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5 anos de pandemia: as histórias de quem deixou o emprego na crise e agora é dono do próprio negócio

A pandemia de covid-19 causou estragos em várias searas, da educação à economia. No ápice da crise, a taxa de desemprego no país atingiu a máxima histórica. Conheça seis empreendedores que encontraram novos caminhos profissionais durante a crise sanitária

Mariana Mello, Caio Alves Paulino e Robson Silva: empreendedores começaram a empreender na pandemia (Divulgação e Leandro Fonseca / EXAME)

Mariana Mello, Caio Alves Paulino e Robson Silva: empreendedores começaram a empreender na pandemia (Divulgação e Leandro Fonseca / EXAME)

Publicado em 11 de março de 2025 às 07h22.

Segure-se na cadeira, caro leitor, a informação a seguir é um tanto quanto chocante: a crise sanitária de coronavírus completa meia década nesta terça-feira, 11. Pode até parecer ontem, mas já se passaram cinco marços desde que a Organização Mundial da Saúde caracterizou o surto de covid-19 como pandemia.

Só no Brasil, foram 700.000 mortes e estragos em várias searas, da educação à economia. Em 2021, no ápice da crise, a taxa de desemprego no país atingiu a máxima histórica de 14,7% da população.

Para quem perdeu o emprego ou resolveu dar um chacoalhão profissional durante a crise sanitária, uma saída foi empreender. Veja o caso dos gaúchos Júlio Balbinot, Jocelei André Salvador e Marcelo Simon. Os três saíram, por diferentes motivos, do gigante de ônibus Marcopolo em 2020. A opção encontrada foi juntar os conhecimentos de cada um e se aventurar no mundo do empreendedorismo. A primeira empreitada foi uma consultoria de engenharia de ônibus para empresas internacionais. A segunda — e atual — foi produzir vans elétricas ali mesmo onde moravam, no interior do Rio Grande do Sul. O e-commerce estava bombando e os três pensaram em lançar um novo veículo mais espaçoso e sustentável para realizar as entregas.

Nascia assim a Arrow, uma empresa que, desde 2022, fabrica seus próprios veículos elétricos numa fábrica em Caxias do Sul, na serra gaúcha.

Por ali, as vans são montadas numa linha que mistura processos tecnológicos e automatizados com etapas manuais, num quê de artesanal. Cerca de 50 pessoas atuam na fabricação dos veículos, quase todos vendidos para empresas como Mercado Livre e parceiros logísticos da Amazon. No ano passado, 50 vans foram comercializadas, cada uma por 750.000 reais. Para 2025, a meta é dobrar a produção, mas mantendo as características locais. Tirando o motor e a bateria, praticamente tudo no veículo é nacional — e de Caxias do Sul.

Nem tudo foram flores, porém, na história da Arrow. Para tirar a primeira van do papel, os três sócios precisavam de uma grana que não tinham. E estava difícil conseguir dinheiro na pandemia. A estratégia foi montar uma apresentação e bater na porta das grandes empresas de varejo e de logística, em busca de alguém confiante no projeto a ponto de comprar as vans antes de elas ficarem prontas. Encontraram-se com um diretor da locadora Unidas, depois comprada pela Localiza. “Ele visualizou uma demanda e decidiu comprar 100 unidades num prazo de 12 meses. Aceitamos o desafio.”

Jocelei Salvador, Marcelo Simon e Julio Balbinot, da Arrow: tirando o motor e a bateria, praticamente tudo no veículo é nacional (Arrow/Divulgação)

A Arrow passou a ter 12 meses para tirar do papel uma van existente, até então, nos cálculos dos engenheiros e no -PowerPoint dos vendedores. Missão dada, missão cumprida. A empresa utilizou o aprendizado na Marcopolo, encontrou fornecedores e mobilizou um time de engenharia enxuto, mas eficiente para o projeto. “Conseguimos lançar o Arrow One em 12 meses. Finalizamos ele em setembro de 2022 e o lançamos em novembro”, afirma Júlio. “Hoje, dois anos depois, somos uma empresa com investidores, conselho de administração e estruturada para crescer.” 

Moda que identifica

Robson Silva, fundador e CEO da Bananeira da Silva: ”Já vi pessoas chorar ao vestir algo que realmente as representa” (Leandro Fonseca/Exame)

Filho de uma manicure e de um autônomo, Robson Silva cresceu na zona norte de São Paulo em uma família de cinco irmãos — mas ele era diferente. Enquanto os irmãos tinham hobbies tradicionais, como pipa e futebol, ele passava o tempo criando fantasias de Carnaval em cima de um caixote. Aos 15 anos, visitou o desfile da São Paulo Fashion Week, onde descobriu sua paixão pela moda. Sem condições de pagar uma faculdade, buscou cursos livres e só aos 30 conseguiu se formar.

