SANTANDER: banco abre a temporada de balanços do quarto trimestre, que deve mostrar resultados ainda fracos / Gustavo Kahil/ Exame.com (Gustavo Kahil/Site Exame)
Letícia Toledo
Publicado em 10 de setembro de 2016 às 06h44.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.
Letícia Toledo
O quarto andar da sede do banco Santander, em São Paulo, ganhou uma decoração moderninha. As cadeiras pretas foram substituídas por coloridas e as divisórias cinzas entre as mesas não existem mais. Além disso, os funcionários mudam de lugar conforme o projeto em que estão trabalhando. Ao menos visualmente, o banco passou o recado: ali, funciona a área que o braço digital da companhia.
Como o Santander, os grandes bancos do país estão investindo para melhorar – ou criar do zero – serviços digitais, que vão desde aplicativos que permitem fazer investimentos e transferências de recursos até a possibilidade de abrir contas pela internet ou pelo celular. O movimento é uma resposta à multiplicação de fintechs, empresas não financeiras que atuam em áreas que, até pouco tempo atrás, eram dominadas por bancos.
Estima-se que existam cerca de 150 fintechs no Brasil, que oferecem opções de investimento, seguros, cartões de crédito e fazem a intermediação de empréstimos. As mais conhecidas são a empresa de cartões de crédito Nubank, que não informa quantos clientes possui, mas afirma que mais de 4 milhões de pessoas já solicitaram seu cartão e 450.000 estão na fila de espera, e o aplicativo e finanças pessoais GuiaBolso, que tem em torno de 2 milhões de usuários.
“Nós não temos o mesmo dinheiro, mas somos mais rápidos em desenvolver produtos e solução para os clientes. Eles são engessados, nós somos mais eficientes”, afirma David Veléz, presidente e fundador do Nubank. A startup, criada em setembro de 2014, segundo o site CrunchBase, já recebeu 98,3 milhões de dólares (319,4 milhões de reais) em quatro rodadas de investimento.
A última, no início deste ano, no valor de 50 milhões de dólares, foi feito pela Founders Fund, do Vale do Silício, que já investiu em empresas como Airbnb, Facebook e SpaceX. “As fintechs trouxeram novas soluções para os clientes e mostraram aos grandes bancos o que esses clientes querem, de verdade. Agora estamos correndo atrás”, diz Cassius Schymura, diretor da plataforma multicanal do Santander.
Não bastassem as fintechs, em abril deste ano o Conselho Monetário Nacional autorizou o início da abertura de conta corrente e poupança pela internet. Surgiram, assim, os bancos 100% digitais, como o Original, do grupo J&F, e o Neon. Sem ter que arcar com os custos de agências bancárias, essas instituições oferecem tarifas em média 50% menores do que os grandes bancos e fazem disso o seu principal atrativo.
O avanço digital tem levado a uma redução no número de agências bancárias americanas. Nos últimos seis anos 4.000 agencias fecharam suas portas. Embora ainda haja 112.000 agências espalhadas pelo país, alguns especialistas afirmam que o número de agencias cairá pela metade até 2025.
Este é um campo em que as inovações podem vir também de países periféricos. Segundo Edwin Van der Oudera, diretor de serviços financeiros digitais da consultoria Accenture, um dos maiores exemplos de inovação digital em bancos é a Turquia. A demografia mais jovem do país fez proliferar o número de soluções digitais. Um exemplo vem da segunda maior instituição financeira do país, o Garanti, que lançou um banco digital integrado com mídias sociais, o iGaranti. Com ele, o cliente pode não só fazer investimentos e pagar contas, como conectar sua conta à redes sociais como Twitter e Facebook e, com isso, fazer transações bancárias com seus amigos pelas redes sociais sem precisar saber o número ou qualquer outro dado de suas contas bancárias.
O tamanho da ambição
O Itaú lançou em agosto o aplicativo Abreconta, no qual todo o processo da abertura de uma conta corrente pode ser feito pelo celular. Os outros três grandes bancos do país, Banco do Brasil, Bradesco e Santander afirmaram, em entrevista a EXAME Hoje, que também estão desenvolvendo soluções para a abertura de contas digitais.
