LI PENGBO, DA BEST EXPRESS: os 1,2 milhão de entregadores chineses recebem cerca de 0,15 dólar por pacote / Gilles Sabrie/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 16 de fevereiro de 2017 às 12h07.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.
Ryan McMorrow
© 2017 New York Times News Service
Pequim – Zhang Heng entrou repentinamente pela porta do consultório, surpreendendo o médico e o paciente que estavam lá dentro. Ele não teve tempo para bater. Para Zhang, cada segundo conta.
“Precisamos fazer a entrega em mãos para a pessoa”, afirmou Zhang, um dos incontáveis entregadores de correspondência de Pequim, que ajudam a movimentar o boom do comércio virtual na China. Ele falou enquanto corria por uma ala cirúrgica, um armazém médico e uma ala de pacientes, entregando encomendas pequenas e grandes, macias e quadradas, para médicos e enfermeiras, em mãos para garantir que cada um recebesse o pacote certo. “Do contrário, a gente pode levar uma multa”, afirmou Zhang.
A indústria chinesa do comércio virtual foi construída nas costas de entregadores – conhecidos em chinês como kuaidi, ou entregadores rápidos – como Zhang. O total de trabalhadores do setor chega a 1,2 milhão de pessoas, de acordo com uma pesquisa, e empresas on-line como o Alibaba os usam para enviar pacotes para clientes de moto ou carros elétricos de três rodas. Em toda China, o maior mercado para o envio de correspondências do mundo, um entregador entra gritando “kuaidi!”, ou envia uma mensagem de celular para avisar que o pacote chegou.
Mas para os entregadores – que são em sua maioria trabalhadores pouco qualificados vindos do interior da China – o trabalho é mal pago e difícil. Essa situação levou um número cada vez maior de ativistas e especialistas em direito do trabalho a afirmar que os entregadores estão expostos a uma rotina extenuante e a condições de trabalho brutais.
Quase um quarto dos entregadores trabalha mais de 12 horas por dia, sete dias por semana, de acordo com a pesquisa, que contou com 40.000 entregadores e foi realizada pela Universidade Beijing Jiaotong e pela divisão de pesquisa e logística do Alibaba. A maioria trabalha mais de oito horas por dia, todos os dias da semana.
Os padrões de trabalho do setor variam enormemente, mas muitos entregadores trabalham sob contratos que não oferecem hora extra, nem contribuição para a aposentadoria e o sistema público de saúde. Assim como nos Estados Unidos, onde os motoristas do Uber e de muitas outras empresas trabalham como prestadores de serviço, esses contratos geram questões sobre como definir o trabalho e as relações trabalhistas.
Os entregadores, por sua vez, se queixam das multas. Algumas empresas os penalizam quando não fazem todas as entregas da manhã até as duas da tarde. Caligrafia ruim, caixas danificadas e reclamações também podem gerar multas, que em muitos casos chegam a custar uma semana inteira de trabalho.
“Estou aqui para ganhar dinheiro”, afirmou Zhang, ex-minerador de carvão de 28 anos vindo da província de Shanxi e que está economizando para construir uma casa, algo fundamental para quem quer se casar no interior do país. “Se não for diligente agora, sei que vou me arrepender. Já tenho quase 30 anos e ainda sou solteiro”.
A China não quer mais depender da indústria manufatureira e espera construir uma economia voltada para o terceiro setor, repleta de contadores, advogados e outros profissionais liberais. Ainda assim, para os trabalhadores migrantes da base, o trabalho no setor de serviços não oferece condições melhores que as fábricas, onde a falta de fiscalização leva a horas extras excessivas e condições pouco seguras.
Alguns entregadores trabalham diretamente para empresas como a e-commerce JD.com ou o serviço de entregas SF Express. Outros prestam serviços para um grupo de empresas que domina o mercado de entrega de encomendas em nome de varejistas on-line como o Alibaba. Uma dessas empresas, a ZTO Express, conseguiu 1,4 bilhão de dólares com a venda de ações na Bolsa de Valores de Nova York.
Essas empresas operam redes de distribuição nacionais, mas contam com os serviços de empresas menores para realizar a entrega ao destinatário final – e é nesse nível que o os relacionamentos trabalhistas ficam mais complicados. As empresas de menor porte, que são franquias de empresas de entrega, contratam os entregadores como funcionários ou prestadores. Alguns entregadores subcontratam o trabalho de outros motoristas.
