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As mulheres do afroempreendedorismo que ajudam a movimentar R$ 1,7 trilhão por ano no Brasil

Apesar dos desafios históricos, empreendedoras estão transformando o mercado em diversos segmentos

Equipe da consultoria Indique Uma Preta: Camila Fernandes, Verônica Dudiman, Girlene Brito e Amanda Abreu (de pé); Aretha Teodoro, Daniele Mattos e Bianca Flores (sentadas).

Equipe da consultoria Indique Uma Preta: Camila Fernandes, Verônica Dudiman, Girlene Brito e Amanda Abreu (de pé); Aretha Teodoro, Daniele Mattos e Bianca Flores (sentadas).

EXAME Solutions
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Publicado em 12 de dezembro de 2024 às 17h01.

Determinado a fomentar o afroempreendedorismo no país, o Sebrae realizou um grande estudo sobre o tema há dois anos. O levantamento revelou um quadro alarmante: os empreendedores negros ganham menos, têm menos escolaridade, são donos de empresas menores, trabalham mais sozinhos — ou seja, tendem a não contratar ninguém — e contribuem menos para a Previdência. O estudo também identificou que pretos e pardos representam 52% dos empreendedores brasileiros, considerando tanto os empregadores quanto os que ganham a vida por conta própria.

Na época da pesquisa, a disparidade de renda era significativa: enquanto empreendedores negros declaravam renda média mensal de r$ 2.079, os brancos ganhavam R$ 3.040. A renda dos empreendedores negros, portanto, era 32% inferior, em média, à dos brancos. O levantamento também se debruçou sobre as diferenças dos ganhos em relação a raça e gênero. Concluiu-se que as mulheres negras têm a menor renda entre os empreendedores: R$ 1.852. Os homens negros, por sua vez, recebiam R$ 2.188, enquanto as mulheres brancas ganhavam R$2.706 e os homens brancos, R$ 3.231.

É importante destacar que as empreendedoras e os empreendedores negros movimentam R$ 1,7 trilhão por ano no Brasil. Esse dado foi calculado pelo estudo “Empreendedorismo negro no Brasil”, realizado pela aceleradora de empresários negros PretaHub, da Feira Preta, em parceria com o banco J.P. Morgan no Brasil e o Plano CDE (empresa de pesquisa e consultoria de avaliação de impacto especializada nas famílias das classes C, D e E no Brasil). Do total de pretos ou pardos que empreendem no país, as mulheres representam 52%.

Os desafios históricos do afroempreendedorismo são evidentes nos dados. Não por acaso, o que motiva 44,5% dos afrodescendentes a montar um negócio, de acordo com pesquisas internas do Sebrae, é a falta de emprego. Para efeito de comparação, esse motivo é apontado por apenas 28% dos homens brancos. A entidade aponta, no entanto, que o afroempreendedorismo está em alta, com cada vez mais oportunidades. Daí os esforços da instituição para fomentar o segmento por meio de ações voltadas exclusivamente para ele.

É negócio, não bico

Em março deste ano, o Sebrae montou um programa focado em empreendedorismo feminino, diversidade e inclusão. Das unidades estaduais da instituição, 24 já aderiram a ele. Isso se traduziu em 70 milhões de reais investidos em cursos, capacitações e consultorias, entre outras iniciativas, para alavancar o empreendedorismo de grupos sub-representados. “A meta, para 2025, é chegar a 90 milhões de reais e mobilizar todas as unidades do Sebrae no país”, diz Eraldo Ricardo dos Santos, gerente-adjunto de diversidade e inclusão da instituição. Ele lembra que muitos empreendedores negros enxergam seus negócios como bicos. “Dar fim a crenças limitantes é um dos desafios para ampliar o afroempreendedorismo no Brasil”, acrescenta.

Exemplos de resiliência

Casos de empreendedores negros que viraram referência — e têm muito a ensinar — não faltam. É o caso de Nina Silva, CEO e fundadora do Movimento Black Money, que tem o apoio do Sebrae. Criado em 2017, o hub de inovação tem o propósito de dar autonomia à comunidade negra, além de inseri-la na era digital. As ideias do ativista jamaicano Marcus Garvey (1887-1940) serviram de base para a ideologia que rege a companhia — em resumo, a empresa incentiva ao máximo a circulação de dinheiro dentro da própria comunidade negra.

O objetivo inicial do Movimento Black Money, fundado em parceria com Alan Soares, egresso do mercado financeiro, era montar um banco. Esse plano saiu do papel em 2019 com o lançamento do D'Black Bank, uma instituição financeira voltada para atender às necessidades da população negra. A fintech já lançou cartão de crédito e conta de pagamento, atualmente em fase de reestruturação.

