Uma possível razão para as transferências planejadas seria o temor da Venezuela de se ver obrigada a pagar bilhões de dólares em indenizações para empresas estrangeira (©AFP / Presidencia)
Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2011 às 13h07.
São Paulo - Documentos obtidos pelo Wall Street Journal indicam que o governo da Venezuela pretende transferir bilhões de dólares em reservas mantidas no exterior para bancos na Rússia, na China e no Brasil. A Venezuela também planeja transferir toneladas de ouro de bancos europeus para os cofres de seu próprio Banco Central.
De acordo com um dos documentos, o governo venezuelano planeja transferir para bancos russos, chineses e brasileiros não identificados US$ 6,3 bilhões em reservas mantidas em instituições como o Banco para Compensações Internacionais (BIS), em Basileia (Suíça), e no Barclays, em Londres, além de transferir 211 toneladas de ouro, avaliadas em US$ 11 bilhões, para os cofres do BC venezuelano em Caracas, onde já são mantidas 154 toneladas do metal.
Funcionários do Ministério das Finanças e do Banco Central da Venezuela se recusaram a comentar essas informações.
Recentemente, altos funcionários do governo têm criticado a dependência da Venezuela em relação ao dólar. No último sábado, o ministro das Relações Exteriores, Nicolas Maduro, disse que o sistema financeiro mundial, baseado no dólar, "entrou em uma crise de incerteza e estamos planejando construir um novo sistema monetário internacional e, especialmente na América do Sul, proteger-nos dessa situação".
O Banco da Inglaterra (BoE) recebeu recentemente uma consulta do governo da Venezuela sobre a transferência das 99 toneladas de ouro que o país sul-americano mantém ali; um porta-voz do BoE recusou-se até mesmo a confirmar se a Venezuela tem algum ouro depositado na instituição. Um porta-voz do BIS, onde a Venezuela mantém US$ 3,7 bilhões em dinheiro e 11,2 toneladas de ouro, também se negou a fazer declarações.
Analistas disseram que a planejada transferência faz pouco sentido do ponto de vista econômico ou financeiro, já que a Venezuela estaria retirando seu dinheiro de bancos seguros em países seguros para colocá-lo em países que não são tão seguros e, talvez, convertê-lo em moedas que não são de reserva, como o yuan chinês, o rublo russo ou o real brasileiro.
"É um grande risco", afirmou José Guerra, ex-funcionário do Banco Central venezuelano. Ele disse ter ouvido falar nos documentos citados pelo Journal e que sua autenticidade foi confirmada por funcionários atuais do BC.
Segundo Guerra, uma possível razão para as transferências planejadas seria o temor da Venezuela de se ver obrigada a pagar bilhões de dólares em indenizações para empresas estrangeiras que levaram o país aos tribunais na tentativa de recuperar perdas sofridas com estatizações. Outro motivo, acrescentou, poderia ser que a China pode ter pedido colaterais para os bilhões de dólares que emprestou à Venezuela.
A economista-chefe da Sintesis Financiera, Tamara Herrera, disse estimar que as indenizações devidas pela Venezuela "estão numa faixa ampla, de US$ 10 bilhões a US$ 40 bilhões, ou até mais. Há muitas negociações em andamento, e as principais, é claro, são com empresas de petróleo".
Um dos documentos a que o Journal teve acesso parece ter sido preparado pelo ministro das Finanças e do Planejamento, Jorge Giordani, e pelo presidente do BC, Nelson Merentes, para aprovação pelo presidente do país, Hugo Chávez. Ele propõe a transferência do ouro e das reservas em dinheiro em no máximo dois meses.
Outro documento, preparado por Maduro, pede a Giordani e Merentes que elaborem um plano para salvaguardar as reservas internacionais venezuelanas, tendo em vista "a recente crise da dívida dos EUA e seu impacto sobre o dólar como moeda de reserva mundial". O documento também diz que a crise norte-americana "ativou todos os sinais de alarme sobre se é conveniente mantermos nossas reservas naquela moeda".
O texto também nota que "as potências do Norte pilharam as reservas internacionais da Líbia. Isso nos leva a refletir sobre a necessidade de elaborar um plano para monitorar e assegurar os recursos que a república mantém em bancos internacionais para honrar seus compromissos no exterior".
Para alguns analistas, a referência à Líbia assinala um possível motivo político para as planejadas transferências. Chávez está em Cuba, submetendo-se a quimioterapia para câncer; ele já anunciou que pretende disputar um novo mandato em 2012. Na opinião desses analistas, a transferência das reservas poderia ser uma medida preventiva para críticas internacionais ou mesmo sanções econômicas que poderiam ser adotadas contra a Venezuela no caso de Chávez tomar alguma atitude drástica, como cancelar as eleições.
"Não é um bom augúrio para a Venezuela", disse o norte-americano Roger Noriega, que foi responsável por Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado dos EUA durante o governo de George W. Bush.
Em entrevista coletiva nesta terça-feira, o deputado oposicionista Julio Montoya disse que "não sabemos se Chávez assinou os documentos".
No ano passado, a Venezuela obteve uma linha de crédito de US$ 20 bilhões do Banco de Desenvolvimento da China, que está pagando com embarques de petróleo. Neste ano, o país obteve duas linhas de crédito de US$ 4 bilhões cada do Brasil e da Rússia. As informações são da Dow Jones.