Vendedor ambulante no Brasil: cerca de 40% dos trabalhadores estão informais (Diego Herculano/NurPhoto/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 30 de dezembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 14 de junho de 2021 às 13h05.
Em evento no fim de dezembro, o secretário de política econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, afirmou que, embora em 2019 o país tenha melhorado economicamente, em sua visão, e feito um ajuste nas contas públicas, um dos principais desafios brasileiros segue em pé para 2020: melhorar a produtividade.
Entra ano e sai ano, a baixa produtividade é citada por uma série de empresários e governantes como um ponto a ser atacado. O Brasil está entre os países mais improdutivos do mundo. Fica atrás mesmo de vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai e de países de renda parecida, como Rússia, África do Sul e México, segundo dados de 2019 da organização americana The Conference Board, que compila números sobre produtividade desde a década de 1950.
Neste cenário, um novo estudo da consultoria McKinsey, encomendado pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), aponta que, no varejo e em outros setores da indústria, parte da culpa para esses baixos índices de produção recai sobre a alta informalidade no Brasil.
Um trabalhador ou empresa é considerado informal pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) quando trabalha sem carteira assinada ou sem outros tipos de regularização -- pequenos empresários, prestadores de serviço ou empregados podem se formalizar, por exemplo, ao se registrar como MEI (Microempreendedor Individual) ou no Simples Nacional.
Mas, no Brasil, cerca de 41% dos trabalhadores ainda trabalham sem qualquer desses registros, segundo o instituto, ou mais de 38 milhões de brasileiros. Isto é, a cada dez trabalhadores, quatro trabalham informalmente. É o dobro da média de cerca de 18% nos países desenvolvidos.
O prejuízo está ficando alto para os brasileiros. Países com alta produtividade são, no geral, os com maior PIB per capita (o Produto Interno Bruto dividido pelo número de habitantes), mostra o estudo da McKinsey. "O que a informalidade faz é limitar a produtividade e, portanto, limita o crescimento econômico", afirma a consultora Tracy Francis, uma das responsáveis pela pesquisa.
Por muito tempo, o Brasil foi um paraíso da informalidade. Em 1992, o trabalho informal atingia 57% da população trabalhadora. Em 2002, continuava em 55%. O cenário começou a melhorar na sequência: em 2012, o Brasil havia dado um bom salto, chegando a "apenas" 40% de informalidade, uma melhora de quase 20 pontos percentuais. Esse percentual fez o Brasil sair de um patamar de informalidade típico de países pobres na década de 1990 e começo dos anos 2000 e saltar para um patamar de países de "renda média", aponta a McKinsey.
O problema é que parou por aí. Em 2018 e 2019, a informalidade segue na casa dos 40%. Francis, da McKinsey, aponta que por si só já é uma boa notícia o fato de o índice não ter piorado desde 2012, em um cenário de crise econômica no Brasil nos últimos anos.
O mesmo movimento de estagnação pode ser visto na produtividade brasileira. Em 1992, cada trabalhador brasileiro gerava, por hora trabalhada, o equivalente a 13 dólares paridade de compra (uma unidade de medida criada para evitar distorções no câmbio na comparação entre diferentes países). Até 2012, o número saltou para 19 dólares por hora trabalhada, segundo a The Conference Board. Em 2019, sete anos depois, a produtividade segue em 19 dólares por hora, a mesma taxa de 2012.
Na China, no mesmo período entre 1992 e 2019, a produtividade por hora saltou de 2 dólares em 1992 para 16 dólares em 2019. Embora tenha a segunda maior economia do mundo, o país, que só recentemente vem conseguindo fazer a transição de país em desenvolvimento para superpotência mundial, sofre problemas de alta informalidade parecidos com o Brasil. A taxa de informais chineses é de cerca de 50% dos trabalhadores.
No Brasil, os campeões de informalidade são agricultura (77% dos trabalhadores eram informais, segundo dados de 2018 do IBGE compilados pela McKinsey), construção (57%) e comércio (35%). Todos reduziram seus níveis de informalidade nos últimos dez anos, mas os índices seguem altos e sem melhorias recentes.
"É natural que a informalidade tenha diminuído no Brasil nos primeiros anos desta década, com a economia indo bem e mais empresas contratando. O fato de não ter voltado a piorar com a crise é quase um milagre. O desafio agora é voltar a melhorar esses índices", diz Francis.
Defensores da reforma trabalhista aprovada pelo governo do ex-presidente Michel Temer em 2017 e aperfeiçoada com a "minirreforma trabalhista" do ministro Paulo Guedes neste ano apontam que, com regras mais atualizadas para contratações, o nível de informalidade e desemprego diminuiria. Na prática, a reforma ainda não se provou capaz de gerar mais empregos formais -- tanto com carteira assinada como via "pejotização", com trabalhadores registrados como prestadores de serviços e, tendo, portanto, alguns direitos junto ao INSS.
