Fábrica de eletrônicos da Pegatron, fornecedora da Apple (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 25 de abril de 2016 às 18h56.
Poucos minutos depois das 9 horas na enorme fábrica da Pegatron que fica na periferia de Xangai, milhares de trabalhadores com casacos cor-de-rosa se preparam para fabricar aparelhos iPhone.
Homens e mulheres passam por detectores faciais e de crachás ao atravessar as catracas de segurança para bater o ponto. O objetivo das estritas verificações de identidade é garantir que eles não trabalhem horas extras excessivas. O procedimento dura menos de dois segundos.
Este é o reduto onde os smartphones mais lucrativos do mundo são fabricados, parte da cadeia de abastecimento da Apple, que a empresa faz questão de guardar em segredo. Depois de serem acusadas durante anos de que seus trabalhadores na China eram obrigados a trabalhar jornadas longas e extenuantes, a Pegatron e a Apple adotaram novos procedimentos para impedir que os funcionários da linha de montagem acumulem horas extras em excesso. Elas estão ansiosas para mostrar como o sistema funciona e, pela primeira vez, permitiram que um jornalista ocidental entrasse em seu santuário.
John Sheu, conhecido na fábrica como Big John, ou o Prefeito, guia a visita do repórter da Bloomberg. Ele é o presidente da unidade da Pegatron, onde 50.000 pessoas montam aparelhos iPhone. Sua função é assegurar que se dedique mais tempo à fabricação de telefones, em vez de desperdiçá-lo com distrações improdutivas, como listas de chamada e verificações de identidade.
“Cada segundo conta”, diz Big John.
Depois de passar por detectores de metal que farejam aparelhos com câmeras – que poderiam ser usados para divulgar fotos de produtos novos que ainda não foram lançados –, os trabalhadores seguem a direção das flechas do chão e dos pôsteres motivacionais pendurados nas paredes. Sobem uma escadaria com uma rede de segurança, para evitar acidentes – ou tentativas de suicídio. Em um conjunto de armários, eles vestem uma boina azul e trocam seus sapatos por chinelos plásticos limpos. Às 9h20, os 320 funcionários da unidade de produção se alinham com precisão militar em quatro filas para a chamada de presença.
“Bom dia!”, gritam em uníssono sob o olhar atento do Prefeito, acompanhado por supervisores de turno munidos de aparelhos iPad improvisados com fita preta. Eles analisam os funcionários. Seis minutos depois, os trabalhadores estão no andar da linha de produção, montando os smartphones que passam nas esteiras transportadoras. No dia da visita, um funcionário estava de licença médica, então o chefe de turno ajustou rapidamente a linha de montagem para garantir que não se perdera nada da produção.
Essa fábrica, na esquina das ruas Xiu Yan e Shen Jiang, é uma das instalações mais secretas do cerne da produção do iPhone e cobre uma área que equivale a quase 90 campos de futebol americano. No centro, tem uma praça com lareira, posto policial e correio. Há ônibus de traslado, cafeterias imensas, gramados paisagísticos e lagos artificiais com carpas. Os edifícios cinza e amarronzados anseiam evocar a arquitetura tradicional chinesa. A nova Disneylândia de Xangai, que abrirá as portas em junho, fica a 20 minutos de carro dali.
Segredo
Do lado de dentro, a fábrica ainda esconde um segredo, de acordo com a China Labor Watch. O salário-base continua tão baixo que os trabalhadores precisam fazer horas extras simplesmente para pagar as contas, disse o grupo ativista. O grupo afirma que 1.261 contracheques da unidade da Pegatron em Xangai referentes a setembro e outubro de 2015 comprovam o excesso de horas extras. A Pegatron, uma unidade da Asustek, é a maior fabricante contratada de produtos eletrônicos do mundo depois da Foxconn, de acordo com a Bloomberg Intelligence.
A Pegatron contestou afirmando que o grupo errou na conta porque esse período incluía feriados estatais, quando o salário equivale a três vezes o valor normal. A Apple e a Pegatron dizem que nunca foram procuradas pela China Labor Watch, que afirmou ter buscado a Apple e não ter recebido resposta. Desde março, o grupo disse ter reunido mais 441 contracheques que indicam a continuidade do excesso de horas extras.
