Antônio Napp, CFO do Grupo Panvel: "Tivemos uma oportunidade única de estreitar laços" (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 10 de julho de 2024 às 08h41.
Eldorado do Sul (RS) — O CFO do Grupo Panvel, Antônio Napp, foi acordado na manhã de 3 de maio com um telefonema. A diretora de recursos humanos da empresa, Lívia Moraes, ligava para informar que uma condução que levava funcionários à sede da companhia em Eldorado do Sul, cidade a 15 quilômetros de Porto Alegre, estava impedida de chegar pelas enchentes que atingiam a região.
Napp imediatamente orientou os funcionários a retornarem para casa e a Panvel formou um comitê de crise para estudar os próximos passos. Não só a sede administrativa estava isolada, mas também o data center e o centro de distribuição, essenciais para abastecer as 606 farmácias do grupo.
A solução envolveu a transferência emergencial do data center para outra cidade, negociações com fornecedores para entregas diretas nas lojas e a realocação temporária da sede administrativa para um centro tecnológico em Porto Alegre.
Apesar do susto, a Panvel passou pela crise e entende que o momento, agora, é de retomada. Em entrevista exclusiva à EXAME, Napp garantiu que os 160 milhões de reais de investimentos previstos para o ano estão confirmados. Desses, 100 milhões serão para abertura de 60 novas lojas. O restante, em tecnologia.
Na terça-feira que a EXAME visitou a Panvel, inclusive, uma novidade chegava à rede de farmácias: o serviço de self checkout, todo automatizado, assim como há nos supermercados.
"Brinco que, em 15 dias, tivemos que testar todo livro de contingência", disse Napp.
Agora, dois meses depois, a Panvel já retomou suas operações normais em Eldorado do Sul e Napp garante que os planos de expansão e investimento continuam firmes.
"Em 2023, fechamos o ano faturando R$ 4,8 bilhões, com um crescimento robusto de vendas, que segue em 2024", informou. A empresa planeja continuar investindo no Sul do Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, consolidando sua presença no mercado.
Como está a Panvel hoje?
O grupo Panvel é formado por mais de 10.000 funcionários espalhados em quatro estados, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Somos 606 lojas, com previsão de abrir 60 lojas neste ano. Temos sede em Eldorado do Sul, com três negócios. O principal é a Panvel, rede de farmácias, que responde por mais de 90% da receita. Temos a distribuidora de medicamentos Dimed, que atende a região sul do país. E por fim, temos a Lifar, nossa indústria que produz uma boa parcela dos produtos da marca própria da Panvel. Ela fica em Porto Alegre e também foi impactada pelas enchentes, entrou água no laboratório, tivemos perda de maquinário e de estoque, mas rapidamente conseguimos reposicionar os produtos para serem fabricados por terceiras.
Quanto vocês faturam?
Em 2023, fechamos o ano faturando 4,8 bilhões de reais, com um crescimento robusto de vendas, que segue em 2024. No último trimestre, crescemos 20% e não paramos de ganhar market share. Vendo os dados prévios, seguimos crescendo em abril, antes da enchente, e em maio, um mês duro para nós, seguimos ganhando market share. Seguimos crescendo e estamos mantendo o nosso planejamento para o ano. Obviamente a gente tem alguma pressão de margem no segundo trimestre, mas a gente está prevendo um segundo semestre muito bom. Vamos manter os investimentos na abertura de lojas, seja no Rio Grande Sul, Santa Catarina e Paraná.
A sede da Panvel ficou ilhada.
Sim. Brinco que, em 15 dias, tivemos que testar todo livro de contingência. Tivemos que migrar todo o nosso data center, enquanto nossa sede estava ilhada, para Porto Alegre, num dos únicos pontos que não foram alagados. Nós conseguimos proteger uma parte significativa dos nossos estoques em loja. Enfim, se a gente pegar toda aquela listinha de contingência, infelizmente nós passamos por quase tudo. Mas eu acho que isso mostra uma característica nossa. Somos uma empresa com mais de 50 anos de história, familiar, mas muito profissionalizada. Temos capital aberto já há muito tempo. É nesses momentos que você realmente consegue distinguir as companhias medianas das boas companhias. Tem companhias do nosso porte que nem conseguiram voltar a operar ainda porque de fato não tinham planos de contingência.
