Negativas: Latam diz que não houve negociações e que não está à venda (AFP/AFP)
Gabriel Aguiar
Publicado em 26 de maio de 2021 às 17h20.
Última atualização em 26 de maio de 2021 às 20h24.
As companhias aéreas Azul e Latam já tiveram até codeshare – operação compartilhada para voar com ambas as empresas. Só que o namoro terminou e (pelo que parece) não foi de maneira tão amigável: segundo apuração da EXAME, houve tentativa de compra e até negociação direta com os credores da rival chileno-brasileira. Quando o tema saiu do bastidor, gerou mal-estar.
Em comunicado, a Azul afirma que o encerramento foi “uma reação ao processo de consolidação”. E o jargão costuma se referir ao processo de fusão de empresas para tornar o mercado mais enxuto. Como a Latam declarou recuperação judicial (Chapter 11 do Bankruptcy Act) nos Estados Unidos há cerca de dez meses, o mercado começou a especulação de uma possível aquisição.
No anúncio ao mercado, a empresa fundada por David Neeleman em 2008 diz que “consolidação é uma tendência do setor no pós-pandemia” e afirma estar em “posição forte para conduzir um processo neste sentido”. “Estamos emergindo desta crise em uma posição de liderança em termos de liquidez, recuperação de malha e vantagens competitivas”, diz John Rodgerson, CEO da Azul, em nota.
Por outro lado, a Latam emitiu nota para indicar os próximos planos, que incluem a contratação de 750 comissários e pilotos até o fim deste ano, além de a chegada de sete aeronaves Airbus A320 para rotas domésticas. Com cerca de 49% da operação que tinha há dois anos, a empresa prevê recuperação para os próximos meses, com projeção de 90% dos voos até mês de dezembro.
“Estamos operando todos os destinos pré-pandemia a partir do aeroporto de Guarulhos (SP) e estamos voltando com algumas rotas a partir de Congonhas. Adicionalmente, temos programado novos destinos que lançaremos em breve. Em maio, iremos operar 250 voos diários e, para julho, programamos operar cerca de 400 voos diários”, diz Jerome Cadier, CEO da Latam Airlines Brasil, em nota.
De acordo com Cadier, já não havia mais sentido em manter o acordo de codeshare, pois se tratava de uma alternativa para ambas companhias enfrentarem a queda de vendas e a redução da malha aérea no auge da pandemia do novo coronavírus, que não condiz com a perspectiva atual de melhoria. Ambas as empresas garantem que a dissolução não terá qualquer impacto a passageiros.
Procurada, a Latam afirmou que pretende competir agressivamente em todos mercados e reforçou que “não existe a intenção de vender ou desmembrar o Brasil ou qualquer outra parte de seus negócios”. Também disse que não recebeu nenhuma proposta referente à aquisição das operações no nosso país, completando que a descontinuidade de codeshare não está relacionada ao tema.
Nos últimos meses, a Azul avançou da terceira posição no setor da aviação comercial para se tornar líder do mercado doméstico, com 37,5% de participação neste ano. Já a Latam, que ocupava o segundo lugar, teve 27% de participação e caiu para terceiro – enquanto a Gol. Com 29,9%, é o vice. Isso quer dizer que, caso haja a compra, a empresa resultante teria mais de 60% desse segmento.
Ainda que as duas companhias aéreas atuem no setor de aviação civil, as propostas são completamente diferentes: enquanto a Azul aposta pela operação regional, que tem menos concorrência e trabalha com margens de lucro mais generosas, a Latam Brasil foca nas viagens internacionais, que foram diretamente afetadas pela redução de demanda na pandemia e fechamento de fronteiras.
“Do ponto de vista mercadológico, seria um baita negócio. Porque, quando há menos empresas, dá para impor preços maiores. E a Azul poderia entrar nos mercados maiores comprando aeronaves, só que isso queimaria caixa, porque existe muita competição, e brigaria com duas rivais”, diz Thiago Nykiel, CEO da Infraway Engenharia, especialista em infraestrutura aeroportuária e aviação civil.
Então, no caso desta negociação, a atual líder no mercado brasileiro resolveria dois problemas de uma vez – ganhando capilaridade e tirando um dos principais concorrentes. E, tudo isso, sem precisar mudar o modelo de negócios que tem funcionado. Também pesa a favor o fato de que qualquer reação da Gol levaria tempo, já que não é uma decisão simples e rápida incluir novas aeronaves.
