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Aos 25 anos, ela lidera uma startup que usa IA para monitorar o cérebro. E já tem clientes gigantes

Com parcerias com a Mayo Clinic, Neurogram digitaliza exames e acelera o uso de IA na neurologia

Daniele de Mari e Cristhian Cagliari Carniel, da Neurogram:  (Leandro Fonseca /Exame)

Daniele de Mari e Cristhian Cagliari Carniel, da Neurogram: (Leandro Fonseca /Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 19 de abril de 2025 às 10h02.

Última atualização em 23 de abril de 2025 às 14h33.

PORTO ALEGRE (RS) — Quando era criança, Daniele De Mari se acostumou a frequentar hospitais. A avó com câncer era levada a consultas e exames pela mãe, e Daniele ia junto.

“Eu via celular nascer, mas no hospital ninguém sabia de nada. Era tudo precário, mesmo em hospitais bons”, disse, em entrevista à EXAME durante o South Summit Brazil, evento de inovação que aconteceu neste mês em Porto Alegre, numa corealização entre IE University, da Espanha, e o governo gaúcho. 

A indignação infantil virou propósito.

Hoje, aos 25 anos, Daniele lidera a Neurogram, uma startup que usa inteligência artificial para entender padrões cerebrais.

A plataforma ajuda médicos a interpretar exames de eletroencefalograma (EEG) com mais precisão, agilidade — e menos gambiarra.

A empresa, fundada quando Daniele tinha 22 anos, já atende nomes de peso e negocia parcerias com grandes hospitais dos Estados Unidos.

A Neurogram também se tornou a primeira brasileira a fechar uma parceria com a Mayo Clinic, referência global em saúde. A instituição vai compartilhar dados de EEG com a startup paranaense.

“É como se todo mundo ainda guardasse exame de sangue em caixa de papelão e a gente tivesse criado o primeiro tubo de ensaio”, afirma Daniele.

Até o fim de 2025, o plano é alcançar 100 clientes e processar 500.000 exames neurológicos.

“Nosso foco é simplificar a neurologia. A gente quer ajudar o neurologista a dar um diagnóstico mais rápido, mais preciso e com mais contexto”, diz.

Como a plataforma funciona

O sistema da Neurogram digitaliza o processo de ponta a ponta.

Os exames são enviados para a nuvem, podem ser laudados de qualquer lugar e ficam organizados com histórico do paciente, medicamentos e anamnese. Nada de HD externo nem planilhas paralelas.

“Hoje tem clínica que manda exame por Dropbox. Isso é ilegal, fere a LGPD, e coloca o paciente em risco”, afirma Daniele.

A healthtech foi a primeira a oferecer laudos de EEG na nuvem e a única capaz de ler exames gerados por qualquer modelo de equipamento do mercado.

“Criamos um sistema que integra dados clínicos, sinais cerebrais e inteligência artificial. É uma visão mais completa do paciente, algo que não existia até agora”, afirma Elaine Keiko Fujisao, Chief Medical Officer da empresa.

Na prática, o tempo médio de laudo caiu de 23 para 9 minutos. E isso sem usar IA.

“Só organizando a casa, sem IA, a gente já economiza 60% do tempo. Quando aplicamos os algoritmos, o ganho é ainda maior”, diz Daniele.

O modelo de negócio

A Neurogram opera com um modelo SaaS, com cobrança por uso.

Clínicas pagam pela plataforma e também por exame laudado. A startup já processou mais de 50.000 exames e deve multiplicar esse número por dez até o fim do ano.

Além disso, a Neurogram está criando um marketplace de algoritmos. A ideia é permitir que pesquisadores publiquem suas próprias IAs na plataforma.

“Tem médico que ficou quatro anos desenvolvendo um algoritmo incrível que está engavetado. A gente quer ser o Netflix desses algoritmos”, diz Daniele.

Segundo Cristhian Cagliari Carniel, CMO da Neurogram, a startup também financia pesquisas próprias e busca parcerias com universidades e centros de referência.

“Somos uma empresa de pesquisa, mas com foco prático. Nosso compromisso é com a comunidade médica”, afirma.

Quais são os desafios no caminho

O maior obstáculo não está na IA, mas na base de dados. “A IA é fácil. O difícil é a engenharia por trás, organizar os dados, padronizar formatos. É como o Spotify: o desafio era fazer a música tocar na hora que o usuário apertava o play”, diz Daniele.

Hoje, exames de EEG não seguem padrão universal. São sete formatos diferentes, incompatíveis entre si. O envio de dados entre hospitais ainda depende de motoboy com HD.

“A maioria dos hospitais não tem banco de dados neurológico. Alguns usam o Dropbox. Outros, nada”.

Para resolver isso, a Neurogram criou um banco unificado de exames e está conectando equipamentos de diferentes fabricantes. Segundo Daniele, já há parcerias com empresas que respondem por 70% do mercado brasileiro de equipamentos de EEG.

Como quer usar IA para processar as informações

O primeiro algoritmo lançado pela empresa foi voltado para exames de sono. Ele analisa as 700 a 800 telas que compõem um exame de 8 horas e classifica os estágios do sono em apenas 2 minutos — um trabalho que um técnico humano levaria 40 minutos para completar.

A tecnologia foi aprovada pela Anvisa e está sendo aplicada em parceria com a Unifesp para reduzir filas no SUS.

A empresa agora desenvolve uma IA para uso em UTIs, com validação da Mayo Clinic.

“Hoje só 1% dos pacientes em UTI são monitorados neurologicamente. Nossa IA permite que 100% sejam acompanhados em tempo real”, diz Daniele.

E como está o mercado?

Na prática, o mercado está mais receptivo do que se imaginava.

A resistência inicial à IA deu lugar à curiosidade — e à urgência.

“Depois do ChatGPT, os médicos pararam de ter medo. Eles viram que não vai roubar o emprego deles ainda”, diz Daniele.

O medo agora é outro: que médicos de outras especialidades passem a usar a IA para laudar exames.

“Os neurologistas tinham receio de perder espaço. Então a gente se aliou a eles. Trouxemos os mais acadêmicos pra perto, pra publicar suas IAs com a gente.”

A estratégia deu certo. No último Congresso Brasileiro de Neurologia, a startup captou 700 leads e fechou 60 clínicas como clientes potenciais. “A gente nem tinha o produto final pronto. Mesmo assim, o pessoal já queria usar”, diz.

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