Profissional de saúde lê sinais vitais de um paciente com covid-19, em quarentena dentro de hotel, em Caracas, 18 de agosto de 2020. (Matias Delacroix/Bloomberg)
Bloomberg
Publicado em 25 de agosto de 2020 às 15h40.
Última atualização em 25 de agosto de 2020 às 16h34.
O taxista Juan, 53 anos, testou positivo para covid-19 no mês passado. A médica dele queria poupá-lo do inferno da quarentena obrigatória em abrigos, então ela o mandou para casa. Agentes governamentais descobriram onde ele estava e o levaram para um local em uma favela no oeste de Caracas.
“Passei três dias dormindo sentado em uma cadeira de alumínio”, lembrou o taxista, que pediu que seu sobrenome não fosse publicado. “Nos alimentaram com arroz frio, lentilhas e arepas. O lugar era controlado por milícias armadas e médicos cubanos.” Ele então foi transferido para um estádio no sul da cidade, onde permanece há duas semanas.
A Venezuela registrou poucos casos nos primeiros meses da pandemia, mas agora enfrenta a disparada das infecções e adotou a abordagem chinesa de isolamento forçado, além de outras medidas impositivas.
Com o sistema de saúde sucateado, pouquíssimos testes disponíveis e um setor público disfuncional, os pacientes estão aterrorizados. Eles contam que ficam amontoados durante semanas em galpões imundos onde recebem pouca comida, falta água e seu risco de saúde aumenta.
Junto com a prisão de médicos dissidentes e a humilhação pública de quem viola regras, existe uma sensação de desastre iminente.
Pacientes e seus médicos evitam fazer testes para escapar dos centros de quarentena administrados pelo governo, agravando os riscos e distorcendo os dados.
“Isso funcionou na China, que tem um sistema público de saúde muito mais robusto”, disse Maria Graciela Lopez, presidente da Sociedade de Infectologia do país sul-americano. “A Venezuela já tinha grande falta de profissionais de saúde. As pessoas estão com medo. Agora os pacientes chegam precisando de cuidado intensivo imediato porque ficaram em casa doentes até não aguentarem mais. “
Vários países, incluindo Vietnã, Malásia e Nova Zelândia, conseguiram conter o avanço nos casos aplicando a quarentena obrigatória.
O engenheiro elétrico Luís, 39 anos, passou semanas em quarentena forçada com quase 30 pessoas dentro de uma sala de aula em San Cristóbal, no oeste da Venezuela, após testar positivo quando passou pela fronteira com a Colômbia. Ele passou 45 dias caminhando para seu país natal após perder o emprego no Peru.
“Dormimos em colchões velhos e tão gastos que é quase como deitar no chão”, disse Luís em telefonemas e mensagens de texto. As arepas (pães de milho recheados típicos da culinária local) são tão pequenas que são chamadas de “botões”, disse ele. “Hoje dei a minha para uma criança”, contou. “Elas estão sempre com fome.”
O presidente Nicolás Maduro, que enfrenta punitivas sanções dos EUA, fez questão de anunciar que seu país está seguindo o modelo da aliada China.
“A Venezuela prestou atenção em cada passo e aprendeu grandes lições com a China”, disse Maduro em abril após um telefonema com o presidente chinês Xi Jinping. A nação asiática “inspirou nossas decisões sobre como enfrentar esta pandemia”.
Um grupo de médicos chineses esteve na Venezuela 10 dias antes para oferecer orientações. A Venezuela rapidamente converteu escolas primárias, academias públicas, bibliotecas, delegacias de polícia, motéis e estádios em centros de quarentena.
Mas a situação não evoluiu bem. Testes rápidos frequentemente dão resultados falsamente positivos e assim pessoas saudáveis são colocadas junto com doentes. Crianças e adultos enfermos passam fome. Poucos testes são feitos e os resultados raramente chegam a tempo, quando chegam.
“As condições nesses centros sugerem violações de proteções e direitos humanos básicos”, disse Kathleen Page, professora da Divisão de Doenças Infecciosas da Universidade Johns Hopkins. “Isso parece punitivo e certamente será um desincentivo aos testes. Haverá mais transmissão na comunidade, pois as pessoas que não são diagnosticadas com Covid dificilmente se isolarão por conta própria.”
O Ministério da Saúde da Venezuela e o gabinete da vice-presidência, que supervisiona a resposta à Covid-19, não retornaram vários pedidos de comentário da reportagem.