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Com pagamento pelo WhatsApp, Cielo vai além da guerra de maquininhas

Ferramenta de pagamento do WhatsApp pode chacoalhar o setor de meios de pagamento no Brasil. Cielo, Mastercard e Visa serão parceiras

O WhatsApp tem 120 milhões de usuários ativos mensais por mês no Brasil, o que dá uma vantagem para a Cielo (WhatsApp/Divulgação)

O WhatsApp tem 120 milhões de usuários ativos mensais por mês no Brasil, o que dá uma vantagem para a Cielo (WhatsApp/Divulgação)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 15 de junho de 2020 às 16h40.

Última atualização em 15 de junho de 2020 às 19h03.

As empresas financeiras do Brasil ganharam um acompanhante de peso nesta segunda-feira, 15. O WhatsApp, aplicativo de mensagens que pertence ao Facebook, anunciou uma opção de pagamentos direto pelo app. O Brasil será o primeiro país em que a ferramenta será testada.

A primeira adquirente parceira da ferramenta anunciada foi a Cielo, que já estava negociando há algum tempo com a companhia norte-americana. A novidade fez as ações da Cielo dispararem, já que pode ser uma saída para a empresa que vinha sofrendo nos últimos anos com concorrentes mais jovens e mais ágeis.

Outras adquirentes podem entrar na parceria, que não é de exclusividade. "Construímos um modelo aberto para dar as boas-vindas a mais parceiros no futuro", diz o WhatsApp em comunicado. As bandeiras de cartão Mastercard e Visa também são parceiras e por ora serão aceitos no WhatsApp os cartões dos bancos Banco do Brasil e Nubank e da cooperativa de crédito Sicredi.

O anúncio fez as ações da adquirente operarem em alta acima de 20% ao longo de quase todo o dia. Às 14h30, o papel subia 25%, cotado a 5,28 reais. Embora a valorização chame a atenção, o valor das ações estava em queda desde o início do ano e ainda está 40% abaixo do valor do início do ano. No último ano, as ações perderam 20% do valor. 

Expectativa que vem da China

O motivo para a alta nas ações de hoje é a possibilidade de criar um grande mercado, acredita Luis Sales, analista de mercado da Guide Investimentos. Na China, o mercado mais avançado do mundo em meios de pagamentos digitais, o pagamento via aplicativo de mensagens já é comum - e amplamente utilizado. O WeChat, aplicativo de mensagens que também permite fazer compras, reservar serviços, pedir um táxi, entre outros, tem 1,1 bilhão de usuários e sua controladora, a companhia Tencent, é uma das maiores do mundo com valor de mercado de 541,9 bilhões de dólares.

O mercado no qual a nova ferramenta do WhatsApp irá ingressar, o de pagamento por cartões no Brasil, já movimenta mais de 1,55 trilhão de reais, segundo a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. São cartões conectados a carteiras digitais, lojas virtuais, QR codes e uma dezena de maquininhas no varejo físico.

"Há uma expectativa muito grande em relação a essa funcionalidade", diz Sales. Ao contrário de outros meios de pagamento, como o pagamento por código QR, usado pelo iFood em restaurantes e pelo PicPay, o Whatsapp já é um aplicativo amplamente difundido no Brasil. O WhatsApp tem 120 milhões de usuários ativos mensais por mês no Brasil, segundo a própria empresa. O Brasil é o segundo maior mercado do aplicativo no mundo, atrás da Índia, com 400 milhões de usuários. No mundo, são mais de 1 bilhão de pessoas.

Isso dá à Cielo uma vantagem grande. Na guerra das maquininhas, a Cielo estava presente principalmente entre as grandes empresas e não tinha grande presença no mercado de pequenas e médias empresas, restaurantes e comércio de bairro. Outras empresas, como a PagSeguro e Stone têm uma presença mais forte nesse segmento. A Cielo lançou máquinas mais simples e acessíveis e iniciou a venda dos equipamentos há dois anos, mas ainda sem sucesso. "A Cielo investiu para ganhar participação de mercado, mas por enquanto essas apostas só geraram despesas, sem resultados", diz Sales.

Agora, busca ir além das maquininhas. No ano passado, lançou o Cielo Pay, aplicativo que permite que lojistas vendam produtos sem usar os terminais de pagamento, apenas com a geração de um código QR no celular, envio de link para pagamento por WhatsApp ou ainda pela emissão de boleto. Com a parceria com o Facebook para pagamento via Whatsapp, a Cielo é pioneira nessa tecnologia. 

