The Get Down: “Nossa meta é, em primeiro lugar, manter o assinante na nossa plataforma”, disse o co-fundador e CEO da Netflix (foto/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 17 de julho de 2017 às 15h30.
Última atualização em 17 de julho de 2017 às 18h16.
Los Angeles - Ainda chocado com o cancelamento de Sense8 e The Get Down? As duas séries foram mais duas vítimas da mudança da Netflix — e essa transformação está apenas começando. Uma década atrás a ex-locadora de DVDs online se converteu numa plataforma de streaming on demand. Agora, ela finalmente está se metamorfoseando naquilo que, em última análise, sempre quis ser: um estúdio independente para o século 21, agindo um tanto como uma produtora, e um tanto como um emissora de televisão.
Como seu ex-gestor de conteúdo e atual diretor de negócios do YouTube, Robert Kyncl, afirma, a Netflix (e suas companheiras e concorrentes como Amazon, Hulu, Crackle) tem a vantagem de não depender de “nacos de tempo”como modelo de negócios — suas ofertas são ao gosto e à conveniência do freguês. Não levando em conta essa imensa diferença, o posicionamento atual da Netflix é o mais parecido que ela provavelmente jamais será de uma “televisão normal”.
Como uma “televisão normal” a Netflix agora tem um ciclo anual de programação, ao final do qual se passa a peneira. Ao contrário da “televisão normal”, a Netflix não julga seu conteúdo original apenas pelo parâmetro da audiência. O número de acessos conta, é claro, mas a fórmula que a plataforma parece estar empregando como definidora de “sucesso” leva em conta alguns fatores. O número de acessos e desempenho do número de novos assinantes durante o período de existência da série contra um elemento chave: o custo de produção da série.
“Nossa meta é, em primeiro lugar, manter o assinante na nossa plataforma”, disse o co-fundador e CEO da Netflix, Reed Hastings no Mobile World Congress de Barcelona. “É por isso que não nos interessamos por eventos esportivos. Queremos conteúdo que possa interessar e atrair plateias de forma permanente, e não para um único evento. Para fazer isso, temos que oferecer conteúdo que se conecte com nossos assinantes e faça sentido, financeiramente, para nós.”
Sense8 e The Get Down — mais sua companheira de corte, Girlboss — não foram as primeiras séries canceladas da Netflix. Antes delas não mais foram produzidos episódios de Longmire (depois de seis temporadas), Lilyhammer (três temporadas), Hemlock Grove (três temporadas), Marco Polo (duas temporadas), Richie Rich (duas temporadas) e Bloodline (três temporadas). Para uma plataforma que tem mais de 10 mil títulos em seu catálogo — e isso inclui as temporadas já produzidas de todas essas séries — o número de cancelamentos é baixo. Estas oito séries canceladas caem em dois perfis: ou são séries de muito baixo orçamento – Girlboss, Hemlock Grove, Richie Rich – que não se “conectaram com os assinantes” o suficiente, ou são séries de orçamentos muito altos, muitas delas filmadas em locações fora dos Estados Unidos, com grandes elencos.
Em algum momento a fórmula número de acessos + novos assinantes – custo de produção ativou o sinal vermelho.
Em 2016 a Netflix gastou 5 bilhões de dólares em produção de conteúdo original, contra uma receita de 6,7 bilhões de dólares no ano anterior. Este ano ela inaugurou um complexo de escritórios e estúdios no coração de Hollywood, e anunciou um investimento de 10 bilhões de dólares em produção original: a promessa de um bolo maior, mas com muito mais fatias, diversificando a produção e cobrindo, dessa forma, uma área maior onde o conteúdo possa achar e manter seu público.
Na transição para sua vida como o novo estúdio independente da indústria, a Netflix já está se comportando como aquilo que quer ser, e sabiamente contrapondo-se ao modo operacional do establishment: em vez de poucos blockbusters caros, muitos títulos com orçamentos mais razoáveis – os projetos medianos que os estúdios não querem mais fazer, e que sempre foram o feijão com arroz tanto da “TV normal” quanto do cinema independente.
E no meio desse turbilhão, a Apple, quietamente, entrou na briga com sua primeira investida no universo do conteúdo original: a série reality Planet of the Apps, onde candidatos a empreendedores digitais fazem o pitch de suas startups para um painel de investidores. Disponível na Apple Music (aplicativo exclusivo dos dispositivos Apple), a série foi descrita pela revista especializada Variety como “um projeto que deve ter sido desenvolvido num guardanapo durante um coquetel e depois todos se esqueceram de que precisava de mais coisa.” (A segunda série da Apple, o reality Carpool Karaoke –inspirado no quadro de enorme sucesso criado por James Corden para The Late Late Show- estará disponível em agosto).
Para corrigir o curso, a Apple foi, como a Netflix e o YouTube antes dela, buscar talento na velha indústria de produção: Jamie Erlicht e Zack Van Amburg, desde 2005 co-presidentes da Sony Television, o ramo mais financeira e criativamente saudável do atribulado estúdio. Erlicht e Amburg são os executivos que desenvolveram e viabilizaram séries como Breaking Bad (e sua versão colombiana, Metastasis), Better Call Saul, The Crown, The Shield, Bloodline (para a Netflix) e Sneaky Pete (para a Amazon).
Desde meados de junho a dupla é responsável pelo novíssimo departamento de vídeo da Apple, criado especialmente para eles, e hierarquicamente subordinado a um só executivo – Eddy Cue, vice presidente sênior de software e serviços da Apple (uma classificação curiosa para uma operação que se presume focada em narrativas audiovisuais).
A Apple Music tem 27 milhões de assinantes, e a nave-mãe está claramente interessada em expandir o formato além de um serviço de música. Ou seja – como disse me disse Robert Kyncl —, “se você está no business de produzir conteúdo, você está na época certa.”