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Um jornal eletrônico contra os tabus

Mariana Prado Zanon, de Montpellier O jornal eletrônico francês Mediapart é, até onde se sabe, a prova que informação de qualidade poder ser sim um negócio rentável. Nascido na esteira da crise que afetou — e a inda afeta — os jornais impressos, o Mediapart coloca em cheque um modelo de negócio comum na internet: […]

MARINE LE PEN: contra a candidata de ultradireita, o Mediapart investiga sua atuação como eurodeputada / Thierry Chesnot/ Getty Images (Getty Images/Getty Images)

MARINE LE PEN: contra a candidata de ultradireita, o Mediapart investiga sua atuação como eurodeputada / Thierry Chesnot/ Getty Images (Getty Images/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2017 às 07h54.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h13.

Mariana Prado Zanon, de Montpellier

O jornal eletrônico francês Mediapart é, até onde se sabe, a prova que informação de qualidade poder ser sim um negócio rentável. Nascido na esteira da crise que afetou — e a inda afeta — os jornais impressos, o Mediapart coloca em cheque um modelo de negócio comum na internet: informação gratuita, dependência de um alto volume de audiência e, por consequência, da publicidade. Criado pelos ex-jornalistas do Le Monde Diplomatique François Bonnet, Laurent Mauduit, Marie-Hélène Smiéjan e Edwy Plenel o site não aceita anunciantes. E, mesmo assim, terminou o ano de 2016 no azul, com um lucro de 1,9 milhão de euros e um faturamento de 11 milhões. Como? Graças, sobretudo, aos 130.0000 assinantes que acreditam no valor do bom jornalismo contra os desmandos e delitos dos políticos franceses.

Lançado oficialmente em março 2008, o site acabou de completar 9 anos com uma equipe 74 funcionários e uma redação no coração de Paris. Sob o lema “somente os leitores podem nos comprar”, o objetivo do jornal digital é garantir a independência do trabalho dos jornalistas e informação de qualidade para os leitores. Por uma mensalidade de 9 euros (equivalente a 30 reais), o acesso ao conteúdo do site é livre e ilimitado. Na carta editorial de lançamento escrita por Plenel, um dos fundadores e editor chefe do Mediapart, diz que “a assinatura funciona como um modelo de associação, uma parceria entre o leitor e o jornalista.” Para ele, pagar para acessar as notícias é a única maneira de garantir ao leitor a qualidade editorial e a verdadeira transparência editorial.

Com três atualizações diárias às 9h, 13h e 19h, em versões em inglês e espanhol, o Mediapart possui três páginas principais. O le journal (o jornal), seção em que os jornalistas publicam artigos e reportagens investigativas; o le club (o clube), espécie de fórum para que os assinantes possam contribuir em edições participativas e discutir sobre os temas do jornal; e, por fim, o le studio (o estúdio), que disponibiliza fotos, podcasts e exibe transmissões ao vivo em streaming. Além disso, integrado ao Mediapart está o FrenchLeaks, espécie de WikiLeaks francês dedicado à divulgação de documentos de interesse público para franceses e europeus.

“Quando a ideia foi lançada, um protótipo do site ficou no ar até conseguirmos a soma de 3 milhões de euros para ser lançado oficialmente”, explica a jornalista internacional do site Géraldine Delacroix. “Destes três milhões, 1,3 milhão foram fornecidos pelas contribuições pessoais dos fundadores. O restante veio de doações e de investimentos de sociedades parceiras do Mediapart”, afirma. Segundo Géraldine, se o Mediapart fosse um veículo impresso seria necessário um investimento pelo menos três vezes maior.

Com reportagens investigativas mais aprofundadas do que as produzidas pela imprensa diária, o Mediapart ficou conhecido por publicar reportagens baseadas em documentos oficiais de contas públicas do governo. “O fato de chamar o leitor e o cidadão para repensar o debate político fez com o Mediapart decolasse”, diz Géraldine. O primeiro pontapé rumo ao “sucesso” foi a reportagem sobre os gastos exorbitantes de Rachida Dati, porta-voz de Nicolas Sarkozy durante a campanha presidencial de 2007 e ministra da Justiça em 2008. Dati, em apenas 3 meses no cargo, gastou dois terços das “despesas de representação” atribuída para o ano de 2008 com recepções, viagens, restaurantes e despesas pessoais. Era um verdadeiro escândalo no ano em que a crise econômica reinava na Europa.

