Mercado na Venezuela: apenas 4.800 empresas no país têm os terminais necessários para a moeda (Manaure Quintero/Reuters)
AFP
Publicado em 29 de dezembro de 2019 às 14h00.
Última atualização em 29 de dezembro de 2019 às 14h02.
São Paulo — Leonor Díaz passou cinco horas numa fila diante de uma loja de Caracas na esperança de poder pagar suas compras com petros, a criptomoeda venezuelana usada pelo presidente Nicolás Maduro para conceder um bônus de Natal a funcionários públicos e aposentados.
Na Venezuela, filas não são um fenômeno incomum.
Entre 2014 e 2018, a grave escassez de alimentos que afetava o país com enormes reservas de petróleo obrigou os venezuelanos a ter muita paciência para conseguir alguns suprimentos.
Desde o início do ano, ovos, frutas e carne estão disponíveis novamente nas lojas.
Mas agora é nos postos de gasolina que as filas são formadas devido à falta de combustível e também em frente às lojas que aceitam pagamentos em petro, uma criptomoeda lançada em fevereiro de 2018 pelo governo socialista.
Maduro prometeu meio petro a todos os aposentados e funcionários públicos no Natal. Esse "bônus" equivale a 30 dólares, uma quantia "razoável" em um país onde a inflação em bolívares (200.000% este ano, segundo o FMI) é duplicada por causa dos preços em dólares.
Mas pagar em petro é muito complicado. Segundo dados oficiais, apenas 4.800 empresas em toda a Venezuela têm os terminais necessários para esta moeda.
Daí as filas em frente a essas lojas e a irritação de Leonor Diaz, uma aposentada de 70 anos que decidiu fazer compras em um supermercado de Caracas.
"É uma humilhação. O governo zomba das pessoas e principalmente de nós, os idosos. Não podemos ficar na fila por cinco, seis, sete horas", reclama.
Ao anunciar a criação do petro no final de 2017, Nicolás Maduro pretendia que fosse a "primeira criptomoeda soberana do mundo".
Os economistas a veem, acima de tudo, como uma tentativa de contornar as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos contra Caracas.
Para pagar em petro, existem duas soluções: um sistema biométrico que funciona com impressões digitais ou um aplicativo móvel.
Em uma loja de departamentos em Caracas, Doris Lozada, uma funcionária pública de 55 anos, espera comprar calças e comida com o petro, mas acha o "aplicativo complicado".
E no supermercado onde Leonor Diaz espera na fila, o sistema de pagamento biométrico teve problemas. Mas isso não parece irritar Rafael Espinoza, um aposentado de 66 anos, que também está na fila.
"O petro é bom. Agradeço ao nosso presidente", diz ele.
Publicidade no Twitter, outdoors nas estradas... o governo não está poupando elogios aos benefícios do petro.
"O Petro é uma maravilha, um milagre. É uma experiência única e extraordinária", escreveu Nicolás Maduro no Twitter novamente no sábado.
Os economistas são mais céticos. Asdrubal Oliveros, da empresa Ecoanalitica, considera que o petro não é uma criptomoeda real, mas "um monstrengo".
O governo pretende impor o petro "à força" em um contexto de hiperinflação, onde a confiança na economia e nas finanças "é zero", afirma. "O resultado é que a maioria dos venezuelanos não quer o petro e aposentados e funcionários públicos sofrem as consequências", afirmou.
E o futuro internacional do petro parece comprometido.
Washington proibiu transações com esta criptomoeda e, ao contrário do bitcoin e outras, não está disponível nas plataformas de compra.
Alguns sites de avaliação, como o Icoindex.com, até a qualificam como "uma fraude".