Novos modelos de prestação de serviço, como os alavancados recentemente pelos aplicativos de economia compartilhada, também vêm ganhando adeptos. Essa massa de trabalhadores já passa de 5,5 milhões de pessoas, segundo estudo do Instituto Locomotiva publicado por EXAME em abril.
Um entregador ou motorista de aplicativo pode ser considerada formal ou informal a depender do caso. Empresas como iFood, 99, Uber, Rappi e Loggi pagam impostos ao governo brasileiro e atuam dentro da legalidade, movimentando a economia. Mas o ideal seria que todos os parceiros dessas empresas se registrassem como MEI ou no Simples Nacional, para que gozem de benefícios como prestadores de serviço regularizados, dizem os especialistas. É um cenário que ainda deve avançar nos próximos anos. Neste ano, a função de entregador foi uma das que mais renderam registros como MEI em São Paulo -- um bom sinal para a formalização.
O estudo da McKinsey define como informalidade todas as "atividades lícitas realizadas ilicitamente". Assim, a informalidade afeta o crescimento econômico do Brasil não só ao gerar empregos irregulares, mas ao aumentar o terreno para uma infinidade de ações de contrabando e produtos piratas.
Só em produtos piratas, o Brasil perdeu em 2018 mais de 193 bilhões de reais, com sonegação de impostos no varejo ou comercialização de forma ilegal, segundo levantamento do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). O setor mais afetado é o de vestuário, com mais de 50 bilhões de reais, seguido de longe pelo cigarro, com mais de 14 bilhões. Em seguida vêm medicamentos, defensivos agrícolas, óculos e softwares.
Esse tipo de prática irregular é incentivada quando acontece uma combinação de até três fatores: os custos para cumprimento da lei são altos, os riscos de detecção das irregularidades são baixos ou as eventuais sanções são brandas.
Houve alguns avanços recentes, como a instituição do Simples Nacional, modelo que simplificou a carga tributária para pequenas empresas, a Nota Fiscal Paulista, que aumentou a exigência da sociedade com nota fiscal, segundo a McKinsey, ou a onda de digitalização de pagamentos, que facilita a fiscalização. Mas há muitos "incentivos" para ser irregular no Brasil, diz o relatório da McKinsey.
A alta carga tributária para empresas no país faz com que pequenos ou médios empresários tenham medo de deixar o Simples, o que vai exigir um grande investimento em advogados que entendam as complexas leis tributárias para empresas maiores, por exemplo. "Dessa forma, quem contrata de forma informal ou tem uma empresa com produtos irregulares torna-se mais competitiva e consegue sobreviver, porque acaba tendo menos gastos", diz Francis.
Se o Brasil sempre foi um país informal no mundo real, a tendência é que esse comportamento seja replicado na internet. Com 200 milhões de telefones celulares no Brasil e o crescimento do mercado de comércio eletrônico (que deve responder por mais de 10% do varejo em 2023), novos problemas deverão se impor à regulação da informalidade.
Um dos desafios, para as varejistas e para o governo, é fiscalizar a venda de produtos de terceiros nos sites de grandes varejistas, o chamado marketplace. Como a venda é de responsabilidade do lojista terceiro, alguns desses produtos podem ser vendidos sem nota fiscal ou sem pagamento adequado de impostos sem que a varejista que hospedou a venda perceba.
As vendas via marketplace já contabilizam mais de 70 bilhões de reais no Brasil, uma alta de mais de 20% desde 2015. A tendência é que sigam crescendo -- em algumas varejistas, as vendas de terceiros em seus sites já responde por mais de um terço ou metade dos produtos.
Não existe, por enquanto, nenhum tipo de regulação para marketplace no Brasil. Países da União Europeia, os Estados Unidos e até mesmo a China -- considerada um paraíso dos produtos piratas -- vêm começando a implementar leis para melhor regular as vendas online. No geral, a responsabilidade ante essas novas regras recai sobre as varejistas, que devem garantir que os vendedores que comercializam em suas plataformas, ainda que terceiros, paguem corretamente os impostos e que os produtos vendidos são regulares.
Na União Europeia, mais de 5 bilhões de euros são perdidos em informalidade online. No Brasil, não há ainda um estudo que quantifique esses valores. "Não dá para precisar quanto dinheiro é perdido, mas o que se sabe é que esse ambiente dificulta qualquer tipo de fiscalização", diz Francis, da McKinsey. "Então, o mundo está começando a olhar para essa questão e tentando regular."