Silva foi ganhando notoriedade na área, passando por diversas posições, desde estilista de sapatos até diretor criativo da marca de roupas Handbook, mas, após 21 anos no mercado, foi demitido no final de 2019 e enfrentou dificuldades para se recolocar. Em 2020, a pandemia só agravou a situação. “O mercado não conseguia me absorver e, com o dinheiro da rescisão, comecei a pensar em como transformar minha paixão pela moda em um negócio próprio”, diz. A ideia de criar uma marca de roupa surgiu durante uma viagem à Bahia. “Foi lá que tive a ideia de fazer uma marca sem gênero, inclusiva e acessível”, afirma.

Desde o início, a marca foi desenhada para diferentes biotipos e não cobra por ajustes nas peças. “Nosso lema é vestir bem sem olhar a quem”, diz Silva. “Escolhi o nome ‘bananeira’, que me remete força e resiliência. Sempre gostei desse nome e foi ideal na época do lockdown”, diz. Foi com esse espírito que Silva criou a “Bananeira da Silva”, em abril de 2020, em plena pandemia e no formato de e-commerce. “Cada venda era motivo de comemoração,” afirma.

Hoje, a marca tem pontos de venda em São Paulo, na Bahia e no Rio de Janeiro, além de uma loja física em Pinheiros e outra planejada para o Beco do -Batman, famoso ponto turístico paulista. Em 2024, a marca faturou 780.000 reais. A meta para 2025 é alcançar o primeiro milhão. “Já vi pessoas chorar ao encontrar algo que as representa. Isso me faz acreditar que estou no caminho certo”, diz Silva. 

O último a ir embora

O paulista Caio Alves Paulino passava mais tempo no aeroporto do que em casa. Designer, ele ganhava a vida decorando shoppings pelo Brasil. Para aguentar a rotina um tanto quanto intensa, chegava a tomar dez energéticos por dia. O corpo não aguentou.

Caio Alves Paulino, da Pimenta e Cravo: “Tive a chance de repensar a vida” (Renato Groovero/Divulgação)

Aos 31 anos, o desgaste culminou num AVC e no diagnóstico precoce de dois cânceres de tireoide em 2019. “Foi uma chance de repensar a vida”, diz. E, então, chegou a pandemia. Curado, passou o primeiro ano em casa, enquanto os eventos e atividades externas eram adiados.

Quando surgiu a chance de retomar o trabalho em shoppings, em 2021, Paulino percebeu que não conseguiria voltar ao ritmo antigo. A opção foi deixar de ser funcionário para tocar o próprio negócio. Decidido, comprou móveis de uma empresa de decoração falida e fundou a Pimenta e Cravo ao lado de seu melhor amigo da época do Exército.

O negócio começou focado na locação de móveis para festas e casamentos, mas a paixão de Paulino por design o levou a oferecer serviços de decoração. A primeira festa foi vendida por 1.200 reais, e uma publicação da decoração no Instagram trouxe os próximos clientes. “Do mesmo jeito que a Apple não vende iPhone, nós não vendemos festas, e sim fotos e memórias”, diz.

Com dedicação incansável — ele atende noivas até em feriados —, o designer viu o negócio crescer rapidamente, praticamente dobrando de tamanho ano após ano. Já foram 140 eventos realizados, num faturamento de 1,8 milhão de reais.

Apesar de ainda se considerar um workaholic, Paulino admite que hoje consegue equilibrar melhor a rotina. Agora viaja bem menos, tem dias livres durante a semana e, veja só, bebe apenas um energético por dia.

De olho na primeira infância

Marcella Cohen enfrentou o dilema de muitas mulheres durante a pandemia: conciliar o trabalho com a vida pessoal e a maternidade, tudo isso sem sair de casa. Na época, como gerente de marketing da Unilever, ela se preocupava principalmente com a educação da filha de 4 anos. “Eu precisava encontrar uma solução dentro de casa para ajudar no desenvolvimento dela”, diz. Foi dessa busca que nasceu a Poppins, uma startup que conecta famílias a educadoras infantis, oferecendo atendimento domiciliar adaptado às necessidades das crianças.

A ideia ganhou forma em maio de 2021. Na cara e na coragem, Marcella deixou o mundo corporativo em plena pandemia e uniu forças com Yolanda Basílio, psicóloga especializada em desenvolvimento infantil, para tocar o negócio. “Foi preciso muito planejamento e maturidade para mudar de rumo”, diz. No modelo inicial, era possível contratar, por uma plataforma, educadoras que fossem até a casa das famílias para ajudar na formação da criançada.