Isso leva inúmeros entregadores a trabalhar em nome de alguma empresa de grande porte, mas a receber com base em contratos pouco controlados, afirmam especialistas. Por exemplo, muitos motoristas não recebem benefícios trabalhistas, nem seguro contra acidentes, afirmou Jin Yingjie, professora especializada em Direito do Trabalho na Universidade de Ciências Políticas e Direito da China.
As empresas de entregas “deveriam se esforçar para que o setor funcione dentro dos limites do direito do trabalhador”, afirmou.
Enquanto isso, as más condições de trabalho levaram a protestos por parte dos entregadores, afirmou Keegan Elmer, pesquisador do China Labor Bulletin, um grupo de defesa dos direitos do trabalhador com sede em Hong Kong. Segundo ele, o grupo registrou conflitos em dezenas de cidades chinesas, incluindo um aumento no número de greves à medida que o crescimento econômico perde força.
“As empresas de entregas estão pressionando os entregadores ao ponto da tomada de ações coletivas”, afirmou Elmer.
Boa parte dos entregadores ganha de 300 a 600 dólares ao mês, de acordo com o estudo da Jiaotong – um salário similar ao dos trabalhadores migrantes nas fábricas chinesas. Eles chegam a entregar 150 encomendas por dia de trabalho, afirmam os motoristas, muitas vezes realizando múltiplas entregas nos mesmos prédios de escritório.
Os entregadores geralmente ganham 0,15 dólar por pacote entregue, de acordo com os motoristas e relatos da imprensa estatal, embora possam ganhar mais com a coleta de pacotes na casa dos clientes e por meio de outras tarefas.
O trabalho atraiu muitos trabalhadores quando o volume de pacotes começou a aumentar. Contudo, o valor pago se manteve estável ao longo dos anos e a concorrência aumentou à medida que mais motoristas entraram no mercado. Cerca de 40 por cento dos entregadores deixam o serviço em menos de um ano, de acordo com o estudo da Jiaotong.
“A maioria dos entregadores faz como eu. Eles trabalham por três meses e percebem que não vale a pena”, afirmou Lu Yong, que deixou o trabalho em dezembro.
Lu, de 29 anos, veio da província de Henan e passou anos na linha de montagem de produtos eletrônicos na província de Guangdong, antes de vir trabalhar em uma franqueada da ZTO Express em Pequim. “As fábricas não oferecem a mesma liberdade do trabalho com entregas, mas não é frio como aqui. Além disso, na fábrica temos quatro dias de descanso por mês.”
O holerite de novembro mostra que Lu recebeu 382 dólares por 4.291 pacotes entregues, após multa e outros gastos, incluindo o uniforme. Ele afirma que paga pela manutenção do carro, que anda com o logo da ZTO, incluindo pneus novos, baterias e freios. Além disso, não possui contrato.
James Guo, CFO da ZTO Express, afirmou que todas as franqueadas são obrigadas a cumprir as leis locais, mas que não é responsabilidade da empresa gerenciar ou controlar o salário dos entregadores.
Alguns se dão bem. Li Pengbo, de 21 anos, vindo da província de Henan, trabalha para a Best Express, outra empresa de transporte de grande porte que tem o Alibaba entre seus acionistas. Ele controla a área subcontratada de uma franqueada da Best Express, afirmou, e ganha cerca de 2.000 dólares por mês.
“Desde o sexto dia do último Ano Novo Chinês, não parei nem um dia para descansar”, afirmou Li, descrevendo um período de 11 meses. “Trabalho das 6h30 da manhã até quase a meia-noite todos os dias”. “Minha família é pobre. Isso que faço não é nada perto daquilo que eles passaram”, afirmou.
Um porta-voz da Best Express afirmou que a empresa exige que as franqueadas cumpram as leis trabalhistas. Os franqueados afirmam que absorveram a maior parte da queda nos rendimentos. “Se conseguirmos lucrar oito meses por ano, não está mal”, afirmou Wang Lin, franqueado da STO Express em Pequim.
Wang afirma que a empresa não paga benefícios aos motoristas, porque eles são prestadores de serviço, não funcionários. “Francamente, esse não é um trabalho muito bom. É muito cansativo, o salário é baixo e a responsabilidade e os riscos são altos. Não temos uma equipe estável aqui.”