Criança e mulheres comemoram a posse do novo presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, dia 24/11/2017 (Siphiwe Sibeko/Reuters)
Da Redação
Publicado em 25 de novembro de 2017 às 07h37.
Última atualização em 25 de novembro de 2017 às 16h07.
Joanesburgo – Danai cruzou a fronteira entre o Zimbábue e a província de Limpopo, na África do Sul, em julho passado para fugir da pobreza extrema em que se viu em seu país de origem. Seu marido morrera vítima de tuberculose em maio de 2016 e, grávida e sem meios de garantir os custos para o parto, ela pagou um contrabandista para levá-la ao país vizinho.
Assim como essa empregada doméstica de 25 anos, milhares de pessoas deixaram o Zimbábue nas últimas décadas em busca de uma vida melhor. Somente nos últimos 15 anos, a África do Sul recebeu sozinha mais de 325.000 zimbabuanos, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
“A África do Sul sempre atraiu mão de obra de países vizinhos, mas o êxodo após os anos 2000 é um fenômeno diferente”, afirma a EXAME James Hamill, professor de política do sul da África na Universidade de Leicester, na Inglaterra. “Esse é um êxodo de pessoas fugindo de perseguição política e de uma economia em colapso.”
Desde 1975, um total de 1,2 milhão de zimbabuanos deixaram o país na condição de refugiado ou de requerente de asilo, de acordo com a ACNUR. Nações vizinhas, como Moçambique, Zâmbia e Botswana, foram as que mais absorveram os zimbabuanos fugindo de um país onde 80% vivem abaixo da linha da pobreza. Ao considerar pessoas que simplesmente migraram de maneira ilegal, o número é muito maior. Somente na África do sul, estima-se que pelo menos 1 milhão de zimbabuanos vivam no país, afirma Hamill.
“Eu vim porque estava desesperada, por causa da pobreza, da falta de comida e de remédios”, relembra Danai, que em julho de 2016 cruzou o rio Limpopo, que corta a fronteira entre a África do Sul e o Zimbábue. “Eu estava grávida e ouvi que eu poderia dar à luz sem custos aqui, enquanto no Zimbábue o hospital cobrava 100 dólares”, afirma a imigrante, que pediu para ter seu nome completo preservado.
No novo país, Danai encontrou novas dificuldades. Diagnosticada com HIV e sífilis, ela foi negada o acesso a antirretrovirais e começou a tomar doses diárias de aspirina e de antibiótico para conter a febre e a prostração causadas pelo vírus. Mas, após iniciá-los, ela perdeu o bebê.
“Quando cruzei a fronteira eu estava assustada, caminhamos durante a noite e eu tinha medo de ser atacada pelos contrabandistas, mas eu tinha esperança de uma vida melhor na África do Sul. Mas aqui há um crescente ódio pelos imigrantes e eu estou cansada”, ela diz. “Agora que meu filho morreu, eu quero voltar. Não quero morrer aqui.”
O êxodo após o ano 2000 está diretamente ligado à deterioração econômica, efeito da política do ex-presidente Robert Mugabe de, naquele ano, perdendo apoio político, acelerar o confisco das terras de brancos para redistribuí-las entre fazendeiros negros.
A reforma agrária fazia parte do Acordo da Casa de Lancaster, assinado com a Inglaterra pouco antes da independência do Zimbábue, em 1980, em que os dois países concordaram com um gradual reequilíbrio da posse de terra no país – em 1980, brancos representavam 5% da população, mas tinham 80% das terras aráveis do Zimbábue.
Mugabe, ao julgar que o reassentamento vinha a passos lentos, ordenou a expulsão de fazendeiros brancos e a tomada das terras pelo governo, o que gerou uma onda de violência pelo país e deixou a economia em frangalhos.
“Quando houve o confisco, muitos fazendeiros brancos começaram a deixar o país. O problema é que eles empregavam a maioria da população e o PIB [Produto Interno Bruto] estava atrelado à agricultura. Então, aquilo teve um efeito cascata na economia”, afirma o pesquisador Enock Mudzamiri, da Universidade da África do Sul, que estuda a política do país há quase uma década.
“Ao ver o desemprego subir, as companhias passaram a abandonar o país. Claramente, as pessoas tinham que ir embora,” diz Mudzamiri.
Em retaliação, organizações internacionais cortaram apoio financeiro ao Zimbábue. O Fundo Monetário Internacional (FMI) interrompeu remessas de dinheiro em 1999, alegando má condução da economia e corrupção endêmica no governo. O Reino Unido, que no acordo de Lancaster se comprometia a financiar a reforma agrária do Zimbábue, abandonou o pacto a partir do confisco.
