JBS: Em um dia, a empresa perdeu 2,5 bilhões de reais em valor de mercado – e derrubou a bolsa (Ueslei Marcelino/Reuters)
Karin Salomão
Publicado em 28 de dezembro de 2017 às 08h00.
Última atualização em 28 de dezembro de 2017 às 17h36.
São Paulo - O dia 17 de maio foi um dos mais marcantes para o ano, pelas suas consequências para a política e a economia. As reviravoltas se estendem até hoje, por conta de uma gravação feita por um dos maiores empresários do país até então.
Joesley Batista, que na época era o presidente da J&F, holding controladora da JBS, teria gravado o presidente Michel Temer (PMDB) dizendo a ele “tem que manter isso, viu?”, aparentemente sobre uma mesada milionária paga ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), preso.
A gravação, que vazou na noite de 17 de maio, fazia parte de documentos entregues à Procuradoria Geral da República, em delação premiada no âmbito da Lava Jato. Na ocasião, Temer negou que tenha pedido ou autorizado pagamentos para conseguir o silêncio de Cunha.
Ele não foi o único envolvido na delação de Joesley. O delator disse que seu grupo empresarial pagou, “nos últimos anos”, 400 milhões de reais em propina a mais de 1.800 políticos e servidores públicos. A lista, segundo ele, inclui senadores, deputados e presidentes da República.
Depois que a notícia foi publicada, uma avalanche atingiu a empresa, o mercado e a política.
Nos meses que se seguiram, Temer foi denunciado por corrupção passiva pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, os irmãos Batista foram presos, as empresas do grupo J&F perderam valor, receberam multas bilionárias, venderam ativos e renegociaram dívidas.
Para entender as consequências desse episódio para a JBS e sua holding, a J&F, o site EXAME fez um breve resumo. Confira abaixo.
As consequências da delação foram imediatas. Em um só dia, depois do vazamento da gravação, a JBS perdeu 2,5 bilhões de reais em valor de mercado. A bolsa abriu em queda de mais de 10% e as negociações chegaram a ser paralisadas.
Na época, surgiram denúncias de que a JBS teria comprado dólares em grandes quantidades antes do fechamento do mercado e ganhado com a súbita desvalorização do real. Essas supostas operações irregulares, feitas com uso de informação privilegiada, são alvo de diversos processos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A JBS desmente a manipulação do mercado. Em resposta enviada a EXAME, a empresa diz que "laudos da Fipecafi (FEA-USP) divulgados em outubro atestam que não foram encontradas evidências de que as operações com derivativos cambiais realizadas pela empresa tivessem irregularidades".
Poucos dias após a delação, os irmãos Wesley e Joesley Batista deixaram diversos cargos nas empresas do grupo. Outros executivos e membros dos conselhos também saíram das companhias.
O chairman Vincent Trius e Joesley renunciaram como membros do conselho de administração da Alpargatas. Wesley deixou a presidência do conselho de administração da Pilgrim’s Pride. Joesley também renunciou à presidência do conselho de administração da Vigor (onde foi substituído por Gilberto Xandó). Mais tarde, a presidência da JBS também mudou de comando.
Ainda que a delação premiada que abalou o país tenha sido feita no âmbito da Operação Lava Jato, ela não é a única investigação na qual a JBS e sua controladora, J&F, foram envolvidas.
A Carne Fraca, deflagrada em abril deste ano, investigou denúncias de que fiscais teriam recebido propina de 63 empresas do setor de carnes para permitir que essas companhias sonegassem impostos e burlassem normas sanitárias. No âmbito dessa operação, a JBS confirmou que houve investigação em três unidades produtivas suas. Mas disse que “no despacho da Justiça, não há menção a irregularidades sanitárias da JBS”.
O frigorífico é o principal investigado da Operação Bullish, que apura fraudes e irregularidades na liberação de apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à JBS, de mais de 8 bilhões de reais entre 2007 e 2011.
A Operação Greenfield investiga subornos e transações fraudulentas envolvendo fundos de pensão de estatais. A Sépsis apura sobre pagamentos de propinas para liberação do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS), mantido com recursos do trabalhador e gerido pela Caixa.
A Cui Bono, verifica a cobrança de propina na própria Caixa. A Polícia Federal também deu início à Operação Tendão de Aquiles, que investiga uso de informação privilegiada para lucrar indevidamente no mercado de ações e de câmbio, e que foi finalizada em outubro.
A JBS e sua holding, J&F, negam qualquer irregularidade investigada nessas operações.
Por conta dessas investigações e delações de corrupção, a J&F firmou um acordo de leniência com o Ministério Público Federal no Brasil, com multa de 10,3 bilhões de reais.
A multa é a maior já fixada para um acordo desse tipo no país e no mundo e inclui fatos que são investigados por procuradores da República em cinco operações: Greenfield, Sépsis, Cui Bono, Bullish e Carne Fraca.
Uma ação coletiva foi aberta contra a JBS nos Estados Unidos por investidores que compraram ações da empresa entre 2 de junho de 2015 e 19 de maio de 2017, informou nesta sexta-feira o escritório de advogacia Vincent Wong.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também responsabilizou Joesley, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho por um prejuízo de 126 milhões de reais causado ao banco público em operação para a compra do frigorífico americano Swift, em 2007.
