No Brasil, a pecuária extensiva e o desmatamento associado respondem por 50% das emissões. (Wikimedia Commons)
Vanessa Barbosa
Publicado em 28 de junho de 2011 às 17h24.
São Paulo – A ideia pode parecer bizarra, mas um número cada vez maior de cientistas ao redor do mundo vem se dedicando à produção de carne de laboratório, apontada como solução para acabar com os problemas ambientais relacionados à indústria pecuária e também como antídoto contra a fome mundial – afinal, em 2050, seremos 9 bilhões de habitantes em um planeta de recursos finitos.
Um estudo recente das Universidades de Oxford e Amsterdã mostra que a produção de carne artificial pode reduzir entre 78% e 96% as emissões de gases efeito estufa associadas à produção convencional. “O cultivo em laboratório é uma forma mais eficiente de produzir carne com impactos ambientais substancialmente menores do que os da indústria pecuária atual”, afirma à EXAME.com Hanna Tuomisto, cientista da Universidade de Oxford que dirigiu o estudo.
Mais, o método de produção de carne in vitro usaria até 40% menos energia e entre 82% e 96% menos água. Outra questão ambiental que seria resolvida é a da necessidade de grandes extensões de terra – o cultivo em laboratório exigiria apenas 1% de toda a área ocupada atualmente pela criação de animais ruminantes.
Hoje, pelos pastos do mundo, existem cerca de 1,5 bilhão de cabeças de gado bovino e bilhões de outros ruminantes esquentando o planeta com gás metano, que é liberado na atmosfera pela fermentação no processo digestivo ou pelos dejetos. No Brasil, a pecuária extensiva e o desmatamento associado à ela respondem por metade das emissões nacionais. Diante deste cálculo, o consumo de carne artificial pode levar a um saldo ambiental mais positivo para o planeta.
Tão saudável quanto salmão
De acordo com a pesquisadora, no processo de produção artificial, o animal aparece apenas como um doador de células-tronco. Depois de coletadas, sem risco à vida do bicho, elas são convertidas em célula musculares e cultivadas em um biorreator com substâncias e vitaminas que estimulam o crescimento do tecido. “O resultado final é um bolo de carne moída e não um pedaço de bife, mas ainda assim é carne, só muda o formato”, diz a cientista. Dependendo da espécie do animal doador, tem-se uma porção de carne de boi, de frango ou porco.
A carne in vitro também guarda outra peculiaridade – seu conteúdo nutricional pode ser controlado de modo a se ter um alimento sem gordura alguma ou com algum tipo de gordura saudável, como o ômega 3, presente em peixes como atum e salmão. Por si só, esse já seria um bom motivo para a carne de laboratório cair nas graças de muita gente que sofre com problemas de hipertensão e excesso de peso, condições que normalmente exigem alimentação mais frugal, sem os excessos de uma mesa farta de bifes suculentos.
Mas será que é fácil convencer a população a fazer uma mudança de hábitos alimentares como essa? Segundo Hanna, não há razões para rejeição. “ Muitas pessoas têm medo de novas tecnologias, mas, aos poucos, vão se acostumar a elas", prevê a cientista. "Primeiro, vão comer carne cultivada em alimentos processados, como salsichas e hambúrgueres. E se o gosto é bom e o preço é menor do que o da carne convencional, é muito provável que a maioria das pessoas optem por ela”.
Chegar a esse patamar, no entanto, não será fácil. A produção em laboratório ainda não tem escala comercial nem recursos suficientes. Mas nem tudo está perdido. Segundo Tuomisto, uma vez estabelecida a produção comercial e carne artificial, ela deve se tornar mais barata que a carne convencional ou, pelo menos, ter preço similar à carne de frango. Se com todas essas vantagens destacadas a carne ainda for saborosa, vai ser difícil resistir mesmo.