O Bradesco vai lançar, até o fim do ano, um banco totalmente independente e digital que, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, custou de 120 milhões de reais. O projeto, que levará o nome Next, terá como público-alvo os chamados Millennials, jovens nascidos no fim da década de 1980 até 1996.
Os bancos também têm investido para oferecer todos os seus serviços por meio de aplicativos. No Itaú, 71% de todas as transações financeiras são feitas por meio dos canais digitais (internet e aplicativos). Em 2010, este percentual era de 38%. O Banco do Brasil liberou, no início do ano, o financiamento de veículos por meio de seu aplicativo. Atualmente, 17% do total de desembolsos que o banco faz para o financiamento de automóveis vem de solicitações do aplicativo. Foram 110 milhões de reais em créditos contratados pelo aplicativo só no primeiro semestre deste ano.
Os bancões não estão parados, mas as inovações que têm feito estão longe de ser um mergulho de cabeça no mundo digital. O motivo é que, apesar do crescimento rápido, as fintechs e os bancos digitais não são uma grande ameaça – pelo menos, não no curto prazo. “O setor bancário deve permanecer dominado e concentrado nos grandes bancos do país”, afirma, num relatório sobre o tema, a agência de classificação de risco Fitch.
Dezenas de pesquisas mostram que a grande maioria dos clientes bancários está – para dizer o mínimo – insatisfeita com o serviço que recebe, aqui e em qualquer país. De acordo com uma pesquisa bem-humorada feita com jovens de 18 a 35 anos nos Estados Unidos, 71% deles preferem ir ao dentista a falar com seu gerente. Ainda assim, a comodidade das grandes instituições acaba atraindo muita gente. Além disso, o setor bancário é rigidamente regulado, o que passa mais segurança a quem precisa investir, transferir dinheiro e fazer um empréstimo.
Para os bancos, é melhor que as coisas continuem como estão. Os bancos digitais, em geral, são menos lucrativos que o jeito tradicional de fazer negócios. A consultoria McKinsey estima que a margem de lucro atual dos bancos pode sofrer uma compressão de 16% com a adoção de projetos digitais. “O fechamento de agências é inevitável, mas ainda não sabemos qual é o tamanho ideal do digital e do fixo. No futuro, o papel da agência será se dedicar muito mais a consultoria financeira, conversar sobre investimentos e previdência”, diz Marco Mastroeni, diretor de negócios digitais do Banco do Brasil.
Para saber o que está rolando do lado de lá, os grandes bancos têm se aproximado das startups. O Bradesco tem hoje um outro projeto intitulado InovaBra que seleciona fintechs com propostas que podem ser adotadas pelo banco. Atualmente em sua segunda edição, o InovaBra já selecionou 20 startups que, durante oito meses, permanecem junto ao banco testando seus produtos na base de clientes do Bradesco e que, no fim, podem fechar um contrato para prestar serviços para o banco.
Há ainda a possibilidade de o Bradesco comprar parte da fintech por meio de um fundo criado especialmente para isso e que dispõem de 100 milhões de reais. “Estamos fechando os primeiros contratos agora. Encontramos muitas startups interessantes e que realmente têm um grande potencial”, diz Marcelo Frontini, diretor de pesquisa e Inovação do banco. Outros bancos têm estratégias semelhantes: o Itaú criou um espaço de trabalho coletivo, o Cubo, que reúne startups de diferentes segmentos, inclusive o financeiro.
Já o Santander comprou, em março, os 50% restantes da startup de cartões de crédito pré-pagos ContaSuper. A primeira metade da fintech foi adquirida pelo banco em janeiro de 2015, por 31 milhões de reais. A fatia restante custou quase quatro vezes mais: 119 milhões de reais. Segundo o banco, na primeira aquisição, a startup tinha 200.000 clientes e o objetivo era chegar a 250.000 em um ano. Mas, no fim de 2015, a ContaSuper já tinha 360.000 clientes. O objetivo agora é chegar a 500.000 clientes até o fim de 2016. O rápido crescimento impressiona, mas vale lembrar que o Santander tem 32 milhões de clientes.