O ecossistema também dispõe de um braço educacional, o Afreektech. “Temos a meta de impactar 20.000 jovens e adultos até o final de 2025 com cursos gratuitos que abram caminho para o mercado de tecnologia”, diz Nina. Até o momento, a iniciativa já capacitou mais de 10.000 pessoas. O Movimento Black Money também é dono de um banco de talentos com mais de 5.000 currículos e do maior marketplace negro da América Latina — reúne mais 3.000 empreendimentos e 7.000 produtos.

A companhia também se destacou por sua mobilização para distribuir cerca de R$ 2 milhões  em rodadas de investimento seed, combinando capital próprio e de terceiros. Essa iniciativa beneficiou cerca de 250 empreendedores. Entre os negócios impulsionados está a DaMinhaCor, empresa especializada em toucas de natação projetadas para cabelos afro volumosos e que também oferece versões descartáveis para uso em ambientes fabris, além de outros produtos voltados para a comunidade negra, como chapéus de formatura. “A marca já iniciou um processo de internacionalização”, comemora Silva.

Em 2020, o Movimento Black Money intermediou uma série de pitches com o intuito de fomentar negócios em dificuldade durante os meses mais críticos da pandemia. Uma das startups beneficiadas foi a Trampay, que captou 7,5 milhões de reais em uma rodada de investimento pré-seed. Criada, no mesmo ano, pelo recifense Jorge Júnior, tem como propósito aliviar a rotina pesada dos motoboys. Com sede em Brasília, a empresa criou um ponto de apoio em um posto de gasolina na cidade, oferecendo sala de descanso, guarda-volumes, wifi, banheiros e uma cozinha equipada com microondas, geladeira e água à vontade. O espaço funciona todos os dias, das 9h às 18h, e recebe quase 800 visitas por mês, com entrada gratuita. A meta agora é replicar a iniciativa em outras capitais.

O foco da Trampay, porém, é conceder benefícios diretamente aos entregadores. Por meio da startup, eles podem adquirir três tipos de seguro — de vida, acidente e moto —, além de plano odontológico e vale-alimentação. Os principais clientes da startup são empresas de entrega, como Sis Moto e Log City, que juntas empregam cerca de 20.000 motoboys. A Trampay atua como intermediária no pagamento desses profissionais, movimentando 15 milhões de reais por mês. Outro benefício oferecido pela startup é o adiantamento de recebíveis. Nina Silva, inclusive, decidiu investir na Trampay com recursos próprios.

Nina nasceu há 43 anos em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e cresceu em um dos bairros mais violentos da cidade. Seu pai já trabalhou como mecânico, manobrista e vigilante, até se aposentar como funcionário público na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Sua mãe, por sua vez, conciliou trabalhos como empregada doméstica e operária em uma fábrica de sardinhas em conserva, enfrentando as dificuldades típicas de uma realidade marcada por desafios.

O casal teve duas filhas. A irmã de Nina, seis anos mais velha, foi a primeira da família a ingressar no ensino superior. Hoje CEO do Movimento Black Money, Nina se formou em administração de empresas e enveredou pela área da tecnologia da informação. “As discussões a respeito da diversidade racial no ambiente de negócios ganharam força desde a época da pandemia”, observa Nina, que atuou em companhias como SAP e Capgemini. “Mas as ações nesse sentido, infelizmente, têm diminuído.”

Fazendo a diferença

Outra empreendedora negra que virou referência é a relações-públicas Daniele Mattos. Ela também se dedica a ajudar mulheres como ela a seguir pelo mesmo caminho. Em 2020, ao lado das publicitárias Veronica Dudiman e Amanda Abreu, fundou a Indique uma Preta, uma consultoria voltada para conectar a comunidade negra ao mercado de trabalho e oferecer capacitação gratuita para quem deseja crescer profissionalmente ou empreender. A iniciativa já atendeu mais de 100 empresas, como Natura, Magalu, Itaú e Boticário, e chegou a 1.200 alunos. “Saber vender nas redes sociais, por exemplo, pode fazer toda a diferença para quem quer empreender”, ressalta Mattos, que complementou sua formação com um curso de empreendedorismo no Sebrae.

Nascida há 31 snos em São José dos Campos, no interior de São Paulo, Daniele era estagiária de uma agência de publicidade quando começou a se mobilizar para dar mais espaço para profissionais negros. “Naquela época, percebi o quanto as pessoas brancas se beneficiam de indicações para conquistar boas vagas”, recorda. “E também constatei que não conhecia nenhum negro na faculdade para indicar na minha empresa.” Foi dessa reflexão que surgiu o Indique uma Preta, inicialmente criado como uma comunidade no Facebook. Desde que se transformou em uma consultoria, em 2020, a iniciativa já ajudou 300 pessoas a conseguir empregos.

