Negócios

A Riachuelo a toda velocidade

Num mundo em que as histórias de sucesso são cada vez mais efêmeras, o grupo espanhol de moda Inditex, dono das lojas Zara, segue como um indiscutível bom exemplo. A companhia mudou a feição do varejo de moda, entre o final dos anos 90 e começo dos anos 2000, ao popularizar o modelo que ficou […]

FLÁVIO ROCHA: “operávamos na lógica do fatiamento; parecia um bom negócio, mas não era” / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)

FLÁVIO ROCHA: “operávamos na lógica do fatiamento; parecia um bom negócio, mas não era” / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 20 de maio de 2016 às 11h38.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

Num mundo em que as histórias de sucesso são cada vez mais efêmeras, o grupo espanhol de moda Inditex, dono das lojas Zara, segue como um indiscutível bom exemplo. A companhia mudou a feição do varejo de moda, entre o final dos anos 90 e começo dos anos 2000, ao popularizar o modelo que ficou conhecido como fast fashion.

A fórmula consiste em deixar para trás o modelo de lançar coleções de roupas duas vezes por ano para fazer lançamentos semanais. O fast fashion opera em escala limitada, com peças feitas em fábricas próximas à central de distribuição, diminuindo o tempo de envio. No caso da Zara, as fabricações se concentram na Turquia, Leste Europeu, Marrocos, Portugal e México, que são mercados com mão de obra barata próximos à central espanhola. Ao invés de contratar designers famosos, “copia” os modelos consagrados. As roupas que vendem muito são repostas e as que encalham saem do catálogo rapidamente.

Entre 2006 e 2016 as vendas da Inditex cresceram de 8,3 bilhões de dólares para 23 bilhões. Os lucros mais que triplicaram, de 990 milhões para 3,1 bilhões de dólares. O sucesso fez da Zara uma das empresas mais copiadas do mundo. Em maior ou menor escala, praticamente toda rede de varejo de moda pelo mundo passou a adotar práticas de gestão no estilo Zara. Algumas foram mais longe, reformulando completamente sua estratégia, como a americana Forever 21 e a sueca H&M.

Agora, é a vez de uma rede brasileira dar uma guinada inspirada na Zara. É o grupo potiguar Guararapes, dono da Riachuelo. “Esse é o modelo de negócios vitorioso para o mundo da moda. E vai fazer a diferença para nós”, diz Flávio Rocha, presidente do grupo Riachuelo.

O passo a passo

O que marcou o início dessa nova fase foi a inauguração de um novo centro de distribuição em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, no final de abril. Até junho a empresa espera fazer a transição total para o fast fashion. É o resultado de um processo de 7 anos, que foi anunciado em 2006 com muitas idas e vindas. A empresa levou tempo aparando as arestas entre os diferentes departamentos e mudando a cultura interna. Tradicionalmente, a confecção, a logística e as lojas tinham objetivos e necessidades distintas. A loja precisava vender as peças o mais rapidamente possível. A logística trabalhava com previsibilidade e grandes entregas. A fábrica ganhava eficiência ao fabricar milhares de unidades de um mesmo modelo.

“Nós operávamos na lógica do fatiamento, em que cada setor da produção fica responsável pelo máximo potencial da sua unidade. Parece um bom negócio, mas não é verdade no mundo da moda, que precisa de uma eficiência global. Os diferentes setores da empresa eram uma usina de conflitos”, diz Rocha.

A mudança levou tempo para ser implementada pois implicava em uma total mudança de operação da própria Riachuelo. A estrutura da rede era verticalizada e cada setor da fabricação tinha metas próprias. Eliminar as avaliações localizadas e passar a ter avaliações globais foi um início para a Riachuelo. Mudar a logística antiga, ao mesmo tempo em que implementava a nova, foi custoso e demorado.

Mas o momento de virar a chave chegou. Desde abril, 90% das lojas recebem diariamente um carregamento novo de roupas fabricadas no Rio Grande do Norte — um software monitora quais peças estão saindo e a partir disso consegue informar à confecção o que deve ser produzido. A velocidade de lançamentos também cresceu – já são 35.000 novos modelos por ano. A ideia é que as mudanças promovam um ganho de eficiência e uma sinergia em toda a cadeia produtiva. E que o consumidor tenha novas opções toda semana.

“Nesse modelo, precificação adequada e um produto de qualidade são essenciais. Se a Riachuelo conseguir de fato identificar o que o consumidor deseja, vai ter bons resultados”, diz Jean Paul Rebetez, da consultoria especializada em varejo GS&AGR.

