Avião da EasyJet (Fabrice Coffrini/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 20 de janeiro de 2024 às 10h46.
A entrada de empresas aéreas low cost, aquelas que buscam oferecer voos mais baratos minimizando custos operacionais, está bem mais distante do que sonha quem quer voar pagando menos no Brasil. Apesar de uma ofensiva retórica de gestores nos últimos anos, o Estado ainda não conseguiu tornar o País atrativo para o modelo de negócios, avaliam especialistas.
A melhoria do cenário atual passa pela definição sobre cobrança de bagagens e pela consolidação de iniciativas para reduzir a judicialização que afeta o setor. Contudo, ainda que essas demandas sejam alcançadas, faltam acenos mais sólidos sobre o entusiasmo de companhias estrangeiras. Uma possível explicação para isso pode estar no terceiro obstáculo para esse modelo de negócio: a legislação trabalhista do setor.
As operações das low cost são vistas pelo governo como uma das saídas para alcançar o barateamento das passagens aéreas. Os dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mostram que o valor médio dos tickets cresceu 32% entre 2019 e o primeiro semestre de 2023. Ao falar das iniciativas para encarar o fenômeno, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse à imprensa no mês passado que há esforços para aumentar as operações de voos low cost.
Para o advogado Fabio Falkenburger, da Machado Meyer, houve avanços regulatórios importantes nos últimos anos para abrir o mercado aéreo, mas ainda há entraves. "O gargalo atual é o custo de operar no Brasil", avalia. "Fica muito difícil uma companhia entrar oferecendo tarifas muito baixas, porque dificilmente ela conseguiria ter lucro com os custos trabalhistas e judiciais que ela teria que arcar", explica o especialista.
Atualmente existem empresas low cost que operam no Brasil, mas com sede em outros países e apenas para rotas internacionais. É o caso das chilenas JetSmart e Sky e da argentina Flybondi.
Segundo uma fonte próxima ao governo, as três companhias estão entre as que mais demonstram interesse em entrar no mercado doméstico brasileiro, mas ainda veem empecilhos. "O Brasil tem um mercado aéreo em expansão e isso chama a atenção das empresas", afirma a fonte. "Enquanto no Chile o índice da penetração da aviação é de 1,2 viagens por habitante, no Brasil, é de 0,5", argumenta.
O diretor-presidente da Anac, Tiago Sousa Pereira, considera que do ponto de vista regulatório, o Estado já faz sua parte em comparação com o que é visto ao redor do mundo. O diretor destaca que, entre os avanços dos últimos anos, houve redução do tempo de certificação, além de abertura para aéreas com maioria do capital estrangeiro. Para ele, atualmente, a bola do jogo está muito mais com o Congresso e o Judiciário que com o regulador.
A avaliação de Pereira é de que, de fato, os impasses estão concentrados na cobrança de bagagens e na judicialização. Contudo, diz que, sobre esses temas, resta ao governo "sentar com o Poder Judiciário" e com o Congresso para sensibilizá-los. "Isso já estamos fazendo. Temos, por exemplo, convênios para tentar conscientizar o Poder Judiciário para encaminhar passageiros com queixas para resolver pelo Consumidor.Gov", afirma.
O principal ponto que poderá movimentar o mercado são mudanças para reduzir o alto volume de judicialização que afeta o setor aéreo. Os custos de processos judiciais por reclamações de clientes que sofreram principalmente por atraso de voos pesa de forma significativa para as companhias domésticas. Segundo a Anac, indenizações por condenações ou acordos extrajudiciais estão entre os dez componentes mais representativos no custo das aéreas, representando 1,94% na composição do preço das passagens.
De acordo com estudo realizado pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), a chance de uma empresa aérea ser processada no Brasil é 5.836 maior que nos Estados Unidos. O próprio ministro Silvio Costa Filho, assim que assumiu, definiu o fenômeno como "indústria da judicialização". Isso porque há no mercado empresas que se especializaram em monitorar atrasos de voos para oferecer a abertura de processos para os passageiros afetados.
"Existem tratados internacionais que limitam as indenizações a danos materiais, mas o Judiciário brasileiro aplica também o Código do Consumidor e inclui também os danos morais, na contramão do padrão internacional, e isso consome muito dinheiro das companhias", explica o advogado Fabio Falkenburger.
Em entrevista publicada em outubro, o representante da Flybondi, aérea low cost argentina que já opera voos do seu país de origem para o Brasil, apontou que a operação doméstica no território brasileiro é atrativa, mas que há "fortes barreiras de entrada", citando a judicialização como exemplo. "Só podemos planejar uma entrada doméstica no Brasil se houver alguma flexibilização e uma melhora no entendimento jurídico", disse o CEO da companhia, Mauricio Sana.
O tópico da judicialização não é de solução simples e de curto prazo, avalia Falkenburger. Um exemplo é que a lei n°14034 já inclui que o dano moral precisa ser efetivamente comprovado, porém ainda existem decisões que consideram o dano moral presumido.
Em junho de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou a volta do despacho gratuito de bagagem em voos, ao sancionar a Lei 14.368, que flexibiliza regras do setor aéreo. No entanto, 19 meses depois do veto, a decisão ainda não foi apreciada pelo Congresso, mantendo diferentes possibilidades em aberto.
As aéreas low cost conseguem compensar os custos mais baixos das passagens justamente com cobranças acessórias, seja com despacho de bagagens ou venda de outras comodidades durante os voos. Conforme dados da Iata, as receitas auxiliares, incluindo taxas de bagagem, representaram até 20% do faturamento dessas companhias.
"A indecisão sobre a cobrança de bagagens impacta não apenas as estratégias de negócios das companhias aéreas, mas também a satisfação e confiança dos consumidores. Para as low cost, a clareza nessa questão é vital para manter a vantagem competitiva e a lucratividade", avalia o advogado Jean Paolo Simei e Silva, sócio do Fonseca Brasil Advogados.
O advogado Victor Hanna, sócio do Goulart Penteado Advogados, diz que a indefinição, além de afastar a concorrência, coloca o País como um pária internacional no mercado. "Isso viola acordos internacionais, em especial os Tratados de Céus Abertos", afirma Victor Hanna.