Dois anos mais tarde, em junho de 2010, o Mediapart revelou a existência e o conteúdo de gravações feitas em 2009 e 2010, na casa de Liliane Bettencourt, herdeira do grupo de cosméticos L’Oréal. Os registros feitos pelo mordomo sugeriam que a bilionária francesa teria cometido o crime de evasão fiscal com a ajuda do ministro do trabalho, Eric Woerth — que também acumulava o cargo de tesoureiro do partido do governo Sarkozy, o UMP e atual Republicanos. Woerth foi acusado de tráfico de influência, já que sua mulher trabalhava na empresa Clymène, que administrava a fortuna de Bettencourt. Woerth também teria feito vista grossa à suposta evasão fiscal da herdeira, além de ter recebido doações ilegais de Bettencourt para a campanha de Sarkozy, em 2007. “O caso, Woerth-Bettencourt fez o Mediapart saltar de 25.000 assinantes para 46.000 assinantes em algumas semanas”, comenta a jornalista da redação.

Em março e abril de 2012, duas reportagens publicadas indicavam que o regime do ditador líbio Muammar Kadhafi teria financiado — com 50 milhões de euros — a campanha de Nicolas Sarkozy, em 2007. Sarkozy, na época candidato à reeleição em 2012, acusou o Mediapart de calúnia, difamação e perseguição. O caso ainda corre pelos tribunais franceses. “O governo francês tentou minimizar a importância das acusações por terem como origem um site”, diz Géraldine. “Porém, o Mediapart goza do mesmo peso e influência da mídia impressa e mostra a verdadeira dimensão da mídia do futuro, sem um suporte material e tátil porém com a mesma credibilidade”, completa.

Em defesa da democracia

O Mediapart passou a agir sob o tema “uma liberdade ainda frágil” e afirmando que o quarto poder da mídia deveria ser o “cão de guarda da democracia” reforçando seu compromisso de transparência com o leitor. Segundo a jornalista, o Mediapart defende um “radicalismo democrático” e a luta por uma imprensa livre. “A liberdade de imprensa não é um privilégio dos jornalistas, mas um direito dos cidadãos. É nesta tecla que nós batemos”, diz.

O modelo de negócio do Mediapart não somente contradiz analistas que apostaram no projeto do jornal digital pago como “natimorto” como também aqueles que colocam em questão a tradição do jornalismo investigativo minucioso e longo. “Sob o pretexto da revolução digital, muitos pensam que não espaço para nada além dos formatos curtos e efêmeros, da mensagem em 140 caráteres, do imediatismo”, explica Jean-Pierre Tailleur, jornalista analista de mídias e autor do livro Bévues de presse: L’information aux yeux bandes (Asneiras da impressa: A informação de olhos vendados), onde analisa e critica a “má qualidade” da imprensa francesa, especialmente no exercício de reportagens investigativas.

“O Mediapart, assim como o Huffington Post nos Estados Unidos, o Animal Político no México e o La Silla Vacía na Colômbia estão fazendo escola no jornalismo digital. Um jornalismo rico e aprofundado que usa o poder rejuvenescedor e livre do digital para divulgar informação públicas e fidelizar a comunicação com os jovens”, diz Tailleur.

O Mediapart gosta de dizer que possui metade da circulação do Le Monde e do Le Figaro juntos, mesmo sendo um veículo digital. Outro detalhe importante: os jornalistas são pagos de forma adequada. O site não depende do trabalho de estagiários e consegue criar uma percepção de que o jornalismo independente e digital funciona, e possivelmente representa o modelo de jornalismo mais interessante em termos econômicos. “Na França o jornal digital Mediapart abriu as portas para a nova imprensa de combate político e de investigação em uma época onde a população está incrédula com a política”, completa Tailleur.

Há poucas semanas da eleição presidencial francesa, o site vem revelando detalhes do caso em que o candidato François Fillon, dos Republicanos, é acusado de ter empregado a mulher como funcionária fantasma de seu gabinete de deputado, entre os anos de 1998 e 2002. O Mediapart também publica furos de reportagem sucessivos sobre outra candidata à presidência, a líder de ultradireita Marine Le Pen. A presidente do partido Frente Nacional é acusada de ter empregado um guarda-costas particular com dinheiro do seu gabinete no Parlamento Europeu. Os dois políticos — assim como Sarkozy no passado — negam qualquer irregularidade.

“Dizer que é mentira é a primeira forma de se defender”, diz Géraldine. Enquanto os políticos, de qualquer lugar, seguem com os mesmos expedientes despudorados, o Mediapart vai seguir perseguindo a verdade — e lucrando com isso.

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