SEDE DA SWAROVSKI: empresa de cristais investe agora na tecnologia de células de energia solar / Mattia Balsamini/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 20 de outubro de 2016 às 12h19.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h05.
Mark Scott © 2016 New York Times News Service
Wattens, Áustria – Recentemente, um grupo de programadores da geração Y contava piadas na cozinha bem abastecida de seu escritório enquanto preparava uma salada para o churrasco semanal. Outros se reuniam em volta da nova mesa de pebolim, discutindo de brincadeira sobre os possíveis times.
Os empreendedores jovens chegaram ao local – repleto de geladeiras cheias de cervejas artesanais e uma cafeteira de US$ 3 mil – só no ano passado. “Quando nos mudamos, não tínhamos certeza de que esse lugar era para nós”, explica Valentin Schuetz, de 24 anos, fundador do Gronda, um aplicativo de smartphone para hotéis recrutarem funcionários. “Isso porque estamos literalmente no meio do nada.”
Nesta vila bucólica situada nos Alpes austríacos, o espaço de coworking fica em uma construção do século XIX de um fabricante decididamente da velha guarda – a companhia de cristal Swarovski. O projeto é parte de um esforço incomum para transformar a Swarovski em, entre todas as coisas, uma empresa de tecnologia.
Com medo da concorrência chinesa barata e atenta a uma condescendência rentável que derrubou gigantes no passado — a Eastman Kodak, destruída pelas câmeras digitais, é citada frequentemente —, a empresa está desenvolvendo novos cristais que funcionam como painéis solares ou que mudam de cor ao toque dos dedos. Também renovou a venda on-line, investiu milhões em maquinário de alta tecnologia e firmou parceria com produtores de relógios inteligentes como o Misfit.
A Swarovski contratou consultores do Vale do Silício e mandou executivos para a Costa Oeste dos Estados Unidos para se encontrarem com capitalistas de risco e afins, na tentativa de adicionar um pouco de entusiasmo tecnológico a um negócio cujas raízes datam do tempo das diligências.
“As empresas de tecnologia podem desestabilizar uma indústria inteira em poucos meses”, afirma Markus Langes-Swarovski, de 42 anos, presidente do conselho do Grupo Swarovski e tataraneto do fundador. “Precisamos fazer isso nós mesmos antes que aconteça conosco.”
Para muitos, o sonho de tecnologia da Swarovski parece uma estratégia estranha para uma fabricante de cristal de 121 anos mais conhecida por suas estatuetas (que algumas vezes são pura ostentação), joias de designer e mesmo um sapatinho de Cinderela de US$ 2 mil. Também gera perguntas sobre se é a indústria certa para abraçar os jovens de moletom, as incubadoras de startups e outras armadilhas que deram ao Vale do Silício sua fama global.
“Companhias que são grandes legados querem se reinventar para a era digital”, explica Julian Birkinshaw, professor da London Business School. “Poucas, ou nenhuma, conseguiram ter sucesso.”
Dentro da Swarovski, que é propriedade de membros da família Swarovski, a renovação não foi uma unanimidade. Alguns acionistas da família ficaram preocupados com a ideia de que Langes-Swarovski e seus executivos estivessem apenas entrando na onda do Vale do Silício. Alguns não acreditaram na possibilidade de a empresa, que tem mais de 31 mil funcionários e é dona de lojas de varejo de Nova York até Nova Délhi, ser beneficiada com a mudança para sensores e startups ao invés de focar em fazer cristais brilhantes.
A relutância foi agravada pelo fato de que a Swarovski passava longe de estar à beira da ruína. A receita anual da companhia chegou a US$ 3,8 bilhões em 2015, 10 por cento acima do ano anterior. A Swarovski não divulga seu lucro.
“Foi difícil fazer a família concordar”, afirma Langes-Swarovski, que em 2002, aos 28 anos, assumiu a empresa das mãos do pai. “E, claro, ainda é.”
