vida do produto. Talvez um preço gratuito não seja a melhor opção para uma nova vacina, mas poderia funcionar para uma vacina já solidificada no mercado.

Independentemente disso, esse escrutínio pode ser mitigado mantendo os potenciais consumidores cognitivamente ocupados. “Naturalmente, os profissionais de marketing socialmente responsáveis precisam considerar o bem-estar do consumidor ao decidir se e como aumentar a carga cognitiva”, dizem Fan e Cai.

Acompanhe tudo sobre:Varejo

Mais de Negócios

Sears: o que aconteceu com a gigante rede de lojas americana famosa no Brasil nos anos 1980

A voz está prestes a virar o novo ‘reconhecimento facial’. Conheça a startup brasileira por trás

Após perder 52 quilos, ele criou uma empresa de alimento saudável que hoje fatura R$ 500 milhões

Esta empresária catarinense faz R$ 100 milhões com uma farmácia de manipulação para pets