O grupo é conhecido por ter crescido por meio de aquisições. Em uma década, as compras somaram 20 bilhões de dólares e transformaram seu matadouro familiar na maior produtora mundial de carnes.
No entanto, para conseguir pagar uma multa bilionária recorde e arcar com as consequências das investigações da CVM, a holding J&F adotou rapidamente a estratégia de vender ativos. O plano era levantar mais de 7 bilhões de reais em desinvestimentos.
O primeiro passo dessa estratégia foi dado no dia 6 de junho, quando a JBS vendeu, por 300 milhões de dólares, a totalidade das ações de suas subsidiárias detentoras das operações de carne bovina na Argentina, no Paraguai e no Uruguai para subsidiárias da Minerva (mas a empresa nega que a venda tenha relação com a multa).
A Alpargatas mudou de mãos logo depois. A fabricante de calçados foi vendida pela J&F em 12 de julho para a Itaúsa (holding de investimentos do Itaú), Cambuhy Investimentos (fundo da família Moreira Salles) e Warrant Administração de Bens e Empresas, por 3,5 bilhões de reais. A mexicana Lala abocanhou a participação da J&F e da JBS na Vigor por cerca de 5,7 bilhões de reais.
A processadora de carne de frango norte-americana Pilgrim’s Pride comprou a Moy Park da brasileira JBS, em um negócio avaliado em cerca de 1 bilhão de dólares. No entanto, a empresa compradora é, na verdade, uma subsidiária da própria JBS, com cerca de 78% de participação na americana.
A Eldorado, empresa de celulose, atingiu o maior valor de venda: 15 bilhões de reais. O comprador foi o grupo holandês Paper Excellence, que assinou a compra em setembro.
Além das vendas de ativos, a JBS também negociou suas dívidas com bancos. Cerca de 17 bilhões de reais foram renegociados com credores como o Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Santander, HSBC e Citi.
Em julho, ela também firmou um acordo para preservar suas linhas de crédito com os bancos e, assim, assegurar a continuidade de suas operações. Por 12 meses, a partir de julho, 20,5 bilhões das dívidas das empresas foram estabilizadas.
Depois de terem firmado acordos de delação premiada, os irmãos Batista tiveram prisões preventivas decretadas por violação do mesmo acordo. Joesley Batista e Ricardo Saud, do grupo J&F, entregaram-se na sede da Superintendência Regional da Polícia Federal, em São Paulo, em 13 de setembro, por ocultar informações dos promotores.
Wesley foi preso logo depois, como parte de um inquérito sobre uso de informação privilegiada — ou seja, da própria delação premiada — para ganhar dinheiro no mercado financeiro. Ambos negaram diversas vezes terem cometido qualquer irregularidade.
Com a ausência dos dois executivos, o patriarca José Batista Sobrinho, de 84 anos, substituiu Wesley Batista na presidência da companhia. O anúncio foi feito em setembro e ele irá cumprir o mandato do filho, que vai até 2019.
O pai, conhecido como Zé Mineiro, é fundador do Grupo JBS, que leva suas iniciais, e foi escolhido com o argumento de que dará “estabilidade” à companhia.
Wesley Batista Filho, primogênito de Wesley, também foi catapultado à diretoria da JBS. Com 26 anos, ele assumiu o comando da JBS na América do Sul e tomou assento no conselho de administração da empresa.
Porém, a decisão de manter membros da família no comando não agradou ao BNDES, segundo maior acionista da empresa, com participação de 21%.
Em outubro, os irmãos viraram réus por manipulação de mercado, quando o juiz federal João Batista Leite, da 6.ª Vara Federal em São Paulo, aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra os empresários. Já em novembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou pedidos de liminar em habeas corpus impetrados em favor deles.
Ao fim de um ano bastante turbulento, as incertezas sobre a companhia ainda não acabaram. No mercado, questiona-se se a JBS conseguirá honrar suas dívidas. A empresa nega que haja risco de isso não acontecer.
"No terceiro trimestre, a JBS registrou a melhor alavancagem do setor, atingindo um índice de 3,42x na relação Dívida x Ebitda. Houve uma redução de R$4,8 bilhões na dívida líquida no período", afirma a empresa num comunicado enviado a EXAME.
Além disso, desde agosto o BNDES, segundo maior acionista da JBS, compra briga com a família Batista para afastá-la do comando, em um processo de arbitragem. Para a JBS, não há dúvida sobre o comando da empresa: "A nomeação do CEO aconteceu em reunião do Conselho de Administração, seguindo as regras do mercado e o estatuto da companhia, assim como as indicações dos executivos para os cargos de alta liderança", afirma.
Outra questão é a continuidade das empresas que sobraram na holding, depois das vendas de ativos. Uma delas é o banco Original, que tem uma proposta de ser totalmente digital, sem agências físicas. Lançado em 2016, o banco perdeu o rumo e a credibilidade por conta da turbulência, além de acumular prejuízos. É uma turbulência que ainda pode impactar 2018.
Atualização (26/dez – 15:20) — Corrigimos o cargo de Joesley Batista, que estava errado na versão inicial desta reportagem. Também corrigimos algumas imprecisões no texto e acrescentamos trechos da resposta enviada pela JBS a EXAME nesta tarde.