Os anos seguintes foram de inflação galopante e falência do estado. De uma taxa de 59% em 2000, o índice saltou para 600% em 2003 e atingiu 1200% em 2006.
No ano seguinte, a taxa subiu para 66.000% e, como resposta, o governo
declarou o índice ilegal. Ao final de 2008, a inflação chegou à marca de 80.000.000.000% (80 bilhões).
“A economia política, se alguém pode se dignar a usar tal descrição, foi ruinosa. Ela incluiu as invasões de terra que levaram ao colapso da agricultura, a 90% de desemprego, a uma moeda sem valor e a uma dívida nacional acima de 200% do PIB. A economia é metade do que ela era em 2000”, aponta Hamill.
Legado de Mugabe está longe do fim
A saída do ex-presidente no último dia 22, após ser destituído da liderança de seu partido, o Zanu-PF, e de ser impedido pelo parlamento do Zimbábue, trouxe esperança de que o país inicie uma transição democrática após 37 anos sob Mugabe.
No entanto, a nomeação para a presidência de Emmerson Mnangagwa, parte do alto escalão do governo, e a participação das Forças Armadas na partida do ex-líder, levantam suspeitas de que o Zanu-PF quer apenas prolongar sua permanência no comando do Zimbábue.
Mnangagwa, de 75 anos, lutou com Mugabe na guerra da independência e era o vice-presidente da república até o início de novembro, mas foi demitido por Mugabe, que queria favorecer as ambições de sua esposa, Grace Mugabe. Grace é considerada a líder de uma facção de lideranças jovens dentro do partido, o G40, que trabalhava para levá-la à presidência. Até o dia 15 de novembro, o paradeiro de diferentes lideranças do G40, inclusive o de Grace, era desconhecido, de acordo com a agência Reuters.
“Nada na biografia dos que orquestraram o golpe aponta para um governo democrático”, diz Hamill, da Universidade de Lancaster. “Eles [Mnangagwa e Constantino Chiwenga, comandante das Forças Armadas] passaram suas carreiras inteiras tentando liquidar a democracia e foram profundamente implicados em violência e fraude, atrocidades e abusos.”
Para Mudzamiri, a própria presença maciça do exército no governo desde o seu nascimento enfraquece os ideais democráticos do país. A participação dos militares no comando do Zimbábue remonta ao movimento de liberação dos anos 1960 e 1970, que culminaram com a independência do país.
“No país, você não pode pode separar o partido do estado ou do governo. E os militares são integrantes do partido”, explica Mudzamiri.
Para o pesquisador, sem reformas políticas profundas, que garantam liberdade de expressão política e permitam que cidadãos participem livremente do processo político, o país não deve mudar do que foi nas últimas quase quatro décadas. “Eleições livres, justas e com credibilidade são a única maneira de garantir uma passagem pacífica do poder e um estado democrático. Para isso, precisamos de um grande número de reformas.”
Há dez anos, Leon James Mithi deixou o Zimbábue para tentar a graduação em medicina na África do Sul. Órfão de mãe e pai, que morreu assim que terminou o ensino médio, recebeu uma oferta de um tio que vivia em Johanesburgo, que se dispôs a pagar seus estudos.
“Tantas coisas haviam acontecido com a minha família”, relembra Mithi. “Quando minha mãe ficou grávida de mim, aos 19 anos, ela comprou um seguro de vida. Mas quando ela morreu, dez anos depois, a passagem de ônibus para ir ao banco retirar o dinheiro era maior do que aquilo que restava do seguro.”
Apesar da oferta do tio, dificuldades econômicas se abateram sobre a família. Sem dinheiro para comprar os livros da graduação, Mithi trocou a faculdade por um trabalho em um shopping da capital e, após levantar fundos suficientes, deu entrada no curso de Direito na Universidade de Witwatersrand, onde irá se graduar no próximo ano.
Mithi acompanha com apreensão os desdobramentos da crise política do seu país natal e olha com ceticismo a ascensão de Mnangagwa à presidência. “Muitas pessoas estão felizes que Mugabe foi deposto, mas muitos estão preocupados que o substituto é Mnangagwa. Ele esteve no comando do Zanu-PF todos esses anos e, toda vez que uma eleição foi manipulada, ele era a pessoa dirigindo isso,” afirma o zimbabuano de 31 anos que viu oito eleições no país, todas favoráveis ao ex-presidente.
De acordo com o calendário eleitoral do Zimbábue, um novo pleito deve ocorrer em junho de 2018, mas a preocupação de muitos zimbabuanos é que o golpe contra Mugabe leve um outro ditador velho a permanecer no poder.
“O Brasil é um caso interessante”, compara Mithi. “Conseguiu impedir um governo. Mas é muito difícil remover um governo africano do poder”.