O motivo da mudança

Para a Riachuelo, mudar a estratégia de negócio não era exatamente uma necessidade. A empresa fechou 2015 com um faturamento de 7 bilhões de reais, 14,8% maior que os 6,1 bilhões de 2014, e 285 lojas pelo país, três vezes a mais do que tinha em 2006. O problema é que a margem não acompanhava mais a evolução na receita. Os lucros de 2015 tiveram uma queda em relação aos do ano anterior — caíram de 480 milhões de reais para 350 milhões. No primeiro trimestre deste ano, a Riachuelo reportou um aumento de 8,2% no faturamento e uma redução de 87% nos lucros. Com uma logística mais azeitada, a empresa espera recuperar a margem perdida, e chegar perto da eficiência da varejista gaúcha Renner, a empresa mais eficiente do setor. De 2014 para 2015, o lucro da Renner passou de 470 para 580 milhões de reais, e a margem chegou a 10%. Na Riachuelo, a margem é de 5%.

Emular o modelo da Zara não vai ser – e não tem sido – um passeio no campo. De acordo com a vice-presidente da empresa de tendências WGSN, Letícia Abraham, fora do Brasil sempre se questionou por que não havia uma marca de fast fashion brasileira. “A Renner é uma marca cada vez mais consistente, com muita informação de moda e bom preço. O fast fashion precisa de três coisas alinhadas: preço, qualidade e informação de tendências. Algumas marcas no Brasil ainda precisam de uma mistura melhor desses três quesitos”, afirma.

Segundo Guilherme Assis, analista do Banco Brasil Plural, o Grupo Guararapes passou por problemas de execução no final do ano passado e no início deste, principalmente quanto ao estabelecimento do novo centro de distribuição, que ficou pronto só no final de abril. Outro problema foi o atraso no fornecimento de modelos básicos, que ainda são importados da Ásia: com a sazonalidade, algumas peças não foram vendidas e acabaram encalhando. “Além da crise macroeconômica, a Riachuelo enfrentou esses problemas de execução. O modelo da Inditex em que a empresa se inspirou ainda é um sucesso e pode ser replicado, mas a execução ainda está um pouco aquém da mudança que a companhia estabeleceu”, diz.

O desafio da Riachuelo vai ser, no fundo, romper com uma lógica do mundo dos negócios. Empresas muito bem sucedidas tendem a ser copiadas em diversos mercados. Em geral, explicar o sucesso dessas companhias é simples – as bibliotecas estão cheios de livros de gestão com esse foco. Mas, no dia a dia, as coisas se complicam.

A varejista online Amazon, por exemplo, lançou as compras com um só click e entregas baratas e eficientes que ninguém, até hoje, conseguiu replicar de forma satisfatória. A cervejaria Ambev levou milhares de pequenas e grandes empresas a falar em meritocracia e gestão por resultados – mas poucas conseguem ir além do discurso. A Apple mostrou os benefícios da simplicidade e de uma linha enxuta de produtos – desde que, é claro, a empresa tenha produtos matadores.

No caso da Zara, o modelo se transformou em uma tendência mundial. A lógica é vender barato, renovar constantemente as vitrines, e fazer as pessoas voltarem com frequência. Estima-se que em 2013 cada americano comprou cerca de 63 peças de roupa. Além de um modelo de produção, o fast fashion se transformou também em hábito de consumo e de estilo. O problema é conseguir ganhar dinheiro com ele. A maior parte das empresas acaba ficando só com o estigma de estimular um consumo desnecessário e de produzir peças que duram meia dúzia de lavagens.

Há, sob essa ótica, um risco de a Riachuelo estar lançando agora um modelo de negócios que tem tudo a ver com a década passada, e não com o espírito dos tempos atuais. Segundo o jornal Frankfurter Rundschau, 30% dos alemães compraram roupas orgânicas no último ano e 73% da população se diz preocupada com a sustentabilidade das roupas. Em boa parte da Europa e dos Estados Unidos, a tendência é parecida.

Enquanto esse contra-movimento, conhecido como slow fashion, ganha espaço lá fora, no Brasil ele ainda é muito incipiente – por aqui, há uma enorme fatia da população ainda entrando no mercado de consumo, e que adoraria poder visitar as lojas com mais frequência, pagando preços acessíveis. Depois de levar sete anos para embarcar no fast fashion, é bom a Riachuelo tirar proveito o mais rápido possível. O risco é que os benefícios do fast fashion, para a rede, sejam fast mesmo.

(Thiago Lavado)

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