Gustavo Maia, CEO da govtech Colab: executivo faz entre 10 a 20 viagens nacionais por ano (Leo Orestes/Divulgação)
Repórter
Publicado em 31 de março de 2025 às 10h17.
Depois da pandemia, as videochamadas se tornaram regra no mundo corporativo. Mas para um grupo de CEOs brasileiros, nada substitui o impacto de uma conversa presencial. Em um mundo cada vez mais digital, eles decidiram seguir na contramão — com agendas cheias de voos, reuniões in loco e quilômetros rodados ao redor do globo, para manter vivos os laços com clientes, investidores e parceiros.
Em 2024, Rafael de Albuquerque, CEO da plataforma de dados e IA Zoox Smart Data, acumulou mais de 100 viagens corporativas, com uma média de dois voos por semana, dentro e fora do Brasil.
O executivo justifica: “Em negócios B2B, não conheço outra forma de construir algo sólido sem estar onde seu cliente está”. Segundo ele, sair do escritório é essencial para sentir de perto a dor do cliente e ajustar a rota do negócio.
Marcos Santos, CEO da Aquarela Analytics, esteve em 18 cidades no último ano, incluindo destinos como Canadá e Finlândia. De forma resumida, a empresa desenvolve ferramentas de inteligência artificial para outras companhias.
Com uma rotina de trabalho chamada de "office anywhere" (escritório em qualquer lugar, em português), Santos administra a empresa mesmo em trânsito. “Visitar parceiros pessoalmente é fundamental para gerar confiança e credibilidade. O ambiente virtual é mais limitado para isso”, afirma.
Já Gustavo Maia, fundador da govtech Colab, faz entre 10 e 20 viagens nacionais e até três internacionais por ano. Em 18 meses, passou por cidades como Nova York, Lisboa, Genebra e Bangkok, além de municípios brasileiros como Curitiba, Recife e Teresina.
A startup quer ser o elo entre governos e cidadãos, capaz de centralizar todos os serviços da prefeitura em uma única plataforma. As viagens internacionais, segundo Maia, têm foco em eventos e captação de investimento. “Você precisa focar na viagem, senão perde o motivo dela em detrimento da gestão diária. É preciso uma estrutura sólida para a empresa continuar funcionando enquanto você está fora.”
Rafael de Albuquerque, CEO da Zoox Smart Data: executivo acumulou mais de 100 viagens corporativas
Apesar de comandarem empresas com forte presença digital — como a Zoox, focada em soluções de dados, ou a Colab, 100% remota — os três CEOs concordam que estar presente fisicamente ainda faz diferença.
“Se você quer captar investimento nos Estados Unidos, por exemplo, pode até começar com reuniões virtuais. Mas quando a coisa esquenta, tem que ser olho no olho, com café, vendo a estrutura da outra parte”, diz Maia.
Santos destaca que a presença física fortalece o vínculo com clientes e parceiros e gera oportunidades não previstas. “Deixar espaços vagos na agenda da viagem é estratégico. Sempre aparecem contatos ou reuniões que não estavam programados, e muitas vezes são as mais valiosas”, afirma.
Para Albuquerque, o contato presencial humaniza o serviço e ajuda a encontrar soluções mais assertivas. Ele também implementou um programa de bem-estar na Zoox para manter o equilíbrio durante a rotina intensa de viagens. “Para manter a sanidade mental, sigo uma rotina de exercícios e alimentação regrada”, conta.
Um estudo recente da Northwestern University reforça essa percepção: pesquisadores concluíram que encontros presenciais são mais eficazes na criação de comunidades e na formação de novas parcerias do que eventos virtuais, por permitirem interações informais que dificilmente ocorrem em videoconferências.
Marcos Santos, CEO da Aquarela Analytics: executivo esteve em 18 cidades no último ano, incluindo destinos como Canadá e Finlândia
Albuquerque, da Zoox, coleciona episódios em que estar no lugar certo, na hora certa, fez toda a diferença. “Já fechei contrato em um almoço inesperado, depois de uma palestra. Se eu não estivesse ali, aquilo não teria acontecido”, lembra.
O encontro, segundo ele, surgiu de uma conversa informal com um executivo que se encantou com a proposta da empresa. “Esses momentos não aparecem no Zoom. Estar lá, presente, é o que abre portas que a gente nem sabia que existiam.”
Santos, da Aquarela, também reforça o impacto de visitas presenciais em operações industriais. “Você vê o chão de fábrica, sente o ritmo da operação e entende melhor onde podemos ajudar com IA e dados”, afirma.
Em uma dessas visitas, ao observar um gargalo logístico que não era mencionado nos relatórios, a equipe conseguiu adaptar sua ferramenta de roteirização dinâmica para reduzir o tempo de entrega em 15%. “Foi algo que só entendemos vendo de perto, no ambiente real do cliente”, conclui.
No fim, o que une esses executivos não é apenas o gosto por viajar, mas uma aposta estratégica: a de que o futuro dos negócios ainda passa pelo contato humano direto. Mesmo com toda a tecnologia, eles acreditam que o verdadeiro diferencial está em estar onde o cliente está, escutar suas dores pessoalmente — e usar essas experiências para moldar produtos, estratégias e decisões.