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A saída de Immelt da GE

David Cohen Ninguém nunca achou que a vida de Jeff Immelt como executivo-chefe da General Electric seria fácil. Ele ia substituir Jack Welch, um executivo que em duas décadas no comando da empresa foi alçado à condição de mito – a receita quadruplicou, o valor de mercado da companhia foi multiplicado por 20, a GE […]

JEFF IMMELT, DA GE: “o truque é incentivar a mudança todos os dias sem nunca dizer que havia algo errado” / Chip Somodevilla/Getty Images

JEFF IMMELT, DA GE: “o truque é incentivar a mudança todos os dias sem nunca dizer que havia algo errado” / Chip Somodevilla/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 12 de junho de 2017 às 17h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.

David Cohen

Ninguém nunca achou que a vida de Jeff Immelt como executivo-chefe da General Electric seria fácil. Ele ia substituir Jack Welch, um executivo que em duas décadas no comando da empresa foi alçado à condição de mito – a receita quadruplicou, o valor de mercado da companhia foi multiplicado por 20, a GE se tornou a empresa mais valiosa do mundo e, consequentemente, seu estilo incisivo passou a ser reverenciado como o do “melhor gestor do século 20”.

Ainda que a imagem de Welch tenha murchado um pouco nos anos seguintes, ela será sempre a referência para o julgamento do legado de Immelt, especialmente a partir de agosto, quando – segundo o anúncio feito esta segunda-feira pela GE – ele deixará o cargo de CEO. (No final do ano, ele deixará também o cargo de presidente do conselho.)

Alguns anos atrás, durante uma palestra na Universidade Stanford, um aluno lhe perguntou o quão duro era substituir uma lenda como Welch. Immelt respondeu com uma brincadeira: aconselhou os estudantes a planejar suas carreiras de forma a suceder apenas executivos fracassados.

Em seguida, ele deu uma resposta mais séria. “Se você sucede alguém famoso, o truque é incentivar a mudança todos os dias sem nunca dizer que havia algo errado.” Cada uma à sua maneira, as duas respostas de Immelt estão certas.

Para muita gente, o sucessor de Immelt, John Flannery, atualmente líder da divisão de saúde da GE, terá a vantagem de suceder a um fracassado. Durante o mandato de Immelt, as ações da GE caíram 29% (veja gráfico ao final da reportagem), enquanto o índice das 500 maiores companhias americanas, o S&P 500, mais do que dobrou.

Seria simplório interpretar esse dado como incompetência. Immelt atravessou um período quase que oposto ao de Welch. Se em circunstâncias normais já seria complicado sustentar o padrão elevado que herdou, Immelt ainda teve um baita azar: um dia depois de ele assumir o comando da GE, os Estados Unidos sofreram o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001.

Immelt reagiu rapidamente à tragédia. Ofereceu, em nome da GE, uma doação de 10 milhões de dólares às famílias das vítimas e às equipes de socorro, e iniciou uma missão de convencimento de investidores e analistas de que a companhia não seria afetada.

Só que foi. A divisão de seguros da GE teve de arcar com custos de 600 milhões de dólares por conta dos ataques. Com o temor generalizado que baqueou o setor aéreo, os pedidos de turbinas caíram drasticamente. Até a divisão financeira da empresa, a GE Capital, que respondia por metade do faturamento, ficou abalada porque financiava as compras de equipamento de várias companhias aéreas.

Em suma: Immelt estreou no cargo com uma perda de 80 bilhões de dólares no valor da companhia (uma queda de 11% nas ações). E mais estava por vir. Naquele mesmo ano, eclodiram os escândalos financeiros da Enron e outras companhias, que aprofundaram uma crise econômica no país.

Ali ruía todo e qualquer planejamento que Immelt pudesse ter para a sua gestão. Não à toa, a qualidade que ele considera a mais importante para um líder de negócios é a resiliência: a capacidade de se recuperar de baques.