Marcella Cohen e Yolanda Basílio: a Poppins atende mais de 1.200 famílias e conta com 3.000 profissionais cadastrados (Tomás Vélez/Divulgação)

Desde o ano passado, a Poppins ampliou sua atuação para crianças atípicas — um segmento em alta com mais diagnósticos de TEA, TDAH e TOD. Agora, conecta famílias a acompanhantes terapêuticos, capacitados para trabalhar no ambiente domiciliar. Há também um programa de capacitação para babás, oficinas, colônias de férias semanais e uma nova plataforma de cursos para educadores.

Hoje, a startup atende mais de 1.200 famílias e conta com uma base de 3.000 profissionais cadastrados. Seu modelo de assinatura oferece mensalidades a partir de 1.644 reais. 

Com crescimento sustentável, a Poppins manteve um faturamento de 1 milhão de reais nos últimos três anos e, em 2024, elevou seu Ebitda em 10%, para 24,7% da receita. “Queremos crescer longe, não rápido. Nosso foco é transformar vidas com serviços consistentes e de qualidade”, diz Marcella.

A união faz a força

João Pedro Palhares e Fabrícia Silva: casal vende 11.000 hambúrgueres por mês (Arquivo Pessoal/Divulgação)

A empresa de venda de cosméticos em que o paulista João Pedro Faria Palhares trabalhava quebrou na pandemia. As obras em que sua mulher, a engenheira civil Fabrícia Nascimento Silva, trabalhava também foram paralisadas na mesma época.

De uma semana para a outra, sobrou tempo e faltou dinheiro para o casal. “Como sempre gostamos de comida, começamos a promover pequenos encontros com amigos dentro de casa, fazendo hambúrgueres para eles”, diz João Pedro. “Dali surgiu a ideia de tirarmos alguma renda com isso.”

A primeira empreitada foi instalar uma churrasqueira na garagem da mãe de Fabrícia, em Ibirá, no interior de São Paulo, e vender hambúrgueres por ali mesmo. Nascia ali o BB Onça. Quando o negócio pegou no tranco, o casal decidiu se mudar para São José do Rio Preto, o maior município da região, e profissionalizar a operação, fazendo cardápios e espaços temáticos de selva na loja. Deu certo, e a dupla faturou 7 milhões de reais em 2024. O plano agora é expandir. Nos próximos anos, querem abrir dez lojas, todas por ali, em cidades próximas à sede. O investimento será na casa dos 50 milhões de reais.

Depoimento: sem medidas para empreender

Mariana Mello, fundadora da Ginga.Store: “Encontrei no empreendedorismo um novo sentido profissional” (Ginga.Store/Divulgação)

Esse foi um dos questionamentos da paulista Mariana Mello ao receber o temido “você está despedida” durante a pandemia. Depois de 20 anos trabalhando com turismo, um dos mercados mais impactados pela covid-19, Mariana precisou mudar a rota. Passou por cinco startups, mas não se sentia realizada. A solução foi se reinventar para se encontrar. Veja o que diz a empreendedora:

Venho de uma família de imigrantes portugueses que se sustentaram pelo empreendedorismo. Foi assim com os meus avós, mas não com os meus pais. Minha mãe, psicóloga, e meu pai, engenheiro, valorizavam a educação e sempre foram funcionários. Pensei que esse seria o meu destino também, mas tudo mudou em 2020. Após 20 anos no setor de turismo, fui demitida durante o maior corte da área por causa da pandemia e, no caos do desemprego, encontrei um novo sentido profissional: o empreendedorismo.

A ideia do negócio surgiu de forma inesperada. Uma mudança na vida da minha irmã Carolina foi uma luz para o meu negócio. Minha irmã tentou de tudo para perder peso, mas só ganhou a luta contra a balança com uma cirurgia bariátrica. Vi Carolina perder peças de roupa muito rápido, sem ter ideia de qual peso teria no final do ano, e isso me inspirou a criar uma solução para um problema que muitas mulheres enfrentam — a falta de roupas que acompanhem as transformações do corpo.

Foi assim que criei, em 2023, aos 39 anos, a Ginga.Store, uma marca de roupas ajustáveis feitas com tecidos recicláveis, como garrafas PET. Mesmo sem conhecimento no setor, investi no negócio com a ajuda de uma consultora de moda que paguei com o bônus salarial do meu marido. Hoje, a Ginga.Store reflete um propósito: criar roupas que respeitem as curvas do corpo brasileiro e o meio ambiente.

O faturamento está em torno de 40.000 reais por mês, mas continua crescendo, e já vejo as peças chegando a novos perfis de clientes, como mulheres em fase de gestação e menopausa. A expectativa para este ano é dobrar o faturamento e chegar a novos mercados, como brechós e moda infantil. No final de tudo isso, levo comigo uma grande lição: mesmo diante de desafios, é sempre possível se reinventar.

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