Ainda que a perspectiva seja positiva, é necessário cautela. "Ainda é um projeto piloto e os resultados devem demorar a aparecer", diz Sales. O maior desafio da Cielo é mais urgente: a pandemia do coronavírus, que obrigou comércios a fecharem suas portas por semanas e até meses. Esse deve ser o maior fator de impacto nos resultados não só para a Cielo mas também suas concorrentes.

A busca pelos pagamentos

A Cielo, controlada por Banco do Brasil e Bradesco, por muito tempo reinou soberana no setor de maquininhas no Brasil, ao lado da Rede, do Itaú, e da Getnet, do Santander, e nos últimos dois anos ganhou fortes concorrentes, como novatos como PagSeguro e Stone, além de outras fintechs e até varejistas.

Entre as concorrentes, estão o Mercado Livre, dono da fintech Mercado Pago com mais de 30 milhões de usuários, o PicPay, que cresce durante a pandemia do novo coronavírus e chegou à mais de 20 milhões de usuários. O Itaú também lançou sua carteira digital, o iti, B2W e Americanas controlam a Ame Digital, o Magalu tem o Magalu Pay, a Movile é dona da Movile Pay que integra ao iFood, de delivery de refeições. A lista segue.

Agora, o pagamento pelo Whatsapp cria uma concorrência sem precedentes para bancos, adquirentes ou carteiras digitais.

Além do usuário final, os principais interessados na tecnologia do WhatsApp devem ser justamente as pequenas e médias empresas que o emaranhado de fintechs e bancões tenta abocanhar. É uma demanda especialmente necessária durante a pandemia do novo coronavírus, que fez uma série de pequenas empresas ter de se voltar às vendas online sem ter uma grande estrutura para tal.

O serviço de pagamento pelo WhatsApp ficará aberto a pequenas empresas que usam o chamado WhatsApp Business, braço corporativo do app, e as taxas para as empresas serão de 3,99%. "A capacidade de realizar vendas com facilidade no WhatsApp ajudará os empresários a se adaptarem à economia digital, apoiar o crescimento e a recuperação financeira", disse em comunicado o diretor executivo de Produtos e Serviços do Banco Cooperativo Sicredi, Cidmar Stoffel.

Um relatório do banco UBS divulgado após o anúncio do WhatsApp aponta que, embora os ecossistemas de adquirentes e carteiras digitais devam sofrer com o novo concorrente, uma série de empresas já possui link de pagamentos via WhatsApp -- não precisando, portanto, usar o serviço direto da plataforma.

Assim, esse tipo de serviço pode continuar gerando tráfego de pagamento. Ponto para as empresas com ecossistema mais forte, como a Ame Digital e o Mercado Pago, segundo o UBS. "Embora o WhatsApp ofereça riscos no [mercado] offline para AME e Mercado Pago, ele também aumenta a adoção geral do Social Commerce, e, consequentemente, o tamanho do mercado", escrevem os analistas do banco.

O UBS classifica com recomendação de compra a Stone, a PagSeguro e o Mercado Livre, e a Cielo como "neutra".

Com tantas carteiras digitais surgindo, o mercado pode estar se aproximando do limite. Afinal, o usuário não terá cinco aplicativos financeiros e deve escolher apenas um ou dois. "Devemos ver uma consolidação nos próximos anos", diz Horn.

Ameaça às maquininhas?

A potencial reviravolta no mercado que o WhatsApp pode causar, contudo, não é necessariamente uma grande surpresa. O movimento das grandes empresas de tecnologia rumo ao segmento de serviços financeiros já vinha acontecendo. O próprio Facebook, que é dono do WhatsApp e do Instagram, já disponibiliza há mais de três anos nos Estados Unidos uma ferramenta de pagamento pelo Facebook Messenger, o chat da rede social homônima.

"O novo meio de pagamento é uma evolução natural e já esperada pelo mercado e segue a tendência de pagamento instantâneo", afirmou Guilherme Horn, conselheiro da AB Fintechs.

As transações digitais também afetam o segmento de pagamentos no varejo físico, já que na retomada da economia os clientes devem evitar tocar nas maquininhas de pagamento. Mas os brasileiros ainda terão de se adaptar a um formato como o QR Code, ainda menos disseminado. Já no WhatsApp, sua alta penetração entre os brasileiros pode ser um concorrente de peso.

Para a Cielo, pode ser um alívio ou uma nova dor de cabeça, no meio de uma guerra de maquininhas e da crise do varejo com a pandemia.

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