A GE até que ensaiou uma recuperação nos primeiros anos do milênio, mas sofreu uma nova rasteira com a crise econômica de 2008. A essa altura é que se pode começar a dar valor à segunda resposta de Immelt à pergunta do estudante: ele operou, especialmente nos últimos cinco anos, uma fantástica transformação da empresa.

A revolução na GE

Consta que, ao entregar-lhe as chaves do negócio, Welch teria dito a seu sucessor: “destrua o que eu fiz”. É um baita conselho. O próprio Welch o seguiu, aliás. Quando tomou as rédeas da companhia de Reginald Jones, o CEO da GE entre 1972 e 1981, Welch tratou de mudar seu foco. Até então, a empresa era obcecada com planejamento estratégico, para controlar os rumos de seus diversos setores industriais, e extremamente ciosa de seus laços com o governo, que tinha capacidade de investir em grandes projetos.

Welch chegou como um trator. Eliminou tantos postos na hierarquia montada por seu antecessor que logo ganhou o apelido de Neutron Jack (na época, estava em voga falar da bomba de nêutrons, uma arma supostamente capaz de matar todas as pessoas e deixar as estruturas físicas intactas).

Até pelo sucesso de Welch, Immelt não teve como destruir seu legado de imediato. Mas a destruição veio a partir de 2008. Curiosamente, pode-se dizer que a reviravolta da GE segue alguns dos preceitos mais caros a Welch – a noção, extraída dos ensinamentos do guru da gestão Peter Drucker, de que uma grande empresa deveria estar apenas nos mercados em que pudesse ser a primeira ou a segunda colocada.

Welch presidiu a GE durante um período de enorme desregulamentação, aumento da competição estrangeira em manufaturas e crescente domínio da economia pelas instituições financeiras.

Fazia sentido, então, ser obsessivo com a eficiência e diversificar os esforços para áreas em que os rivais, especialmente asiáticos (na época mais o Japão do que a China), não tivessem como atuar. Foi assim que a GE aumentou sua presença no setor financeiro e comprou a NBC.

Muito se fala do gênio de Welch, mas grande parte do crescimento das receitas da GE sob sua gestão se deveu ao boom do setor financeiro. A empresa chegou inclusive a comprar prédios para alugar em Chicago e emprestar dinheiro para consumidores no Japão.

No pós-crise, porém, o governo americano tomou medidas rígidas para controlar o setor financeiro, e o risco da atividade cresceu muito para a GE. Immelt tratou de virar o barco. “Jeff Immelt vai refazer completamente a GE”, disse há dois anos o professor de negócios Vijay Govindarajan, ao jornal New York Times. “É uma companhia diferente, para um tempo diferente.”

O que Immelt destruiu (ou limpou o que estava ameaçado de virar ruínas): em 2015, ele anunciou que em 2018 o setor de capital será responsável por menos de 10% do resultado da companhia. A GE Capital voltará a ser focada primordialmente em financiar os clientes que comprarem equipamentos pesados, como grandes motores, geradores de energia, máquinas de diagnóstico médico ou equipamentos de refino de óleo.

Nos últimos três anos, a GE Capital vendeu mais de três quartos de seus 200 bilhões de dólares em ativos. Num movimento anterior, a GE já havia se desfeito de suas participações na NBC Universal. Em 2007, vendeu seu negócio de plásticos. E, numa prova de que nada está a salvo se não estiver adequado ao novo foco, no ano passado a companhia vendeu sua famosa divisão de eletrodomésticos para a chinesa Haier, por 5,4 bilhões de dólares.

Em contrapartida, o que Immelt quer construir é uma empresa que seja líder na indústria digital. Segundo ele, “para a GE ser uma indústria bem-sucedida, nós teremos que ser um sucesso digital”.

Dá para concorrer com as startups? Immelt responde com uma conjectura. “Se você está voando a 10.000 metros de altura, num avião sustentado por duas turbinas, você prefere que essas turbinas tenham sido projetadas por uma empresa com cinco meses de idade?” Nas áreas “pesadas”, os consumidores querem histórico. A inovação, diz ele, deve estar acoplada à segurança de uma reputação construída ao longo dos anos.