Como foi o Dia 1 da crise?
Começamos a ter sinais de que a situação seria muito crítica no finalzinho de abril. Naquele momento, porém, temos a tendência em não querer acreditar no que estamos vendo. Como nunca tinha acontecido, você pensa: “ah, a água não vai alagar”. Mas em algum momento a realidade se aproximou e no dia 3, todos os acessos à nossa sede foram interditados. Tínhamos funcionários tentando chegar na nossa sede, e mandamos todos para casa. Foi quando caiu a ficha de que o negócio era grave. Rapidamente, pegamos as lojas que tinham risco de alagar e fomos tomando decisão, unidade por unidade, do que abrir, do que fechar. Como nosso centro de distribuição fica junto à sede, também não dava para chegar até ele. Ou seja, mercadorias não poderiam ser levadas às lojas. Nossa segunda grande decisão foi negociar para os distribuidores entregarem diretamente nas lojas e usar o centro de distribuição do Paraná para atender farmácias gaúchas, o que não é comum. E foi extremamente necessário porque a demanda aumentou muito nos primeiros dias, inclusive porque as pessoas estavam com medo de que fosse faltar remédio.
E ao mesmo tempo, vocês ficaram de olho na sede.
A sede e o centro de distribuição. Foi quando entendemos que, se a água fosse continuar subindo, teríamos problema de energia elétrica e todo nosso data center está aqui. Já tínhamos um reserva em Porto Alegre, então começamos a nos programar para migrar todo data center para lá. Tudo isso que te falei foi em questão de 24 horas. Mas ficamos pelo menos duas madrugadas acordados, acompanhando com uma régua o aumento das águas na nossa sede. A água não chegou a invadir a Panvel, mas tudo ao redor ficou inundado. Tomamos então, uma última decisão, de migrar emergencialmente nossa sede para o Tecnopuc, um centro de tecnologia da universidade PUC em Porto Alegre. Na terça-feira, já estávamos ocupando quase três andares do prédio lá.
Como foi para os funcionários?
O tempo todo olhávamos quantas pessoas foram afetadas, o que nós poderíamos fazer para ajudar as pessoas. Nós antecipamos muitos recursos, décimo terceiro, auxílio colchão, kit de higiene, depois nós olhamos os mais afetados e demos aporte financeiro para cada uma dessas pessoas.
Agora, as coisas estão mais controladas?
Sim. Já retomamos nossa operação em Eldorado do Sul, já temos uma boa visibilidade do que aconteceu com todas as pessoas e com a empresa. Agora, começamos a olhar para frente e voltar ao nosso plano. E vamos manter nossos planos de abertura de lojas e investimentos. Por ser um mercado de primeira necessidade, ele sempre sai muito forte das crises e o tempo de retomada é rápido. Obviamente que tivemos um junho duro sob alguns aspectos, nem todas as lojas ficaram abertas o mês inteiro, mas terminamos o mês muito bem, e começando julho bem também, com um nível de estoque regularizado nas lojas.
A cadeia toda está engajada nessa retomada.
Sim. Nós temos que agradecer muito os fornecedores que fizeram condições especiais de pagamento e entenderam a situação quando ficamos mais de duas semanas fortemente impactados. Tivemos uma oportunidade única de estreitar laços. Até em Eldorado do Sul. Nossa sede está aqui há 10 anos, nosso relacionamento com o poder público sempre foi muito forte, mas nunca houve um grande relacionamento com o empresariado local, da cidade, para nenhum tema: segurança pública, iluminação, nada, nada, nada. A ligação que a gente conseguiu fazer com a comunidade foi impressionante. E essa é uma oportunidade única não só para o Grupo Panvel, mas para grande parte da iniciativa privada. De realmente se apoiar, se acolher e fazer o que é mais importante, que é garantir investimento no estado, garantir emprego para o estado. Nós precisamos ter uma economia pujante, um mercado consumidor pujante e uma coisa alimentar outra.
