Carlos Ghosn e a sua esposa, Carola: impedidos pela Justiça, eles não se encontram desde abril (Issei Kato/File Photo/Reuters)
André Jankavski
Publicado em 1 de novembro de 2019 às 09h10.
Última atualização em 1 de novembro de 2019 às 11h04.
São Paulo – O executivo brasileiro Carlos Ghosn, ex-presidente das montadoras Renault e Nissan, já foi protagonista de mangás, as histórias em quadrinhos japonesas. A homenagem teve um motivo: ele foi visto como o principal responsável por salvar a montadora japonesa Nissan da bancarrota no início do século. Agora, a mesma empresa que o transformou em herói o enxerga como o pior dos vilões: e quer vê-lo na cadeia. E para o advogado japonês Takashi Takano, responsável pela defesa do executivo neste caso, isso está acontecendo por meio de fraudes.
O ocaso de Ghosn teve início em novembro do ano passado – época de sua primeira prisão. O encarceramento ocorreu na época em que o executivo negociava uma fusão entre a montadora francesa Renault com a japonesa Nissan. A ideia era ampliar a aliança que as duas mantêm desde 2001, quando a Renault comprou uma fatia de 40% da Nissan. Desta vez, os europeus ficariam com mais de 50% do negócio – algo inconcebível para os japoneses, segundo Takano.
“Eles queriam fazer uma aliança entre as duas empresas, mas o governo japonês não aceitou perder o controle da Nissan para estrangeiros”, diz o advogado.
Do outro lado, uma investigação do governo japonês começou a apontar uma série de supostas fraudes financeiras de Ghosn. Entre elas, a não declaração de salários e benefícios ao fisco e a utilização de fundos corporativos para gastos pessoais – como o seu casamento em um palácio em Versailles, na França. Tudo isso, de acordo Takano, é uma conspiração para difamar o executivo.
Agora, Ghosn está em prisão domiciliar e praticamente isolado. Conversa apenas com os seus advogados e, desde abril, não tem contato com a sua esposa. Para Takano, é uma situação que fere a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas.
“Trata-se de um caso desumano. Os japoneses sabem disso, mas, mesmo assim, continuam deixando essa condição acontecerem. Não é uma atitude de um país democrático. Trata-se de algo que me gera dúvidas se o sr. Ghosn terá um julgamento justo”, diz ele. Confira, a seguir, a sua entrevista.
O senhor afirma que a prisão dele é parte de uma conspiração. Poderia explicar melhor?
Para nós, é óbvio que esse caso é uma conspiração. Está sendo um processo muito pouco usual, assim como toda a investigação. Na nossa visão, a investigação está sendo coordenada entre os funcionários do governo japonês juntamente com os executivos da Nissan. Eles estão realizando uma investigação sem conhecimento das decisões da empresa e do conselho no passado. Estão apontando delitos que o senhor Ghosn não cometeu.
Mas por que existiria essa conspiração? Qual seria a intenção da Nissan e do governo japonês?
Naquele tempo, havia uma negociação nos bastidores entre o governo francês e o governo japonês. Era interesse do governo francês de integrar a Nissan e a Renault. Eles queriam fazer uma aliança entre as duas empresas, até três (nota da redação: a japonesa Mitsubishi também faria parte do negócio), mas o governo japonês não aceitou perder o controle da Nissan para estrangeiros. Aí, decidiram trazer para o caso a investigação dos procuradores de Tóquio – o início do acordo entre os dois lados. Esse bastidor é muito importante para mostrar que havia um interesse por trás das investigações.
Mas por que uma eventual perda de controle japonês seria tão grave para a empresa e para o governo?
A Nissan é uma empresa muito importante no Japão. A companhia tem uma longa história na história dos negócios dos japoneses. Trata-se de um gigantesco conglomerado, que foi criado antes mesmo da Segunda Guerra Mundial. O nome da Nissan foi derivado de “Nihon Sangyo”, que significa, literalmente, Indústria do Japão. Então, é algo muito simbólico. A Renault possui 43,5% da empresa e se interessou em ter um percentual maior. Então, os japoneses ficaram com receio de perder uma companhia que representa a tradição do país.