Immelt prevê que a GE será, até o ano 2020, um dos dez maiores desenvolvedores de software do planeta. Nos últimos meses, a companhia tem contratado centenas de programadores. Para atingir a meta de se tornar uma potência digital, segundo suas próprias contas, Immelt vendeu negócios no valor de 100 bilhões de dólares e gastou 100 bilhões de dólares comprando outros negócios. Um deles foi a divisão de energia da francesa Alstom. Outro foi a companhia de óleo e gás Baker Hughes.

Immelt promoveu até mesmo a troca de sede da GE, de Connecticut para Boston, este ano. Em parte, a mudança foi por causa da insatisfação com os impostos na cidade. Mas a escolha de Boston foi motivada pela proximidade de universidades como MIT e Harvard, além de uma comunidade de startups e venture capital.

A pressão por resultados

Para virar um barco do tamanho da GE, no entanto, as manobras nunca podem ser rápidas. Tampouco baratas. Essas alterações de rumo afetaram a receita da GE, deixando-a fora da lista da revista Fortune das dez maiores corporações do mundo pela primeira vez em décadas (ela ficou no 11º lugar). A empresa também registrou mais de 6 bilhões de dólares em perdas em 2015, contra 140 bilhões de dólares em receitas.

Em 2016, as metas previstas foram cumpridas, mas recentemente a direção vem sugerindo que a empresa provavelmente não alcançará os lucros de 2 dólares por ação em 2018 que haviam sido sugeridos.

É normal que os resultados durante uma transformação tão grande não sejam espetaculares, e a maior parte dos analistas aponta a GE como uma aposta de longo prazo. Mas também nas compras que fez Immelt deu algum azar: ele investiu na formação de uma divisão de máquinas e serviços para a indústria de óleo e gás imediatamente antes do agudo declínio dos preços, na segunda metade de 2014. Esse revés afetou o desempenho da companhia desde então.

Mesmo assim, a virada da GE foi vista com otimismo por analistas e investidores. Foi graças a esse movimento que, em 2015, o fundo Trian, do bilionário Nelson Peltz, comprou 2,5 bilhões de dólares em ações da companhia, dizendo que apoiava a mudança de portfólio de negócios.

O apoio de Peltz logo virou impaciência e, recentemente, pressão. Especialmente porque as ações da GE haviam caído 12%, do início do ano até a semana passada, enquanto o S&P 500 subiu 8,6%. Peltz, um investidor ativista, tem cobrado corte de custos e melhora de resultados. O anúncio da saída de Immelt fez as ações da GE subirem quase 5%

Segundo a companhia, o processo de sucessão começou há seis anos; e há quatro já estava definida a data da troca de guarda. Mesmo assim, é tentador vincular a saída de Jeff Immelt da liderança da General Electric à pressão que a empresa vem sofrendo.

A primeira declaração de Flannery, o sucessor de Immelt, foi para apaziguar os protestos. Ele prometeu entregar resultados melhores para os acionistas e promover uma abrangente reavaliação dos negócios em que a GE está, de locomotivas a turbinas eólicas.

Flannery, 55, assim como Immelt, é uma cria da casa (a GE se orgulha de seus programas de formação de lideranças, por isso seria estranha uma contratação de fora). No comunicado da troca de guarda, ele foi apresentado como alguém que promoveu uma virada na divisão de saúde, elevando a receita orgânica em 5%.

Além disso, ele “liderou negócios complexos financeiros e industriais pelo mundo todo, incluindo a liderança da GE Healthcare, GE na Índia e a compra da Alstom”. Falando hipoteticamente sobre sua sucessão, alguns anos atrás, Immelt disse que seu sucessor teria que ser muito bem preparado, mas que em última análise não se escolhe alguém para esse cargo com base no que a pessoa já sabe, e sim com base no que ela pode aprender.

Seria conveniente que, ao contrário do conselho que Welch lhe deixou, a recomendação de Immelt para Flannery fosse: construa tudo o que eu comecei a fazer. O mercado, implacável, gostou da mudança: alta de quase 5% nas ações nesta segunda-feira.

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