Mundo

Venezuela: oposição encerra campanha dizendo que eleição é 'última oportunidade' de mudança

País vive uma profunda crise econômica desde 2018 e com 11 anos de madurismo, diplomacia é questionada

Edmundo Gonzáles Urrutia (Gabriela Oraa/AFP)

Edmundo Gonzáles Urrutia (Gabriela Oraa/AFP)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 26 de julho de 2024 às 09h30.

Depois de realizar comícios históricos no interior da Venezuela nas últimas semanas, as principais figuras da oposição venezuelana encerraram uma campanha que despertou enormes expectativas de mudança no país no bairro de Las Mercedes, em Caracas, acompanhadas por uma multidão.

Com poucas bandeiras políticas e muitos cartazes que pediam “liberdade”, “fim do socialismo” e “a volta de nossos filhos”, entre outros, milhares de venezuelanos inundaram a avenida principal de um bairro conhecido por seus restaurantes e escolhido pela oposição na véspera do comício pela segurança que oferece. Desde 2013, quando o presidente Nicolás Maduro foi eleito pela primeira vez, opositores do Palácio Miraflores não entram ao centro da cidade porque esse passou a ser um território do chavismo, no qual, muitas vezes, rivais políticos são alvo de perseguição e violência.

O clima entre os eleitores do candidato que uniu grande parte da oposição, o diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, é de esperança. Muitos admitem ter conhecido Egu, como é chamado por amigos e familiares, recentemente, mas afirmam que o apoio da líder opositora María Corina Machado (inabilitada para disputar eleições e ocupar cargos públicos por 15 anos) é suficiente para decidir seu voto.

São venezuelanos que, em muitos casos, estavam decepcionados com a oposição e resignados. As ondas de protestos e repressão de 2014 e 2017 tiveram enorme impacto em amplos setores da população que, nesta eleição, asseguram ter perdido o medo ao chavismo. Algumas imagens que podem ser vistas em Caracas e nos comícios no interior confirmam essa afirmação, entre elas a participação em massa de motociclistas em eventos opositores. Os chamados “motorizados” sempre foram sinônimo de seguidores do chavismo porque, de fato, durante muitos anos foram uma presença permanente em eventos dos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Paralelamente, estiveram durante esses anos identificados com grupos armados que perseguiam opositores. Hoje, muitos motociclistas participam de comícios opositores, uma novidade dos últimos tempos.

O que mais se ouve entre os opositores é que esta eleição é “nossa última oportunidade”. A frase é um dos mantras de María Corina, que desde sua esmagadora vitória nas primárias opositoras de outubro do ano passado se tornou líder absoluta da oposição — apesar de manter uma relação conflituosa com a maioria de seus dirigentes. A parceria entre María Corina e Edmundo é claramente estratégica, e muitos se perguntam como continuará em caso de eventual vitória de um candidato de 74 anos que nunca atuou em política e, até agora, parece seguir as orientações da líder — pelo menos nas decisões mais importantes. Antes do comício, ambos assinaram uma declaração conjunta se comprometendo a, entre outras coisas, buscar consensos no país. A unidade é essencial para uma eventual vitória eleitoral, e María Corina e Edmundo — e seus colaboradores com experiência que operam nos bastidores — sabem bem disso.

"Precisamos que todos, desde cedo, estejam ativos. Quem defende o voto de vocês?", perguntou María Corina, que recebeu a mesma resposta que em todos os comícios: "Nós!". "Esta é uma luta espiritual, vamos de mãos dadas com Deus. Até o final!".

Ao seu lado, Edmundo sorriu e concordou.

"Teremos a jornada eleitoral mais importante de nossa História, pelo retorno de nossos filhos e netos, por uma Venezuela livre!", disse Edmundo, puxando o hino nacional na sequência.

Em Las Mercedes, essa unidade foi exibida sem fissuras, e animou eleitores como o estudante de direito Ricardo Campos, de 22 anos.