A fabricante de cristal, que tem guardado seus segredos de mercado avidamente por mais de um século, raramente dá mostras de seu funcionamento interno. Seu centro de produção está normalmente fora dos limites da maioria dos funcionários da Swarovski. A entrada é feita por meio de uma porta giratória de alta segurança que não pareceria fora de lugar em um filme de espionagem.
Mais funcional industrialmente do que objeto chique de passarela, o local estava pontilhado de pessoas dirigindo empilhadeiras, carregando caixas de cristal e outras matérias-primas entre os prédios. Em uma nova linha de produção, dois braços robóticos, pintados de amarelo brilhante, giravam dançando um balé no ar enquanto funcionários verificavam medidores e o grupo de rock Kings of Leon tocava no rádio.
Em outro prédio, várias impressoras 3D zuniam, produzindo peças avulsas e protótipos de desenhos de joias. Os engenheiros continuavam a vigiar as máquinas que foram construídas originalmente para a indústria de semicondutores, mas que desde então foram modificadas para produzir minúsculos cristais, alguns quase invisíveis quando segurados.
Em 2012, Langes-Swarovski começou a desenhar a nova estratégia para os 79 acionistas da família na empresa. Em jantares, reuniões do conselho e encontros sociais, contou a eles que apesar das décadas de sucesso da Swarovski, as coisas precisavam mudar. A empresa, disse Langes-Swarovski, tinha que canalizar as raízes de engenharia de seu tataravô para cortar custos, responder mais rapidamente a novas ideias e, mais importante, abraçar as novas tecnologias que se tornaram parte da vida diária das pessoas.
A reformulação começou com pequenos passos. Em 2013, uma equipe de engenheiros gastou 50 mil horas e quase US$ 5 milhões para construir uma linha de produção que fazia pequenos lotes de cristais, a um preço mais baixo, para competir melhor com os rivais chineses e atender à demanda de pedidos menores.
As equipes de desenvolvimento de tecnologia, marketing e vendas da Swarovski também conseguiram mais independência para testar novas ideias. Em 2014, um engenheiro – parte do time de 80 pessoas de pesquisa e desenvolvimento de Wattens – encontrou uma maneira de transformar o cristal Swarovski em células solares. Depois de alguns ajustes, incluindo fazer o cristal redondo e mais fino para atender aos padrões de joias, a Swarovski fez uma parceria com a Misfit, que vende relógios inteligentes e outros dispositivos portáteis, para construir o primeiro monitor de atividades físicas movido a energia solar do mundo. Ele começou a ser vendido no início de 2015.
Levando o conceito mais adiante, este ano os cientistas da Swarovski, estimulados pelo negócio com a Misfit, criaram outro cristal que muda de cor quando é tocado, usando sensores colocados dentro da peça. A técnica foi mostrada no baile de gala do Met em maio quando a atriz Freida Pinto usou um vestido cravejado de cristais desenhado por Tory Burch, na primeira vez que a tecnologia de mudança de cor da Swarovski foi aplicada a um design de moda.
“Criamos uma célula solar que não é chata”, conta Michael Hutter, chefe do grupo de pesquisa aplicada por trás da tecnologia. “Queremos ser o elo perdido entre as indústrias de tecnologia e da moda.”
Para Lukas Kinigadner, nativo de Wattens que já trabalhou na fábrica da Swarovski, o desejo da empresa de ser mais colaborativa é uma mudança dos tempos de sua infância, quando havia poucas oportunidades de emprego além da fabricação de cristais. Hoje, Kinigadner, de 32 anos, está administrando sua própria startup de reconhecimento de texto, Anyline, que lançou em 2013 e que hoje emprega 23 pessoas no espaço de co-working da Swarovski em Viena.
Em fevereiro, sua startup recebeu mais de US$ 200 mil em investimentos de um fundo separado da família Swarovski. “As pessoas agora reconhecem que algo está acontecendo aqui com a tecnologia”, diz ele.