Aproveitando o gancho, como o Rio Grande do Sul vai sair dessa crise? Como ele volta para o trilho de crescimento, e que trilho será esse? Que vocação econômica este estado vai assumir?
O Rio Grande do Sul estava começando a trilhar um caminho para reencontrar sua vocação econômica, e tomara que agora, depois de enchente, acelere. O estado tem, historicamente, uma agricultura muito forte e vai se manter assim, é uma vocação dada, e não podemos abrir mão dela. O Estado tem um setor metal mecânico muito relevante também, que precisa de mais incentivos e investimentos, mas sem dúvida, há empresas de classe mundial aqui. E o estado tem uma matriz de serviços muito boa, como a própria Panvel, a Renner e as calçadistas. São setores tradicionais da economia. Na minha visão, o Rio Grande do Sul não deve abrir mão de nenhum deles. Agora, o que aconteceu: apesar de nós termos na média pessoas com uma ótima formação, a gente perdeu a vocação de gerar novos empregos, especialmente aqueles vinculados a novos mercados, novas tendências, a inovação. E você começa a ter uma juventude que, se eventualmente não quer trabalhar em setores muito tradicionais da economia, começa a ficar sem opção no Estado. Nos últimos anos, o Estado tem investido mais em inovação, tem trazido hubs importantes aqui, e entendo que o estado deve investir mais em pequenas e médias empresas, em startups e em empreendedorismo, assim como Santa Catarina faz. Mas não é só isso. O estado está geograficamente numa posição ruim para logística. Na ponta do país. Se você não incentiva novos investimentos, você acaba ficando apenas com as mesmas empresas sempre. Então, para além da inovação, acredito que precisa ver que tipo de incentivo e benefício está atraindo empresas para Santa Catarina e Paraná, e usar isso para incentivar novos empresários de setores tradicionais a colocar seus negócios aqui.
Você disse que a Panvel vai manter os investimentos no Rio Grande do Sul. De quanto é esse investimento?
Temos no nosso planejamento investir cerca de 160 milhões de reais ao longo de 2024. Dentro desse valor, 100 milhões de reais estão para a abertura de 60 lojas e mais a reforma de um grande conjunto de lojas. O restante, em tecnologia. Mesmo com a enchente, a Panvel não parou um segundo de inovar. Esse é um diferencial competitivo enorme. Nós somos a primeira rede de farmácias que teve site, que teve app e que efetivamente se preocupou com isso antes da pandemia. E seguimos investindo. Colocamos nas nossas lojas uma assistente virtual de inteligência artificial que ajuda os vendedores a venderem os remédios, tirando dúvidas dos clientes. Acabamos de instalar nosso primeiro self checkout em farmácia.
Dessas 60 lojas, quantas são para o Sudeste? A Panvel quer ganhar força em São Paulo?
O nosso foco da expansão segue sendo, pelos próximos anos, a região sul. Tem bastante market share para conquistar ainda. Temos um pouco mais de 20% de market share de farmácias no Rio Grande do Sul, mas em Santa Catarina são cerca de 10%, tem um espaço para crescer. Temos investido em São Paulo em menor proporção, mas a nossa estratégia tem dado muito certo. Nós temos 11 ou 12 lojas de São Paulo agora. É um parque pequeno, principalmente numa cidade como São Paulo, que é gigante, mas nós vamos seguir investindo. No futuro, inclusive, no interior de São Paulo. Mas temos muita disciplina. Crescemos porque entendemos que não adianta ficar espalhando chumbo em várias regiões. Vamos conquistando um mercado, depois conquistamos outros. Claro que vai ter um momento que a gente vai ter ser mais forte na região sudeste, mas por enquanto o foco segue sendo na região sul, que tem bastante espaço.
A série de reportagens Negócios em Luta é uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolaram o estado no mês de maio.
São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.
Os textos do Negócios em Luta mostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente. Tem uma história? Mande para negociosemluta@exame.com.