"Tenho esperanças pela primeira vez em muito tempo, e não quero ir embora do meio país como foram tantos jovens. Precisamos ganhar, disse ele, emocionado.

Outro jovem ao seu lado segurava um cartaz que dizia “quando o medo morre nasce a liberdade”. Essa é outra constatação de quem observa a política venezuelana desses tempos: a perda do medo ao chavismo.

Apesar da perseguição a María Corina, que teve vários de seus colaboradores presos e tem alguns refugiados em embaixadas, os eleitores da oposição se mostram destemidos. Quando pergunta-se por que, a resposta costuma ser a mesma: o cansaço e a sensação de que o chavismo já não é tão forte como em outros tempos.

No último comício opositor em Caracas, familiares de presos políticos exibiram fotos dos perseguidos, exigiram sua liberdade e circularam com um cartaz que dizia “Por eles, voto no dia 28”. A demanda de liberdade foi central na campanha opositora, assim como a promessa de que a vitória de Edmundo permitiria o retorno ao país dos milhões de venezuelanos que, por motivos políticos ou econômicos, foram embora. Ninguém sabe ao certo quantos são, mas as estimativas de ONGs locais oscilam entre 4 e 9 milhões de pessoas, num país de 28 milhões de habitantes. Pouco se falou sobre propostas de governo, e pouco se sabe sobre o que faria a oposição se vencer a eleição.

María Corina focou toda a campanha em promessas que permitiram a ela construir uma conexão emocional com seus seguidores. Algo muito similar ao que fez Chávez na campanha de 1998 — tanto que uma vez no poder fez tudo o que disse que não faria durante a campanha.

Houve match entre a líder opositora que até pouco tempo era vista como representante da elite e amplos setores da sociedade que estão cansados, em suas palavras, de viver num país "autoritário", "que expulsa nossos familiares" e no qual "não existe futuro para ninguém que não seja chavista".

A professora Marisabel Ramos é mãe de três filhos, todos morando atualmente no exterior. Divorciada, ela passa seus dias sozinha, falando diariamente com todos os filhos por chamada de vídeo. Recentemente, se tornou avó, mas ainda não conseguiu conhecer sua primeira neta.

"É muito triste, diria que um desgarro na alma. Votarei por Edmundo, a quem praticamente não conheço, porque é minha única esperança. Meus filhos querem voltar, mas somente se houve uma mudança no país", conta Marisa, que está otimista.

A oposição venezuelana instalou entre seus seguidores a sensação de que vencer a eleição é a única opção. Quando a possibilidade de que Maduro seja reeleito surge numa conversa, em geral o eleitor opositor faz cara feia e garante que isso é impossível. Fala-se em fraude, repetindo o discurso de María Corina nas últimas semanas. Para os opositores, não existe a menor possibilidade de que o presidente seja reeleito. Seus gritos de guerra são “liberdade”, “vai cair [o governo de Maduro]”, "sim, é possível" e “até o final”.

Em Las Mercedes, com o candidato, sua família e María Corina iluminados com as luzes dos celulares de seus seguidores, o clima de esperança atingiu seu ápice, faltando apenas três dias para a eleição mais difícil para o chavismo desde sua chegada ao poder, em 1999. Se a participação oscilar entre 70% e 80%, como estimam alguns analistas, a que é vista como a última oportunidade poderia determinar o fim do ciclo chavista.

 

Acompanhe tudo sobre:VenezuelaEleiçõesNicolás MaduroMaria Corina Machado

Mais de Mundo

Justiça da Bolívia retira Evo Morales da chefia do partido governista após quase 3 décadas

Aerolineas Argentinas fecha acordo com sindicatos após meses de conflito

Agricultores franceses jogam esterco em prédio em ação contra acordo com Mercosul

Em fórum com Trump, Milei defende nova aliança política, comercial e militar com EUA