A Pegatron disse que adere às diretrizes da Electronic Industry Citizenship Coalition, que restringem a quantidade de horas extras a cerca de 80 horas por mês. A Apple disse que seus fornecedores seguem o código de conduta do setor, e a Pegatron disse que ela e outras fabricantes estão isentas do limite máximo de 36 horas extras mensais impostos pelo Estado chinês.
“A produção fabril não é um pecado”, disse Denese Yao, que supervisiona a relação entre a Pegatron e seu poderoso cliente de Cupertino, Califórnia. “As pessoas pensam que nós estamos espremendo tudo dos trabalhadores”, disse ela durante a visita, quando entrou em contato por videoconferência da sede da Pegatron em Taipei. “Precisamos deixar que elas conheçam esse ambiente de trabalho, que é eficiente e responsável”.
Mais que o limite
Para isso, a Pegatron adotou o novo sistema de identificação, com crachás vinculados a um banco de dados que monitora o tempo, os salários e até os gastos com as tarifas dos dormitórios e do almoço. O sistema contribuiu para que as normas em relação às horas extras fossem quase 100 por cento cumpridas, disse a Pegatron, com apenas umas poucas exceções no caso de engenheiros que fazem consertos de emergência. Em sua mais recente auditoria, a Apple disse que o compliance dos fornecedores com a semana de 60 horas de trabalho foi de 97 por cento em 2015, 5 por cento a mais que no ano anterior.
Na verdade, alguns funcionários gostam da oportunidade de incrementar o próprio salário, mas essa prática diminuiu, disse um funcionário da Pegatron, indicado à Bloomberg pela China Labor Watch, que revelou apenas seu sobrenome por temor a represálias. “O máximo é 60, mas os funcionários escolheriam mais horas porque os salários são baixos”, disse Ma. “Podemos ganhar muito mais com as horas extras, então sempre queremos horas extras”.
Quando Ma começou a trabalhar na fábrica há três anos, era rotineiro que os funcionários trabalhassem mais do que o limite porque queriam o dinheiro adicional. Essa possibilidade já não existe.
Isso ocorre por causa do sistema que Sheu afirma ter ajudado a projetar. Ele vincula as catracas aos aparelhos iPad de fazer a chamada e ao crachá de cada funcionário para enviar aos gerentes alertas automáticos quando os trabalhadores chegam perto do limite de 60 horas ou quando bateram o ponto seis dias seguidos. Se um funcionário tenta ultrapassar esses limites, o sistema bloqueia automaticamente sua entrada, disseram os executivos e os trabalhadores.
Uma melhoria que os executivos da Pegatron fizeram questão de mostrar foi a maior transparência com os salários. Os funcionários agora podem verificar suas horas, seus contracheques e os gastos mensais com alojamento e refeições através de terminais com tela de toque espalhados pela fábrica. Incluindo as horas extras, o salário que os trabalhadores levam para casa varia em média entre 4.200 yuans e 5.500 yuans (US$ 650 e US$ 850) por mês. Uma funcionária, que ajudava os trabalhadores a acessar os postos automatizados de informação, mostrou que seu salário-base era de 2.020 yuans. Na China, um iPhone 6 custa 4.488 yuans.
Trabalho flexível
A Pegatron resume o panorama de mudanças sociais e econômicas da China, que, apesar de anos de aumento dos custos trabalhistas, continua sendo a peça-chave da rede de abastecimento mundial de produtos eletrônicos. Fabricantes contratadas, como a Foxconn e a Pegatron, dominam a produção mundial de diversos produtos, como laptops, televisores, smartphones e tablets.
O foco agora está mudando para a produtividade e a retenção de profissionais, porque os salários estão aumentando e o envelhecimento da população reduz o conjunto de trabalhadores. As fábricas irregulares e o emprego escravizante do passado estão sendo substituídos por fábricas de estilo moderno, com comodidades como conexão Wi-Fi gratuita, salas de TV, serviços de limpeza e até opções de dormitórios melhores.
“É flexível em comparação com outras fábricas”, disse Xu Na, 30, que seguiu os passos do irmão mais novo e também trabalha na fábrica. “Nunca trabalhamos mais que 60 horas”.