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Publicado em 24 de março de 2022 às 10h17.
Última atualização em 24 de março de 2022 às 10h18.
Enquanto o mundo se mobiliza em busca de alternativas sustentáveis para substituir os combustíveis fósseis, o Brasil está um passo à frente na questão energética e desponta como uma das matrizes mais limpas e diversificadas do planeta.
O mais recente Balanço Energético Nacional (BEN 2021) mostra que 48% do mix energético do país é oriundo de fontes renováveis, ao passo que, na média global, 86% tem origem não renovável, como petróleo e carvão.
A perspectiva é que essa posição de vanguarda do Brasil, fruto do investimento em energia limpa nas últimas cinco décadas, seja fortalecida nos próximos anos. Principalmente após o compromisso assumido pelo país na COP26 de reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030.
A experiência bem-sucedida brasileira com biocombustíveis – o país está entre os três maiores produtores mundiais – terá papel fundamental na viabilização dessa meta, especialmente na descarbonização da matriz de transporte.
Em 2020, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a matriz do setor contou com 26% de biocombustíveis produzidos nacionalmente. Esse índice deve ser ampliado para 30% até o fim da década com o apoio da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).
Com funcionamento inspirado nos modelos implementados nos Estados Unidos e na União Europeia, o RenovaBio é considerado o maior programa de biocombustíveis do mundo. Ele atua no estabelecimento de metas nacionais de redução de carbono para o setor de combustíveis, com mecanismos de incentivo a uma maior produção e participação de fontes renováveis na matriz energética de transportes.
“A definição de políticas públicas é fundamental para a condução de um processo de transição energética para uma matriz mais limpa”, comenta Julio Cesar Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio). “O RenovaBio reconhece o papel estratégico de todos os biocombustíveis na matriz brasileira para promover a segurança energética e a mitigação de emissões de GEE”, completa.
O principal instrumento dessa política é um mercado de crédito de descarbonização, o CBIO (a unidade equivale a 1 tonelada de CO2 evitada), que é um ativo financeiro negociável em bolsa, emitido por produtores certificados de biocombustíveis.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), em 2020, cerca de 14,9 milhões de CBIOs foram negociados, alcançando 98% da meta de descarbonização definida para o ano em questão. As metas dos próximos anos, anunciadas em novembro de 2021, refletem essa tendência de crescimento da produção: são esperados 35,98 milhões de unidades de CBIOs para 2022; 42,35 milhões para 2023; 50,81 milhões para 2024; e 58,91 milhões de CBIOs para 2025.
Junto com as políticas de incentivo, há a participação consistente da área privada no desenvolvimento de biocombustíveis. Um dos destaques nesse contexto é o biodiesel, que, em 2020, cresceu 8,6% em volume no país, conforme o BEN 2021.
Obtido principalmente da soja e do aproveitamento de resíduos orgânicos, o biodiesel sustenta uma grande cadeia produtiva no país, interligada ao agronegócio, trazendo diversos desdobramentos positivos.
No aspecto ambiental, além de ser um combustível renovável, polui cerca de 80% menos que o diesel fóssil e melhora a qualidade do ar nas grandes cidades, favorecendo a saúde pública.
Do ponto de vista econômico, diminui a dependência do diesel importado, inclusive com possibilidade de exportação, sendo uma importante via para a recuperação pós-pandemia. E, na esfera social, promove o desenvolvimento regional, com geração de emprego e renda.
Para Francisco Turra, presidente do conselho de administração da Aprobio, os biocombustíveis são sinônimos da transição para a economia verde pretendida pelo Programa de Crescimento Verde, recentemente lançado pelo governo federal.
“O biodiesel proporciona expressivo desenvolvimento em todas as regiões do Brasil e significativa participação no esforço nacional na agenda da sustentabilidade global. É ainda vetor de interiorização do parque industrial brasileiro, já que as 50 unidades produtoras de biocombustível estão localizadas em 43 municípios de 14 estados. A cadeia produtiva emprega mais de 1,5 milhão de pessoas e já investiu mais de R$ 9 bilhões no país”, diz.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a produção de biodiesel gerou, no ano passado, um PIB de R$ 7,5 bilhões e uma massa salarial de R$ 1,2 bilhão, o que representa 1,5% de toda a agroindústria brasileira.
