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Ela ia deixar seu marido, agora a família inteira está morta

No dia em que Megan Short planejava se mudar, seu marido a matou a tiros, matou os três filhos pequenos deles e então se suicidou


	Megan Short e sua família: vítima de abusos, Megan pretendia deixar o marido. No dia da mudança, no entanto, ele a matou
 (Megan Short/Facebook)

Megan Short e sua família: vítima de abusos, Megan pretendia deixar o marido. No dia da mudança, no entanto, ele a matou (Megan Short/Facebook)

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Da Redação

Publicado em 26 de agosto de 2016 às 18h36.

Algumas semanas antes de morrer, Megan Short entrou no Facebook e clicou num artigo sobre maus-tratos emocionais. Intitulado Ele não me bateu. Foi violência, mesmo assim, o texto calou fundo nela.

A autora do artigo, Leigh Stein, descreveu como era sobreviver em um relacionamento abusivo, profundamente doloroso, mas sem violência física. Escreveu que seu ex-namorado empregava um arsenal inesgotável de táticas de agressão contra ela.

Ele a isolava de seus amigos e sua família, a manipulava, controlava cada passo que ela dava, a fazia passar vergonha em público e a sujeitava a “gaslighting" (entenda).

Mas Stein não percebia que era vítima de violência. Não havia ossos quebrados, boletins de ocorrência policial ou passagens pelo setor de emergências de um hospital.

O fato de ela entender a violência doméstica como sendo algo puramente físico não lhe permitia enxergar a realidade da situação que ela própria estava vivendo.

“Eu não sabia que nome atribuir a algo que não conseguia enxergar”, ela escreveu.

Quando Megan Short leu o artigo, um “clique” se fez em sua cabeça.

“Aquilo realmente afeta a saúde mental da pessoa”, ela escreveu em um comentário sobre o artigo, postado no Facebook de sua amiga. Mais tarde, acrescentou: “É por isso que vou encerrar meu casamento... 16 anos.”

Mas ela não teve a chance de fazê-lo.

No dia em que ela planejava se mudar, diz a polícia, seu marido a matou a tiros, matou os três filhos pequenos deles e então se suicidou.

A morte de Megan Short é um exemplo chocante de como a violência emocional –muitas vezes vista como sendo menos grave que a violência física—pode tornar-se fatal.

Ruth Glenn, diretora executiva da Coalizão Nacional Contra a Violência Doméstica, disse que é um equívoco comum achar que apenas os relacionamentos em que há violência física acabam sendo fatais.

“O fato de alguém ser emocionalmente abusivo e não necessariamente fisicamente violento não significa que a mesma dinâmica não esteja presente”, ela comentou.

Glenn explicou que os abusadores ganham poder e controle através da violência que cometem, independentemente de usarem táticas físicas ou psicológicas. Quando a vítima tenta separar-se do relacionamento, a situação pode tornar-se letal, mesmo que o abusador não tenha histórico passado de violência física.

Especialistas dizem que pode ser difícil para as vítimas de violência emocional buscarem ajuda do sistema de justiça criminal.

Na ausência de provas de violência física, as mulheres podem ter dificuldade em atender aos critérios exigidos para a emissão de uma ordem protetora, e sem evidências de ferimentos há limites às ações que a polícia pode adotar.

Ellen Kramer, vice-diretora da Coalizão da Pensilvânia Contra a Violência Doméstica, aconselha às vítimas de abuso emocional procurar ajuda gratuita e confidencial das organizações locais de combate à violência doméstica.

“Pode não haver base legal para uma acusação criminal ou para a emissão de uma ordem protetora, mas sempre há base legal para uma vítima procurar uma entidade local de combate à violência doméstica para pedir ajuda para o planejamento de sua segurança”, ela disse.

“A violência doméstica abrange muito mais do que apenas ferimentos físicos concretos.”

Especialistas dizem que o momento de maior perigo para as vítimas é quando estão tentando sair do relacionamento.

Megan Short pediu ajuda à polícia pela primeira e última vez três semanas antes de ser assassinada, ligando para o número de emergência 911 para denunciar uma briga doméstica em sua casa.

Ela disse à polícia que sentia medo de seu marido. Os policiais lhe explicaram como pedir uma ordem protetora e então foram embora. Mas, como disse o promotor público do condado de Berks, John Adams, em coletiva de imprensa, não havia muito mais que eles pudessem ter feito. Não havia sinais de ferimentos físicos nem evidências para fundamentar uma acusação criminal contra o marido de Short.

No dia seguinte, seu marido saiu para comprar uma arma.

Um esforço está sendo feito no Reino Unido para responsabilizar abusadores por violência doméstica não física. Em 2015, o país promulgou uma lei que criminaliza a violência doméstica “coerciva ou controladora”, que passa a ser passível de punição de até cinco anos de prisão, mesmo que não haja violência física presente no relacionamento.

O assistente social forense e professor emérito da Universidade Rutgers Evan Stark popularizou o termo “controle coercivo” para abranger o padrão de comportamentos usados por abusadores para intimidar suas vítimas.

Stark explicou que a violência doméstica não se limita a um único incidente, mas envolve os esforços do abusador para controlar a vida de sua vítima, privando-a de recursos, ameaçando-a, isolando-a e fazendo com que lhe seja impossível sair do relacionamento.

Segundo ele, são esses comportamentos que deixam a vítima sob risco altíssimo de ser assassinada, mesmo que não haja violência física ou que a violência física seja mínima.

“Baseado nas minhas pesquisas, posso afirmar que se você se basear apenas na presença de ferimentos físicos para identificar um caso como sendo grave, você deixa passar de 95% a 98% de todos os casos de violência doméstica”, ele disse. “Muitas vezes a única agressão física grave é a agressão fatal. Ela vem coroar todo um processo.”

Leigh Stein contou que depois de seu artigo sobre abuso emocional ter sido publicado no “Washington Post”, ela recebeu uma enxurrada de comentários dizendo que não era uma vítima de violência doméstica “de verdade”.

“Falaram que minha situação não era tão ruim assim e que eu só era jovem e burrinha”, ela disse. “Fico arrepiada quando penso em como as coisas acabaram mal para essa outra mulher que se identificou com o meu relato.”

Stein espera que o livro que acaba de lançar, Land ofEnchantment, sobre seu relacionamento abusivo, ajude outras pessoas a reconhecer os sinais sutis de aviso que ela própria ignorou durante anos.

“Não existe violência doméstica física sem a violência psicológica”, ela disse. “É assim que a coisa começa.”

Esse post foi anteriormente publicado no Huffpost Brasil

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