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A Philip Morris criou o problema – agora quer vender a solução

Produtos de risco reduzido já representam 13% da receita global da empresa, mas são vetados no Brasil. Companhia diz que usá-los é como parar de fumar.

Cigarro: companhia quer parar de vender para apostar em itens de risco reduzido (Foto/Thinkstock)

Cigarro: companhia quer parar de vender para apostar em itens de risco reduzido (Foto/Thinkstock)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 19 de abril de 2018 às 08h00.

Última atualização em 19 de abril de 2018 às 16h19.

São Paulo – Em breve, a Philip Morris deixará de ser uma empresa de cigarros. A estratégia da gigante do tabaco foi anunciada com alarde no início do ano e significa uma guinada para a empresa. Mas o que a dona do Marlboro vai vender, então?

Produtos de tabaco para fumantes com foco em redução de danos, explica o diretor global de sustentabilidade da PMI (Philip Morris International), Miguel Coleta. Após décadas lucrando com o tabagismo – que, vamos lembrar, mata 7 milhões de pessoas ao ano, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) – agora a empresa quer ser parte da solução.

“Admitimos que o cigarro é, sim, nocivo. O pensamento de sustentabilidade numa empresa de tabaco tem que começar pelo impacto social do produto”, disse Coleta em entrevista exclusiva ao site EXAME.

O foco em produtos menos nocivos parte do pressuposto de que o pior do cigarro vem da combustão da matéria orgânica. Sendo assim, todos os novos produtos desenvolvidos pela Philip Morris têm como objetivo gerar o contato com a nicotina do tabaco sem a necessidade de queimá-lo.

Dentre os produtos, que incluem os já conhecidos cigarros eletrônicos, o mais promissor na visão da empresa chama-se IQOS: um aparelho eletrônico que aquece um bastão de tabaco (batizado de Heets). Os usuários inserem o bastão no aquecedor e aspiram do bastão, que foi aquecido a 350 ºC. Um cigarro comum queima a 600 ºC, de acordo com a Philip Morris.

O item, uma espécie de cigarro aquecido, já é vendido em 38 países, como Canadá, Alemanha, Rússia e Japão, e tem 5 milhões de consumidores. No Japão, um dos países em que o IQOS faz mais sucesso, o produto já abocanhou 16% do mercado.

IQOS, o produto que é a aposta da Philip Morris para o futuro do tabaco

IQOS, o produto que é a aposta da Philip Morris para o futuro do tabaco (Philip Morris/Divulgação)

“É como parar de fumar”

O discurso da empresa é de que fumar IQOS é como parar de fumar. “Vemos uma semelhança muito grande entre quem para de fumar e quem transita do cigarro convencional para esse produto”, afirma Coleta.

Para a empresa, a grande notícia é que o consumidor parece estar disposto a substituir o cigarro convencional pelo IQOS, o que abre uma avenida para que a PMI conquiste espaço da concorrência.

E é exatamente isso que ela quer. O diretor global de sustentabilidade da empresa garante que o foco da fabricante é a população que já fuma. Ou seja, nada de tentar angariar não fumantes para experimentar o IQOS, ou qualquer outro produto sem fumaça.

Mas toda empresa quer novos clientes, certo? “Para nós, esses novos clientes são os das nossas marcas convencionais ou os que estão com os concorrentes”, responde Coleta.

950 milhões de potenciais clientes

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 1,1 bilhão de pessoas no planeta fumam. Pelos cálculos da PMI, esse número está em queda a uma taxa média de 0,21% ao ano, o que significa que, em 2025, haverá 950 milhões de fumantes no planeta.

Com isso, Coleta é taxativo: mesmo numa sociedade cada mais antitabagista, a PMI não busca outros negócios e vai continuar focada em vender tabaco.

“O que estamos fazendo já é suficientemente complexo e intenso. Estamos falando de mudar nosso produto, algo que exige grandes investimentos em pesquisa e em capacidade de produção e um acompanhamento do processo de conversão do consumidor”, afirma.

Desde 2008, a Philip Morris já investiu 4,5 bilhões de dólares no desenvolvimento de produtos sem fumaça e recentemente realizou a conversão completa da primeira fábrica totalmente focada nesses produtos.

Em 2017, os chamados produtos de risco reduzido representaram 13% da receita líquida global da companhia, que foi de 28,7 bilhões de dólares. Em 2016, o percentual foi de 3%. A expectativa é chegar à marca de 250 bilhões de produtos sem fumaça vendidos em 2025.

