Carlos Humberto, CEO e cofundador da Diáspora.Black: "Existia a necessidade de ter dentro do turismo maiores ofertas de roteiros, histórias, patrimônios negros" (Diáspora.Black/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 16 de novembro de 2023 às 11h45.
Última atualização em 16 de novembro de 2023 às 12h51.
Uma startup costuma nascer de um problema a ser resolvido. Os unicórnios Quinto Andar e iFood, por exemplo, queriam corrigir dificuldades na locação de imóveis e nas entregas de comida, respectivamente. Outra gigante, a Loggi, buscou resolver distorções nos sistemas de logística. A lista de exemplos é grande, e bem diversificada.
No caso da Diáspora.Black, o problema a ser enfrentado foi algo muito mais estrutural, e que persiste até hoje: o racismo. “Criamos a Diáspora.Black por causa de diversas experiências racistas que já vivemos”, diz o CEO e cofundador Carlos Humberto.
A startup, com sede em São Paulo, é um marketplace de experiências turísticas ligadas a lugares, pessoas e histórias da cultura negra. É o que ele chama de afroturismo. Também presta serviço de consultoria que treina empresas, com vídeo aulas, sobre lições históricas do povo preto e com ensinamentos para que não haja atitudes racistas nos espaços de trabalho.
Com esse trabalho, a Diáspora.Black vai fechar o ano faturando 3 milhões de reais. Para o ano que vem, a meta é bater 10 milhões de reais em receitas, apostando em novos contratos com empresas e no desenvolvimento da própria comunidade negra que anuncia serviços de turismo na plataforma.
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A criação da Diáspora.Black está atrelada à própria história de Carlos Humberto. Nascido no Rio de Janeiro, viveu os 14 primeiros anos de sua vida num terreiro de Umbanda. “Nesse espaço, aprendi alguns valores que hoje permeiam a Diáspora.Black, como acolhida, ancestralidade e referências afro centradas de valores”.
Foi lá também que teve as primeiras experiências com turismo e as referências de empreendedorismo, ainda menino. Morando em Nova Iguaçu, Humberto era responsável por organizar as excursões às praias cariocas nos finais de semana. “Eu era o mobilizador das farofadas”, brinca. “Chegávamos de ônibus com panelas, comidas, bebidas. Mas foi quando eu entendi que tinha essa demanda de lazer”.
O universo de empreendedorismo e de oportunidades se expandiu para Humberto quando ele entrou na graduação. Fruto de ações afirmativas, foi abrindo caminhos e conexões de trabalho e estudos, e chegou a fazer um Summit School em Harvard. Na volta, trabalhou em organizações como IBGE e Fundação Roberto Marinho, inclusive liderando times. Foi quando começou a vivenciar situações racistas no setor de turismo.
“Quando eu estava viajando a trabalho e voltava para o hotel à noite, sempre tinha alguma abordagem”, afirma. “Sempre me perguntavam se eu tinha certeza que estava hospedado naquele hotel, sempre dava algum problema com reserva, e só comigo”.
“Pensei que precisava ter alguma empresa que fizesse serviço de treinamento para que nós, negros e negras, não precisassemos passar por essas situações”, afirma.
O problema é tão estrutural que remete a um movimento de quase 100 anos atrás, quando, nos Estados Unidos, quando o carteiro Victor Hugo Green criou um guia que tentava dar aos viajantes negros informações para que evitassem se encontrar em dificuldade ou em situações embaraçosas.
A gota d’água para criação da startup aconteceu em 2016. Morando em Santa Tereza, um bairro turístico do Rio de Janeiro, Humberto alugava um quarto de sua casa para turistas que queriam ficar pela região. Nessa época, começou a viver experiências de racismo dentro da própria residência. “Algumas eram mais sutis, outras eram mais contundentes. Teve um turista que se recusou a entrar na minha casa. Foi o ápice para mim”.
Conversando sobre a situação com um amigo, entendeu que era preciso criar uma rede de turismo e de treinamento antirracista. Humberto chamou outras três pessoas para o time e, juntos, criaram a Diáspora.Black.
