Mundo

Venezuela tem novo caos institucional com ataque de helicóptero

Para o cientista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela, em Caracas, ataque com helicóptero foi um ato isolado

Ataque na Venezuela: há quem se pergunte se tudo não passou de uma encenação

Ataque na Venezuela: há quem se pergunte se tudo não passou de uma encenação

DR

Da Redação

Publicado em 28 de junho de 2017 às 16h44.

Última atualização em 28 de junho de 2017 às 22h08.

Em meio à maior onda de protestos da história recente da Venezuela, que já deixou 72 mortos desde abril, um piloto e detetive da Polícia Científica, acompanhado de quatro homens encapuzados e armados com fuzis-metralhadoras, sobrevoou Caracas nesta terça-feira com um helicóptero da corporação, exibindo uma bandeira com os dizeres “liberdade” e “350”, número do artigo da Constituição que prevê que “o povo desconhecerá o regime, legislação ou autoridade que contrarie os valores, princípios e garantias democráticos ou viole os direitos humanos”.

Antes do sobrevoo, o detetive, chamado Óscar Pérez, divulgou um vídeo no qual convocava as Forças Armadas e os venezuelanos a saírem às ruas, ocuparem as bases militares de todo o país e exigir a renúncia do presidente Nicolás Maduro. Nem os policiais nem o helicóptero foram encontrados depois da manifestação.

Maduro, que qualificou o ato de “terrorista”, acusou os policiais de terem feito 15 disparos contra a sede do Ministério do Interior, onde várias pessoas assistiam a uma cerimônia, e de lançar quatro granadas contra o Tribunal Supremo de Justiça. Ninguém ficou ferido. Um repórter da agência Associated Press ouviu disparos enquanto o helicóptero sobrevoava o centro da cidade a baixa altitude, mas não pôde confirmar de onde vinham. Também foram ouvidas explosões na sede do Ministério do Interior.

No vídeo de 4 minutos e meio, distribuído pelas redes sociais, Pérez aparece na frente de quatro homens encapuzados, com fardas camufladas e fuzis-metralhadoras, e diz que fala “em nome do Estado”: “Somos uma coalizão de funcionários militares, policiais e civis na busca do equilíbrio e contra esse governo transitório criminoso”.

No vídeo, que lembra o pronunciamento na TV do então tenente-coronel Hugo Chávez, antes de se render, em sua tentativa de golpe de 1992 (seis anos antes de se eleger presidente), o policial assegura: “Não temos tendência político-partidária. Somos nacionalistas, patriotas e institucionalistas”.

Pérez afirma que “este combate não é com o resto das forças de segurança do Estado, mas contra a impunidade imposta por este governo, contra a tirania, as mortes dos jovens que lutam por seu direito legitimo, contra a fome, a falta de saúde, o fanatismo”.

Citando Jesus Cristo (a quem Chávez também recorria constantemente, em um país profundamente católico e sincretista), o policial convoca todos os venezuelanos a “sair à rua em Caracas para o Forte Tiuna e no interior do país para cada base militar para que nos reencontremos com nossos irmãos das Forças Armadas nacionais e juntos recuperemos nossa linda Venezuela”.

Ele explica que a “mobilização aérea e terrestre” que ocorreria na terça-feira teria como “único fim devolver ao povo o poder democrático e assim fazer cumprir as leis para restabelecer a ordem constitucional”. Mas além do sobrevoo não houve registros de outros incidentes.

Referindo-se à milícia formada pelo governo e aos grupos armados irregulares que atuam no país, ele diz: “É nosso dever, como funcionários de segurança do Estado, desarticular esses bandos paramilitares para assim devolver a paz ao povo de (Simón) Bolívar (herói da independência, no qual Chávez se inspirava)”.

Pérez exige a renúncia imediata de Maduro e seu ministério e a convocação de eleições gerais, e conclui com um apelo aos militares: “A ti, companheiro, irmão de luta, temos duas opções — ser julgados amanhã por nossas consciências e o povo ou a partir de hoje livrar a nossa gente deste governo corrupto. Somos guerreiros de Deus e nossa missão é viver a serviço do povo. Viva a Venezuela!”