Porém, a companhia ainda não tem uma data para cessar definitivamente a venda dos cigarros convencionais. “Dependemos da aceitação do consumidor para nossos novos produtos e da regulamentação de cada país. Se decidíssemos parar agora, apenas abriríamos espaço para a concorrência e para os cigarros clandestinos”, afirma o diretor.

Mais seguro?

Agora, a batalha da empresa é para conseguir a liberação de seus novos produtos pelos órgãos nacionais. O IQOS não é liberado nos EUA nem no Brasil, que também proíbe a venda dos chamados cigarros eletrônicos, outro produto oferecido como alternativa ao cigarro convencional.

No mercado americano, o órgão regulatório local, FDA (Food and Drug Administration), aguarda mais estudos sobre o potencial cancerígeno do IQOS antes que ele possa ser comercializado como uma alternativa mais segura aos cigarros.

Isso porque, embora o dispositivo tenha reduzido a exposição a alguns produtos químicos nocivos presentes no ato de fumar, ainda assim os usuários poderiam desenvolver certas lesões pré-cancerosas semelhantes às que podem ser causadas por cigarros tradicionais, informou a FDA em relatório divulgado em janeiro.

Já no Brasil, a Anvisa afirma que o cigarro eletrônico surgiu como uma promessa de auxílio para quem deseja parar de fumar. “O problema é que não existem estudos que comprovam a segurança na utilização do produto”, diz texto de esclarecimento no site do órgão. A falta de estudos também compromete a liberação dos cigarros aquecidos, categoria que inclui o IQOS.

Em julho do ano passado, a AMB (Associação Médica Brasileira) divulgou um documento apoiando a proibição dos cigarros eletrônicos e dos cigarros aquecidos.

“Esses produtos vêm sendo divulgados por seus fabricantes como menos nocivos ao consumidor por não serem comburentes, omitem, no entanto, que o seu consumo torna seus usuários dependentes da nicotina, como qualquer produto derivado do tabaco”, diz a associação. “A indústria do tabaco não tem primado no curso de sua história por veicular informações sobre os conteúdos e danos inerentes ao consumo de seus produtos”, completa o documento.

Na semana passada, a empresa participou de um painel da Anvisa em Brasília para discutir o tema. "O convite e a disposição da Agência em conhecer o nosso ponto de vista foi uma ótima oportunidade para mostrarmos a ciência que existe por trás dos nossos produtos de risco reduzido. O debate foi um marco na discussão e agora é importante que o assunto avance com brevidade e que considere os aspectos técnicos e científicos, e não a ideologia", diz a empresa.

O Brasil é tido como um bom exemplo mundial no combate ao tabagismo e, em 25 anos, viu a porcentagem de fumantes diários despencar de 29% para 12% entre homens e de 19% para 8% entre mulheres - uma taxa de redução bem mais significativa do que o 0,21% ao ano considerado pela Philip Morris.

Alívio psicológico para os funcionários

Para a PMI, a regulamentação é só uma questão de tempo. Segundo a companhia, o IQOS gera 90% menos compostos tóxicos do que o cigarro comum.

O argumento da empresa é de que a população fumante vai continuar a consumir o tabaco de um jeito ou de outro. “Essas pessoas podem continuar a fumar um produto que sabemos que é nocivo e que causa morte, ou têm a possibilidade de ter acesso a um produto menos nocivo que é o que queremos regulamentar”, afirma Coleta.

Além de apelo às autoridades reguladoras, o argumento de que os novos produtos da PMI reduzem os danos causados pelo cigarro também tem sido usado para motivar os funcionários da companhia, que atualmente emprega 80 mil pessoas no mundo todo.

“Vivemos um momento único na empresa em relação aos funcionários. Somos humanos. Trabalhar com um produto que é comprovadamente nocivo tem sempre uma carga psicológica e emocional, mesmo que saibamos que é uma empresa ética, que cumpre regras. Todos nós conhecemos alguém que teve alguma doença relacionada ao tabaco. Então, quando a empresa encontra um produto que dá uma resposta fundamental a essa questão isso é fantástico para os funcionários”, afirma.

Num mundo em que o consumo de cigarros cai consideravelmente, essa pode ser mais que uma guinada de consciência da companhia – pode ser sua chance sobrevivência.

 

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