“Vejo que ter somente duas grandes companhias aéreas é algo que, naturalmente, poderá implicar em preços maiores para o consumidor. Por isso o governo trabalha para trazer mais empresas ao mercado. Muitos especialistas dizem que, mesmo assim, haveria competitividade. Mas minha avaliação é de que poderia existir uma concentração muito grande apenas com duas”, afirma Nykiel.
“No Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), há dois procedimentos de análise dos atos de concentração [como fusão e aquisição, por exemplo]. No sumário, são operações mais simples do ponto de vista concorrencial. No ordinário, operações mais complexas, por exemplo aquelas envolvendo altas participações de mercado”, diz Gabriela Costa Carvalho Forsman, advogada especialista em direito concorrencial no Levy & Salomão.
Neste caso, se tratando de dois dos maiores competidores do mercado de aviação comercial no Brasil, a aquisição seria analisada pelo rito ordinário, que geralmente demanda mais informações econômicas. O prazo máximo é de 330 dias, mas pode levar até 90 dias em casos menos complexos e sem intervenção de terceiros – mas o período pode variar de 120 a 240 dias para casos que podem ensejar problemas de mercado.
“Uma operação pode ser aprovada, reprovada ou aprovada com remédios, que são contrapartidas e ressalvas. Existem dois tipos de remédios: comportamentais, como manter separação contábil e jurídica das empresas e obrigações de não discriminação; e estruturais, que geralmente envolvem o desinvestimento de ativos, como venda de uma unidade de negócios, e medidas que têm impacto imediato no mercado, diz Gabriela.
E essas contrapartidas podem ser decididas unilateralmente pelo Cade, mas também existe a opção de as próprias companhias, que, sabendo das possíveis complicações em relação ao ato de concentração, proporem os remédios que serão aplicados para concretizar a negociação. Sendo assim, fica mais fácil chegar a uma decisão que cumpra os requisitos do órgão sem ressalvas mais agressivas.
Considerando que a Latam está em processo de recuperação judicial, a decisão está mais nas mãos dos credores que na decisão dos próprios executivos da empresa – e foi justamente esse grupo que a Azul tentou conquistar para arrematar a rival. Além disso, não há previsão de melhoria do mercado para voos internacionais, o que cria mais incertezas em relação à capacidade financeira da Latam.
“Se abandonar o mercado brasileiro, perde também o maior mercado doméstico da América do Sul. E já tinha saindo da Argentina. Então, a Latam se tornaria uma empresa que seria mais internacional. Mas eu acho muito difícil de acontecer, porque os outros países são menores e dependem muito de aeroportos regionais. Mas o caixa deverá continuar sangrando por algum tempo”, afirma Nykiel.
Com menos companhias aéreas disputando o mercado, é possível que os preços aumentem por falta de concorrentes – principalmente em trajetos que têm pouca participação da Gol. E também é necessário lembrar que, atualmente, os preços praticados estão abaixo dos últimos anos, principalmente por conta da crise no setor. Mas existe a possibilidade de maior eficiência favorecer o passageiro.
“A combinação das empresas permitirá otimizar malhas e reduzir a ineficiência do sistema, o que pode se traduzir em ganhos para os passageiros. Não somente em menores tarifas, mas também em melhor nível de serviço, seja nos destinos ou nas frequências. Fora que clientes Latam herdariam a capilaridade da Azul”, diz David Goldberg, sócio da Terrafirma, consultoria especializada em aviação.
Para quem é passageiro da companhia fundada por David Neeleman, haveria mais espaço e frequência em aeroportos disputados, como é o caso de Congonhas, em São Paulo (SP), e Brasília (DF). De qualquer forma, os mercados são, boa parte das vezes, complementares do ponto de vista operacional – sendo o maior desafio, neste caso, a integração de ambas, que pode trazer uma série de desafios.
“Não acho que dê para traçar uma regra geral. Porque, em algumas rotas/serviços, o ganho econômico será grande e, como há competição, pode significar ganhos para os usuários. Mas, em outras rotas, deve haver aumento de preços e isso demanda atenção. Com certeza, é uma operação que, caso vá adiante, deverá ser analisada e esculpida para maximizar benefícios ao mercado”, afirma Goldberg.
Procurado pela EXAME, o Cade afirma que, até o momento, não há edital publicado no Diário Oficial da União (DOU) sobre a operação. Já a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) diz não comentar ou analisar esse tipo de movimento e só participa quando há pedido oficial, “seja de fusão, compra ou qualquer outro tipo de acordo social que dependa de aprovação”.
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