“Em 2021, a produção do biodiesel utilizou como matéria-prima mais de 700 mil toneladas de gordura animal e 113 milhões de litros de óleo residual, que antes eram considerados um passivo ambiental, e estimulou o processamento da soja em grão, que agrega valor à cadeia produtiva”, informa André Nassar, presidente executivo da entidade.
Apesar dos números significativos, a Abiove diz que a participação do biodiesel na matriz energética nacional ainda está abaixo de seu potencial e tem muito espaço para crescer.
“As atuais solicitações de ampliação e construção das unidades produtoras registradas na ANP totalizam investimentos estimados da ordem de R$ 1 bilhão. Resultado: o setor enfrenta capacidade ociosa, evidenciando potencial para o seu crescimento. Segundo a EPE, em 2020, a produção de biodiesel correspondeu a 62% da capacidade instalada no país”, diz Nassar.
Uma das principais razões para isso é a manutenção do percentual de adição do biodiesel ao diesel fóssil em 10% (a projeção para 2022 era de 13%), enquanto as usinas brasileiras têm hoje capacidade de atender até B18 (diesel com 18% de biodiesel na composição), segundo a Abiove.
“Quando falamos de saúde pública e meio ambiente, o aumento de cada ponto percentual de mistura de biodiesel no diesel evita 244 mortes por ano, gera menor emissão de material particulado, monóxido de carbono, óxido de enxofre e de diversos poluentes nocivos à saúde humana, o que reduz a incidência de doenças, eleva a expectativa de vida da população e promove o incremento da produtividade econômica estimada em R$ 19 bilhões por ano”, completa Nassar.
A produção de biodiesel da JBS é um exemplo concreto desse movimento do setor privado por combustíveis renováveis e menos poluentes. Líder global em alimentos à base de proteína, a companhia utiliza resíduos orgânicos, como o sebo do boi e o óleo de cozinha recuperado, para fabricar o biocombustível em duas unidades, em Lins (SP) e Campo Verde (MT).
Hoje, a JBS Biodiesel é a maior produtora mundial verticalizada do combustível limpo de sebo bovino e foi a primeira do país a obter certificação do RenovaBio para emissão de CBIOs. Com a entrada em operação da terceira planta, em Mafra (SC), a companhia mais do que dobra a sua capacidade de produção do biodiesel, para aproximadamente 700 milhões de litros por ano.
“Desde 2007, quando tiveram início as suas operações, a JBS Biodiesel já produziu mais de 2 bilhões de litros do biocombustível com o aproveitamento dessas matérias-primas. O biodiesel, além de ser um combustível limpo, se tornou uma excelente alternativa para destinar de forma adequada esses resíduos”, conta Alexandre Pereira, diretor da JBS Biodiesel.
A companhia foi também a primeira brasileira a conquistar o selo ISCC, certificação que garante a sustentabilidade e a rastreabilidade do produto, que viabiliza sua exportação para o mercado europeu.
Para a produção do combustível limpo, a JBS também recolhe óleo de cozinha recuperado em mais de 40 cidades brasileiras, por meio do Programa Óleo Amigo. “A iniciativa, que nasceu em 2016, já coletou mais de 17 milhões de litros de óleo usado, um potencial de não poluir cerca de 340 bilhões de litros de água limpa”, explica Pereira. Para efeito de comparação, esse volume equivale ao consumo anual de água da cidade de São Paulo.
Há mais de dez anos, a JBS vem investindo em fontes renováveis de energia e em novos negócios que promovam a economia circular – hoje, a energia renovável representa 90% do total consumido nas unidades nacionais.
“Atualmente, são oito empresas 100% envolvidas nesse sentido e outras quatro de serviços estratégicos que são complementares no ciclo fechado da economia circular”, diz o diretor.
A estratégia de produção de biocombustível faz parte do compromisso assumido pela JBS de se tornar Net Zero até 2040, ou seja, zerar o balanço líquido das emissões de gases de efeito estufa, o que vem sendo colocado em prática.