Uma das construções da Delta, no Rio: empresa é acusada de superfaturar obras (Reprodução)
Tatiana Vaz
Publicado em 30 de abril de 2012 às 11h29.
São Paulo – Maior estádio do país e um dos maiores do mundo, o Maracanã, no Rio de Janeiro, se confunde com a história do futebol brasileiro. Com capacidade para 76.000 pessoas e um dos orçamentos de reforma mais caros entre os contratados para a Copa do Mundo no Brasil, ele será a estrela do encerramento dos jogos no país, em 2014. Porém, por enquanto, o estádio é coadjuvante também de um dos mais ruidosos escândalos corporativos recentes.
Iniciada em setembro de 2010, a reforma do Maracanã estava, até poucos dias, sendo tocada pelo consórcio formado pela Delta junto com a Odebrecht Infraestrutura e Andrade Gutierrez. A empreiteira de Fernando Cavendish protagonizava uma das maiores ascensões empresariais já vistas no país.
Com inúmeros contratos fechados com o governo público, o empresário multiplicou seu faturamento de 67 milhões de reais para 3 bilhões de reais em nove anos. Um levantamento feito pela ONG Contas Abertas mostra que, apenas em obras contratadas pelo governo federal, a Delta arrecadou nesse período 4 bilhões de reais. Demanda que fez com que a empresa hoje contasse com 25.000 funcionários diretos e outros 5.000 indiretos para dar conta do recado. Tudo meteoricamente indo bem até que a empresa que vivia de licitação em licitação passou a encenar apenas escândalos.
Além de obras do PAC, estádios e outras grandes construções, a Delta passou também a colecionar em seu portfólio indícios de superfaturamentos, fraudes e propinas.
Em uma investigação sobre Carlos Cachoeira, preso por comandar um esquema ilegal de jogos, a Polícia Federal descobriu a relação do contraventor com Cavendish. O empresário, segundo as acusações, usava sua relação com Cachoeira para corromper autoridades nos governos de Tocantins, Distrito Federal e Goiás. A missão da empresa, em vez de apenas construir, era também obter contratos de licitação a qualquer custo, conforme as investigações. Suborno a políticos e servidores públicos eram alguns dos métodos mais usados pela companhia, de acordo com o apurado pela PF.
Governança zero
Depois dos escândalos, Fernando Cavendish renunciou à presidência do conselho de administração da própria companhia. Sua saída tem o objetivo público de tornar isenta a investigação sobre a ligação da construtora com Carlinhos Cachoeira. Além de Cavendish, Carlos Pacheco, que também fazia parte do conselho, foi afastado de suas funções dentro da empresa. Uma ampla auditoria será realizada na companhia para averiguar todas as ações realizadas pela diretoria da construtora.
“De maneira geral, as melhores práticas de governança requerem presidentes independentes do conselho, bons controles de riscos de negócios e um plano de crise, em especial, quando a empresa é voltada a negócios sensíveis como fornecer serviços ao governo”, afirma Carlos Eduardo Lessa Brandão, conselheiro de administração do IBGC.
O efeito dominó que virá depois da descoberta das irregularidades da empreiteira ainda não dá pra ser calculado. Mas o estrago nas contas das obras tocadas por Cavendish já começaram a aparecer.
O estádio do Maracanã, por exemplo, pode ser um dos prejudicados. O edital para a reforma, em junho de 2010, trazia o orçamento de 720 milhões de reais, porque incluía a demolição da arquibancada superior. A licitação foi vencida pela Delta e demais empresas do consórcio, por 705 milhões de reais. Meses depois, o valor da obra, com a necessidade de outras melhorias, já chegara a 932 milhões de reais - o projeto executivo e o orçamento completo ainda estão sob análise do Tribunal de Contas da União. Em dificuldades para obter financiamento bancário a suas operações, a Delta suspendeu recentemente os aportes para a reforma do Maracanã. Esta semana, a empresa deixou de repassar mais de 6 milhões de reais.
Nas obras na BR-174, em Roraima, a construtora detém grandes contratos com sobrepreço de cerca de 3,7 milhões de reais, segundo levantamento da ONG Contas Abertas. Os indícios de irregularidades foram apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no mesmo ano da contratação da empresa pelo governo do estado.
Se a empresa conseguirá se desfazer da imagem de construtora de castelos de areia só o tempo dirá daqui para frente. “O fato é que a maneira como a empresa lida com uma crise pode minimizar, e muito, o impacto negativo gerado em momentos assim”, diz Brandão. De concreto, a Delta já se tornou alvo da cobiça dos concorrentes. Segundo o blog Primeiro Lugar, de Marcelo Onaga, em EXAME.com, a empresa foi procurada por interessados que chegaram a oferecer 1 bilhão de reais para comprá-la.