“Programas para ampliar a diversidade racial em companhias só se sustentam quando estão atrelados a políticas institucionais de inclusão”, argumenta Daniele. “Eles não podem depender, por exemplo, de uma única pessoa do RH. Caso essa pessoa saia da empresa, tudo volta ao que era antes.” Segundo a especialista, tornar o ambiente de trabalho mais propício à diversidade é o primeiro passo para garantir que ações afirmativas tenham impacto duradouro. Sem isso, é comum que profissionais contratados por meio de programas de diversidade acabem deixando a empresa em pouco tempo, seja por causa de microagressões, seja pela falta de capacitação e incentivos adequados.

Com mais de 80.000 seguidores no Instagram, a carioca Zica Assis virou referência em empreendedorismo e superação. Ela é a fundadora do Instituto Beleza Natural, rede de salões de beleza especializados em cabelos crespos, cacheados e ondulados. A companhia já chegou a 35 unidades (28 próprias e 7 franquias), espalhadas por cinco estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. A rede oferece mais de 20 serviços e atende cerca de 100.000 clientes por mês.

De origem humilde, Zica começou a trabalhar como babá aos 9 anos de idade, em uma mansão onde sua mãe lavava roupas. Na época, ela usava os cabelos volumosos e naturais, mas foi obrigada a cortá-los e alisá-los para manter o emprego. “Demorei para entender que o nome daquilo era racismo”, relembra Zica.

Obrigada a manter os cabelos alisados a contragosto, ela trabalhou como faxineira e empregada doméstica até os 21 anos. Foi quando decidiu cortá-los bem curtos e virar cabeleireira. E com o seguinte propósito: ajudar mulheres como ela a se orgulharem de seus fios naturais. “Minha história inspira muitas clientes a serem quem elas realmente são”, resume. O primeiro salão foi montado há 31 anos na Tijuca, no Rio de Janeiro, com um investimento inicial de 4.200 reais.

Um banco próprio após um ‘não’

Por sua vez, Fernanda Ribeiro e seu marido, Sergio All, ganharam notoriedade em um universo não exatamente conhecido pela diversidade: o da Faria Lima. Em 2015, o casal fundou o AfroBusiness Brasil, com a missão de ampliar as oportunidades de trabalho e renda para a população negra. A empresa deu origem a mais um negócio de impacto, a Conta Black, da qual Fernanda é a CEO, enquanto All ocupa o cargo de chairman.

O intuito da fintech é facilitar a inclusão financeira da população negra e de outros grupos vulneráveis, enfrentando os desafios da desbancarização no Brasil. Em outras palavras, a fintech busca reduzir exclusão financeira que afeta as camadas mais vulneráveis da sociedade. Segundo o Instituto Locomotiva, 4,6 milhões de brasileiros adultos não têm conta em banco. Já presente nos 26 estados e no Distrito Federal, a Conta Black alcançou a marca de 60.000 clientes. A maioria das contas pertence a mulheres e a microempreendedores individuais.

A fintech é fruto de um “não” que All recebeu anos atrás. Publicitário e dono de uma agência, ele buscou um empréstimo para renovar equipamentos, mas teve o pedido negado sem qualquer justificativa. O detalhe é que a negativa veio do mesmo banco que administrava a folha de pagamento da agência. Nem ele, um cliente antigo, nem a agência tinham restrições de crédito. “Tudo bem, um dia vou abrir um banco”, resignou-se na época. Essa experiência refletiu um problema maior. “O empreendedor preto tem o crédito negado quatro vezes mais do que o branco, mesmo quando as condições são exatamente as mesmas”, afirma Fernanda Ribeiro. “E muitas pessoas, mesmo sem nunca atrasar uma parcela, recebem um ‘não’ simplesmente porque moram na periferia.”

Fernanda decidiu empreender após enfrentar um burnout. Formada em turismo, ela construiu uma carreira em comunicação e vendas, atuando em duas companhias aéreas e ajudando na criação das experiências de viagem. O esgotamento profissional, segundo ela, foi resultado de um cenário em que, à medida que avançava em sua trajetória, via cada vez menos pessoas que se pareciam com ela nos espaços que ocupava.

A empreendedora relata que muitas mulheres que começaram um negócio próprio recorreram à Conta Black. Uma cliente do banco, por exemplo, bateu na porta da instituição em uma situação crítica: devia para uma agiota e o negócio dela ia de mal a pior, com sérias dificuldades financeiras. Com o apoio do AfroBusiness Brasil, ela conseguiu sair daquela situação e, com a Conta Black, passou a dispor de crédito. “Entre gerar lucro e impactar a vida das pessoas, optamos por fazer as duas coisas”, afirma Fernanda, destacando o compromisso social da fintech.

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