SALA DE AULA DA KROTON: companhia disparou na bolsa após anúncio de aquisições e com notícias sobre a reforma do programa de financimento estudantil Fies / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)
Karin Salomão
Publicado em 16 de maio de 2019 às 06h00.
Última atualização em 16 de maio de 2019 às 08h51.
Os tempos de vacas gordas ficaram para trás na Kroton, o maior grupo de educação privada do mundo. A companhia anunciou nesta quarta-feira queda de 4,3% na receita líquida e de 34,2% no lucro líquido ajustado no primeiro trimestre. É a concretização de um momento difícil que vem da combinação de crise econômica com cortes sucessivos no Fies, o programa de financiamento estudantil do governo federal.
A tendência é de novas baixas. O grupo espera que sua receita líquida caia 0,9% no ano, apesar da alta esperada de 14% no lucro líquido ajustado. As receitas ainda devem ser afetadas pela queda no número de alunos principalmente no enino presencial, que tem mensalidades maiores por conta do Fies. A empresa ainda deve ser impactada pelo balanço da Somos. Como a companhia foi adquirida em outubro do ano passado, sua previsão de receitas para 2019 já estava definida.
Como consequência pelos números negativos, as ações da Kroton caíram 5,22% no dia, liderando as quedas na bolsa. Com o resultado ruim da Kroton, até as concorrentes caíram na bolsa, seguindo a líder do setor. A Ser despencou 11,50%, enquanto a Estácio fechou o dia com queda de 2,74%. As ações da Kroton, que chegaram ao pico em outubro de 2017, caíram quase 50% desde então.
Além da Kroton, o setor de ensino superior está agitado, desde que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, realizou cortes orçamentários na área, principalmente nas universidades federais. Hoje 75% das universidades e institutos federais paralisaram as atividades em manifestação contrária aos cortes. Com o encolhimento das universidades públicas, as privadas tendem a ganhar espaço, o que pode impulsionar a companhia no futuro.
Abaixo, estão os principais desafios da companhia de educação e como a empresa espera combatê-los.
No ensino superior, principal negócio da companhia, a base de alunos encolheu 4,4%, o que levou a receita líquida do segmento a cair 1,8%. O principal impacto vem da crise do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Na medida em que os alunos Fies se formam, e sem a entrada de novos contratos, o número de alunos do ensino superior cai.
Os alunos Fies caíram de 259 mil em 2014 para 91 mil em 2018. Em 2019, a estimativa é que eles representem apenas 14% da base total de alunos e, até 2022, apenas 1%.
O desafio já era esperado por analistas. "Desde 2014, quando o governo mudou as regras do Fies, sabíamos que 2018 e 2019 seriam anos desafiadores. E esse certamente é o caso", afirmou o BTG Pactual em relatório.
Para os trimestres seguintes, a empresa espera uma pressão menor do Fies, já que último o grande volume de matrículas foi em 2014 e a maior parte desses alunos já estão formados.
A queda do número de alunos do Fies teve outra consequência para a Kroton. O perfil de alunos e, consequentemente, de pagamentos, mudou, já que o financiamento das mensalidades dos alunos Fies é pago pelo governo. Com aumento do número de alunos pagantes, a empresa precisou aumentar sua provisão para créditos de liquidação duvidosa, ou PCLD. O valor subiu para 207 milhões de reais, ou 15,9% da receita líquida do ensino superior, aumento de 3,8 pontos percentuais.
Já na educação básica, o cenário é o inverso. A Somos é uma empresa focada em educação básica, com escolas próprias, materiais didáticos e sistemas educacionais. Com a aquisição, a empresa passa a ter mais contratos com empresas, diminuindo a necessidade de provisões para perdas por inadimplência.
Ainda que o cenário econômico continue difícil para todos os competidores, algumas empresas, como a Estácio e Ser, estão conseguindo compensar a fraqueza do segmento presencial com aumento no ensino à distância, afirma o banco Bradesco.
"A Kroton está tendo dificuldades, por ser de longe a maior empresa no segmento, e permissões para competidores abrirem novos polos de ensino à distância têm aumentado fortemente desde 2015", escreveu o banco em relatório.
Enquanto a Kroton chegou ao seu tamanho limite no ensino superior - o Cade barrou a aquisição da Estácio, em junho de 2017 - as concorrentes vão ao mercado. A Ser anunciou há um mês a compra da amazonense UniNorte. Enquanto, neste começo de ano, as matrículas no ensino presencial da Ser cresceram a um ritmo de 6%, no EAD, quem tem mensalidades mais baratas, avançaram 65%.
A compra da Somos pode compensar a queda nas receitas da Kroton. No resultado pró-forma, já considerando os números da Somos, a receita teve queda de 4,3%. A previsão para o ano de 2019, excluindo a compra, é de que as receitas da Kroton teriam queda de 2,4%, segundo guidance divulgado pela empresa.
No entanto, a compra também teve impacto negativo no balanço da companhia, tanto por aumentar custos quanto por conta das despesas financeiras. A margem Ebitda caiu 2,7 pontos, para 40,9%. "O crescimento no Ebitda refletiu a incorporação da Somos no resultado, mas isso também acabou pressionou negativamente a rentabilidade geral da companhia, uma vez que possui uma estrutura de custo maior", escreveu a corretora Coin em relatório.
Além disso, o endividamento da companhia aumentou após a aquisição. Os juros da dívida foram de 267,4 milhões de reais no ano.
Apesar dos desafios, há uma oportunidade pela frente. A Kroton já era a líder incontestável de mercado no ensino superior, o que limita seu crescimento. Com a aquisição da Somos, a empresa tem a chance de aumentar sua presença em outro mercado, bem mais pulverizado: a educação básica.
Além de escolas próprias, a Somos também atua com unidades parceiras, material didático, plataformas tecnológicas de ensino e soluções contra turno, como tarefas para o aluno fora da sala de aula.
A empresa divulgou aumento de 11% na quantidade de escolas que usam seus sistemas de ensino e espera aumentar sua participação ainda mais. Ao oferecer tanto sistemas digitais de ensino quanto livros didáticos, a companhia acredita que pode oferecer mais valor aos clientes.
A equipe de vendas voltada a esse segmento cresceu quase 25%."Temos um potencial gigantesco para aumentar nossa presença em escolas com as quais já nos relacionamos”, afirmou o presidente da empresa, Rodrigo Galindo.
Para o ensino superior, o cenário deve continuar desafiador sem o Fies. As grandes redes de ensino do país vivem um dilema sem solução à vista: ou mantêm uma agressiva estratégia de captação de alunos, colocando em risco suas margens, ou priorizam os resultados, e abrem mão de crescimento. O futuro será de margens menores, e maior competição pelas matrículas.