“Existia a necessidade de ter dentro do turismo maiores ofertas de roteiros, histórias, patrimônios negros”, afirma. “E em 2016, aconteceram as Olimpíadas no Rio de Janeiro, com muitos casos de racismo nas redes de hotelaria. Foi quando entendemos também que havia necessidade de um treinamento para melhor atender essa demanda de turismo negro”.
A trajetória da Diáspora.Black é marcada por acelerações, validações e resiliência. A startup começou no Rio de Janeiro, onde foram feitos os primeiros testes, e ganhou escala nacional em São Paulo, quando foi acelerada por um programa da Meta. Em 2019, receberam um aporte de 600.000 reais para desenvolver a plataforma de vendas e estruturar com força o negócio.
Em 2020, trabalhavam com a meta de alcançar um faturamento de 3 milhões de reais, mas a pandemia atrapalhou os planos da startup. “Quem compra turismo no Brasil, compra planejado e parcelado no cartão”, diz. “Nos primeiros dias de pandemia, começamos a ter estornos e cancelamentos. Em menos de 48 horas, entramos num endividamento que nos levou a um total desespero. Entendemos que não tínhamos a opção de errar, de não dar certo, e precisávamos fazer alguma coisa”.
A solução, na mesma semana, foi pensar em oferecer na plataforma eventos online. Deu certo e a startup conseguiu se manter (e até crescer) durante o período mais pesado da pandemia.
Naquele ano, também decidiram ampliar as consultorias antirracistas, antes só para o setor hoteleiro, para companhias de outras áreas. “Em 2020, teve muita situação de racismo exposta”, diz. “Tivemos o caso do George Floyd nos Estados Unidos, casos em redes de supermercados no Brasil, houve muita mobilização”, diz. “As companhias começaram a entender e querer estruturar melhor as áreas de diversidade, de atitudes antirracistas”.
Com isso, a Diáspora.Black organizou cursos audiovisuais com trilhas de conhecimento sobre a cultura e história negra e com orientações sobre diversidade.
Recentemente, a startup também passou a fazer parte da venture builder SX Group, que vai faturar 50 milhões de reais em 2023.
Hoje, são dois modelos de negócios funcionando na Diáspora.Black. Um deles é o marketplace de turismo, com hospedagem, experiências, atividades e hotéis, tudo ligado à cultura negra. Em São Paulo, por exemplo, há um passeio pelo bairro da Liberdade, que tem esse nome justamente pela comunidade negra que lá morou em séculos passados.
“O bairro tem esse nome porque tem a maior referência da resistência negra, e que está viva na gastronomia, na cultura, nos monumentos dentro do bairro”, diz. “E fazemos um tour por lá”.
No marketplace, a Diáspora.Black fatura com uma taxa sobre as vendas.
A outra frente de negócios são os cursos e treinamentos para empresas. Esses são elaborados pela própria startup. Ou seja, não é no modelo de marketplace, mas de venda direta. Hoje, o treinamento da empresa já alcançou mais de 7.000 colaboradores, com 128 empresas certificadas.
A meta da Diáspora.Black é atingir os 10 milhões de reais em faturamento no ano que vem. Para isso, quer fechar novos contratos com empresas para prestar consultorias de diversidade. E está também olhando para fora do Brasil. A meta é chegar a novos mercados na América Latina e nos Estados Unidos.
Na visão de Humberto, nos últimos anos, com o aumento do acesso à internet, as pessoas começaram a ter maior dimensão do racismo que acontece dentro de setores e serviços. Prova disso foram as manifestações de 2020.
“O que fica é que é uma virada de chave que está acontecendo, mas ainda não virou”, diz. “O Brasil é um país com muitos problemas estruturais. O maior deles é o racismo. E grande parte dos gestores de hoje tem formações associadas a visões de mundo do século passado. Mas há uma mudança grande no mundo nos últimos 20 anos. Comportamentos que antes eram aceitos, como machismo, hoje são inadmissíveis. O que demonstra a necessidade de gestores se atualizarem”.