Em sua página no Facebook, Pérez aparece fazendo trabalhos voluntários, por exemplo com crianças com Síndrome de Down. Além de piloto, ele é mergulhador e agente da Brigada de Ações Especiais da polícia. E participou do filme venezuelano Morte Suspensa, de 2016, além de projetos cinematográficos com o objetivo de “construir consciência cidadã”.

Há quem se pergunte se tudo não passou de uma encenação. Diego Moya-Ocampos, especialista em Venezuela da consultoria IHS Markit Country Risk, de Londres, disse a EXAME Hoje que suas fontes desconfiam de que o ato possa ter sido orquestrado pelo governo, para verificar quem apoiaria a rebelião e realizar novos expurgos nas Forças Armadas.

“Mas é certo que elementos das Forças Armadas, sobretudo nas patentes intermediárias, estão descontentes, enquanto a maioria dos oficiais superiores está alinhada com o governo, porque está envolvida em negócios lucrativos”, analisa Moya-Ocampos.

Para o cientista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela, em Caracas, foi um ato isolado.

“Ele não representa um grupo”, disse Romero a EXAME Hoje. Mas, sim, demonstra que há fissuras no setor militar. É um ponto a mais na crescente dissidência. A situação geral se agravou”. Mas, segundo o cientista político, “ainda falta” para que os dissidentes reúnam força suficiente para ameaçar o governo.

Tanto Romero quanto Moya-Ocampos estranham que o helicóptero não tenha sido interceptado, em pleno centro de Caracas. Ainda mais com a importância que o próprio presidente lhe conferiu: “É o último ataque extremista da direita que estamos enfrentando e vamos derrotar”. Maduro afirmou que Pérez foi subordinado do ex-ministro do Interior Miguel Rodríguez Torres, um general da reserva que exerceu o cargo entre 2013 e 2014.

Como outros chavistas, Rodríguez passou a criticar o governo depois de Maduro lançar a proposta de uma Assembléia Constituinte, sem que se tenha realizado um referendo para aprovar sua convocação.

Suspeita-se que o impopular presidente pretenda mudar a Constituição para aumentar seus poderes, neutralizar a oposição, que tem maioria absoluta na Assembleia Nacional, e permanecer no cargo após 2019, quando seu mandato termina, depois de eleições previstas para 2018.

Outra chavista que rompeu com o governo foi a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, que passou a criticar Maduro depois que o Tribunal Supremo de Justiça, controlado pelo regime, assumiu os poderes da Assembleia Nacional, no fim de março.

O Tribunal recuou, diante das pressões internas e internacionais, mas os venezuelanos continuaram protestando diariamente contra o governo, pela combinação de desabastecimento e falta de liberdades democráticas.

Na defensiva, os chavistas lançaram a ideia da Constituinte, e a procuradora-geral também se opôs, entrando com ação de inconstitucionalidade no Tribunal Supremo. Agora, os chavistas falam em destituí-la e processá-la.

“A dissidência da procuradora-geral é real e muito importante, porque representa uma fratura no chavismo”, atesta Moya-Ocampos. “É a pessoa de mais alto escalão que o confrontou institucionalmente, e é uma figura muito poderosa.”

Os manifestantes continuam nas ruas de Caracas e de outras cidades venezuelanas nesta quarta-feira. E Maduro, perigosamente na defensiva.

Acompanhe tudo sobre:Crises em empresasExame HojeNicolás MaduroVenezuela

Mais de Mundo

Trump nomeia Robert Kennedy Jr. para liderar Departamento de Saúde

Cristina Kirchner perde aposentadoria vitalícia após condenação por corrupção

Justiça de Nova York multa a casa de leilões Sotheby's em R$ 36 milhões por fraude fiscal

Xi Jinping inaugura megaporto de US$ 1,3 bilhão no Peru