Carlos Ghosn decidiu pagar 1 milhão de dólares para a Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos (SEC) para encerrar a acusação de má conduta financeira. Além disso, se comprometeu a não assumir qualquer companhia americana por 10 anos. Isso não pode ser visto como uma admissão de culpa?
Esse caso dos Estados Unidos não tem nada com a acusação criminal no Japão e foi um acordo que o senhor Ghosn decidiu reaizar com a SEC. Reitero que Carlos Ghosn é inocente de todas as acusações.
Nesta semana, o escritório regional de impostos de Tóquio multou a Nissan alegando desvios de Ghosn. Uma das fraudes apontadas foi que parte do dinheiro foi usado como parte de uma doação à universidade libanesa na qual Ghosn se graduou. Como o senhor enxerga isso?
A multa é um fenômeno estranho. Isso aconteceu há algum tempo. Nem o próprio senhor Ghosn sabia desses problemas e a própria Nissan já pagou os impostos. Também é muito estranho que a Nissan deu esse tipo de contribuição a diversas universidades ao redor do mundo. Por que só essa universidade libanesa foi analisada?
Quais evidências vocês irão apresentar no tribunal para provar a inocência dele?
Eu não posso falar sobre as evidências que vamos apresentar neste momento. Se falarmos agora, poderemos colocar o nosso caso em perigo. Mas temos um ótimo caso para o senhor Ghosn e teremos ótimos argumentos para inocentá-lo.
O senhor diz que Ghosn está sofrendo com abusos da Justiça...
Há muitos abusos contra ele. O processo foi muito arbitrário e com abuso de poder. Eles estão tentando usar o poder judiciário contra Carlos Ghosn. Desde o início vimos que o processo está sendo mais político. Eu acredito que há algum envolvimento do governo.
Quais abusos estão ocorrendo?
Um dos pontos que vamos colocar é que eles não estão nem permitindo que o senhor Ghosn tenha contato com a esposa dele. Já pedimos seis vezes para a corte liberar o encontro entre eles e nada. Trata-se de um caso desumano. Isso atenta contra a convenção dos direitos humanos. Eles sabem disso, mas, mesmo assim, continuam deixando essa condição acontecerem. Não é uma atitude de um país democrático. Trata-se de algo que me gera dúvidas se o sr. Ghosn terá um julgamento justo.
Em entrevista recente, Carole Ghosn, esposa do executivo, pediu ajuda ao presidente Jair Bolsonaro no caso. O senhor acredita que é necessário?
Não estou muito familiar com a diplomacia e se o presidente poderia ajudar, mas trata-se de um caso de desumano. Ele não pode usar um computado, mesmo um smartphone. Ele só pode fazer ligações uma vez ao mês do nosso escritório. É uma condição muito séria e que está ocorrendo há mais de seis meses. O senhor Ghosn é francês e brasileiro, então eu penso que cada governo deveria proteger os seus cidadãos. Tem que preservar a humanidade de seus compatriotas. Essa é a minha crença. O governo brasileiro deveria solicitar ao governo japonês o cumprimento dos direitos humanos.
Diante desses problemas que o senhor aponta, é possível que Ghosn peça asilo internacional?
O caso ainda está acontecendo no Japão. As pessoas de todo o mundo estão olhando esse caso. Nós temos que acreditar que o processo será legal dentro do Japão. Não temos que fazer uma negociação ou pedir asilo. Nós temos que encerrar as acusações aqui mesmo. E nós temos a convicção que vamos suspender essas acusações.
O julgamento está confirmado para abril? Poderá haver mudanças?
Essa é uma boa pergunta. Nossa esperança que o julgamento comece em abril, mas nós não sabemos porque não há menções oficiais sobre isso. Acreditamos que com as evidências que temos, o processo tem tudo para ser rápido.