O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o presidente dos EUA, Donald Trump: Bolsonaro se encontrará com mandatário americano nesta semana (Montagem/Exame)
Gabriela Ruic
Publicado em 16 de março de 2019 às 06h00.
Última atualização em 16 de março de 2019 às 06h00.
Dentre as mais importantes metas anunciadas para o encontro entre Bolsonaro e Trump na próxima semana está a indicação de possíveis acordos econômicos entre Brasil e Estados Unidos. Ainda que não esteja claro quais exatamente os objetivos do governo Bolsonaro nesse campo, para alguém que chegou ao poder prometendo um aprofundamento das relações com os Estados Unidos, a busca por algum tipo de acordo comercial faria sentido.
A boa notícia para Bolsonaro é que a relação pessoal com Trump deve fluir de forma positiva. A má notícia é que isso não deve ter muita importância.
Um fator que não pode ser negligenciado em qualquer negociação com os Estados Unidos é a importância do Congresso americano em questões de política externa. Acordos que necessitam de aprovação do Congresso têm um tempo próprio. É extremamente comum serem iniciados com um presidente e finalizados por outro.
As negociações para o NAFTA, por exemplo, começaram por iniciativa do presidente mexicano Carlos Salinas em 1990, mas o tratado foi assinado nos estertores do governo do Republicano George Bush em 1992 e ratificado pelo Congresso apenas sob o Democrata Bill Clinton, em 1993. Importante notar que, mesmo após anos de negociação e apoio de dois presidentes de partidos diferentes, o NAFTA foi aprovado com uma margem de apenas 34 votos na Câmara dos Representantes, que conta com 435 membros.
Da mesma forma, Peru e Colômbia iniciaram conversas com os Estados Unidos sob a presidência de Bush-filho, mas esses acordos foram implementados apenas durante o governo Obama. O caso do Chile é ainda mais gritante. Desde 1992 os chilenos almejavam um tratado comercial com os Estados Unidos, e Bill Clinton chegou a concordar em incluir o Chile no NAFTA. Porém, Clinton encontrou dificuldades no Congresso e o Chile acabou assinando acordos separados com o Canadá e com o México, mas não com os Estados Unidos. Apenas em 2003, com Bush, o Chile finalmente conseguiria assinar um acordo comercial com o país norte-americano.
A menção a esses casos passados também serve para ilustrar as dificuldades na comparação com o atual contexto. Quando o NAFTA foi aprovado, Clinton estava em seu primeiro ano de mandato e contava com sólida maioria Democrata na Câmara e no Senado. Além disso, o Democrata foi eleito com um discurso que enfatizava as virtudes do livre-comércio. Mesmo nessas condições, menos da metade dos Democratas nas duas casas legislativas votaram a favor do NAFTA.
O principal crítico do acordo durante a campanha presidencial de 1992 era Ross Perot, um milionário populista sem experiência política que se vendia como um “outsider” e concorreu como candidato independente. Perot acabou tendo a melhor performance da história entre os candidatos independentes à presidência dos Estados Unidos ao angariar quase 20% dos votos naquela eleição. O bom desempenho de Perot, tirando votos sobretudo dos setores mais conservadores do eleitorado, é considerada uma das principais razões pela não-reeleição de Bush.
Desde 2016, o cenário é bastante distinto. Os Republicanos elegeram um presidente que lembra mais Perot que Bush. O partido Democrata, por outro lado, está cada vez mais distante das visões liberais de Clinton, com um número crescente de apoiadores que se auto denominam socialistas. Dentre os candidatos do partido que têm se apresentado para as eleições de 2020, poucos defendem abertamente o livre-comércio.
Em 2016, Hillary Clinton encontrou dificuldades para bater Bernie Sanders pela nomeação do partido Democrata. Sanders teve como uma de suas principais bandeiras de campanha naquele ano a rejeição ao Tratado Transpacífico (TPP), negociado por Obama com o apoio de Clinton. Sanders já está novamente em campanha e suas posições são hoje mais populares no partido do que as de Hillary Clinton, que por sua vez já anunciou que está fora da disputa pela presidência.
As eleições de 2020 podem ser as primeiras da história recente dos Estados Unidos sem nenhum candidato dos principais partidos a empunhar a bandeira da liberalização comercial. Nesse contexto, as condições para um acordo do Brasil com os Estados Unidos são muito menos auspiciosas que as encontradas pelos países Latino-Americanos mencionados acima. E o Brasil, ao contrário de México, Peru, Colômbia e Chile, ainda teria que equacionar restrições impostas pelo Mercosul.
Além disso, o grau de polarização no atual ambiente político nos Estados Unidos é consideravelmente mais alto do que no passado recente, o que tem levado a constantes paralisias no governo americano e cada vez menos cooperação entre os dois partidos no Congresso.
Um exemplo para se prestar atenção é o caso do novo NAFTA (rebatizado como USCMA), renegociado por Trump e atualmente parado no Congresso com poucas chances de ser aprovado sem modificações relevantes. Já circulam comentários em Washington que a líder do partido Democrata e presidente da Câmara Nancy Pelosi não facilitaria a aprovação do acordo, isto que isso seria visto como uma vitória de Trump. Isso é uma pequena ilustração de como a polarização política tem impedido a construção de consensos domésticos nos Estados Unidos.
A conclusão óbvia é que, se o governo brasileiro considerar que seu único interlocutor é Trump, estará cometendo um erro colossal. Adicionalmente, se levarmos em conta o histórico da atual presidência americana em termos de negociações comerciais, o governo brasileiro deveria ter razões adicionais para ser cauteloso. Trump tem uma visão basicamente mercantilista das relações internacionais, que interpreta a existência de déficits comerciais como uma evidência de que os demais países tiram vantagens dos Estados Unidos.
Um alerta para o Brasil nesse sentido foi a recente decisão do governo Trump de suspender o tratamento tarifário preferencial dado à Índia por fazer parte do Sistema Geral de Preferências (SGP), que beneficia países em desenvolvimento, e do qual o Brasil também é parte. A alegação da administração Trump foi que a Índia não teria sido capaz de assegurar aos Estados Unidos, que tem um déficit comercial de mais de 20 bilhões de dólares com o país, um “acesso razoável e equitativo” ao mercado indiano. Isso, apesar de o país ser um importante aliado dos Estados Unidos e o primeiro-ministro Narendra Modi ter boa relação pessoal com Trump.
A vantagem de Bolsonaro é que os Estados Unidos possuem um superávit comercial com o Brasil que mais do que dobrou entre 2016 e 2018. Mas isso não vai adiantar de nada se o presidente não agir estrategicamente e priorizar relações pessoais de curto prazo.
*Carlos Gustavo Poggio é professor dos cursos de relações internacionais da FAAP e da PUC-SP, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, e coordenador do NEPEU – Núcleo de Estudos sobre a Política Externa dos Estados Unidos.