Macron: presidente francês deve ter eleição mais disputada no segundo turno do que em 2017 (Nathan Laine/Bloomberg/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 9 de abril de 2022 às 18h01.
Última atualização em 9 de abril de 2022 às 21h14.
A França enfrenta uma acirrada eleição neste domingo, 10, com o presidente Emmanuel Macron tentando seguir no cargo enquanto vem caindo nas pesquisas.
Se vencer, Macron se tornará o primeiro presidente francês a conseguir ser reeleito em 20 anos. No entanto, a impopularidade do governo entre alguns grupos e o aumento da inflação ameaçam sua reeleição, sobretudo na figura da direitista Marine Le Pen, favorita para chegar ao segundo turno, em 24 de abril.
Com 67 milhões de pessoas, a França tem o sétimo maior produto interno bruto do mundo (o segundo maior da União Europeia, atrás da Alemanha), e o resultado francês será observado com atenção por seus impactos na economia mundial.
O vencedor influenciará nas decisões sobre questões geopolíticas e econômicas centrais, como o pós-coronavírus, a guerra na Ucrânia e, para o Brasil, temas como o acordo Mercosul-União Europeia e pressões ambientais.
Veja abaixo tudo sobre a eleição francesa e as propostas dos candidatos favoritos.
Macron lidera nas pesquisas às vésperas da eleição, mas sua vantagem há um mês era maior.
Na média das últimas sondagens, Macron tem cerca de 26% dos votos, contra 23% de Marine Le Pen, candidata da extrema-direita pelo partido Reunião Nacional.
Em terceiro vem Jean-Luc Mélenchon, do esquerdista França Insubmissa, com 17%.
Mélenchon e Le Pen ganharam seis pontos cada em março, enquanto Macron perdeu quatro pontos.
O cenário caminha para repetir a última eleição, em 2017, quando Macron e Le Pen já disputaram o segundo turno.
Mas com grande número de indecisos e potencial abstenção, Mélenchon ainda tem chances matemáticas de surpreender e chegar ao segundo turno.
Na véspera da votação, é proibido divulgar pesquisas de opinião e fazer campanha na França.
Depois disso, as seções eleitorais vão abrir às 8h do domingo, ainda na madrugada brasileira (3h de Brasília). Alguns territórios no exterior têm urnas abertas já no sábado, devido ao fuso horário.
As seções fecham a partir das 20h (15h de Brasília), e os resultados começarão a ser divulgados na sequência.
Oficialmente, a eleição francesa tem 12 candidatos, da esquerda à direita.
Como já havia acontecido em 2017, a eleição francesa em 2022 tem sido novamente marcada por um apagamento dos partidos tradicionais.
A aposta da centro-direita tradicional, hoje aglutinada no partido Os Republicanos (o mesmo do ex-presidente Nicolás Sarkozy) foi Valérie Pécresse. Mas a candidata não passou dos 10% dos votos nas pesquisas.
Em algumas sondagens, Pécresse ficou até mesmo atrás de Éric Zemmour, comentarista que ganhou espaço com discursos de extrema-direita (ele chegou a ocupar o segundo lugar nas pesquisas, mas perdeu votos para Le Pen).
Já na centro-esquerda, a candidata principal era a prefeita de Paris desde 2014, Anne Hidalgo, do Partido Socialista (do ex-presidente François Hollande).
Conhecida em Paris pelas regras para desincentivar o uso de carros, Hidalgo nunca engrenou e amarga somente 2% dos votos. (Hidalgo, como Macron e Mélenchon, recebeu em novembro passado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando o brasileiro esteve na França.)
Enquanto isso, tanto Le Pen quanto Mélenchon podem ser vistos como relativos "outsiders", vindos de grupos que, embora existissem na política francesa antes, ganharam espaço na última década em meio à crise econômica e insatisfação popular com os partidos tradicionais.
Esse também é o caso para Macron, que é ex-banqueiro e teve seu primeiro cargo eletivo somente ao chegar à presidência em 2017, prometendo renovação política.
Macron cresceu nas pesquisas no começo do ano, em meio à guerra na Ucrânia e seu protagonismo nas negociações com o presidente russo, Vladimir Putin.
O tema passou a ser classificado como prioritário entre os eleitores franceses - o que era prejudicial a Le Pen, que chegou a imprimir material de campanha ao lado de Putin, antes da guerra.
Mas com o conflito na Ucrânia passando de 40 dias, o assunto perdeu tração e questionamentos antigos ao governo Macron voltaram à tona.
E ainda, como efeito indireto da guerra, a inflação crescente de combustíveis, energia e alimentos virou tema central na campanha, o que começou a pesar contra o governo Macron.
Cartazes dos candidatos na França: Macron, Le Pen e Mélenchon lideram
Le Pen tem focado sua campanha no aumento do custo de vida, prometendo melhores salários e aposentadorias. Estes são temas onde Macron, que defende reformas trabalhistas e previdenciárias, é criticado.
Já as pautas tradicionais de Le Pen e da extrema-direita, como o discurso anti-imigração e anti-União Europeia, são ainda fortes entre parte da população, mas menos importantes hoje do que eram em 2017 (apenas dois anos depois da grande crise migratória europeia em 2015, em que mais de 1 milhão de imigrantes sírios chegaram à União Europeia). As questões de imigração estão sempre associadas, no programa de Le Pen, às pautas econômicas, e ela tem afirmado que o foco é a "imigração legal".
Além disso, para alguns analistas, a existência de Zemmour - visto como mais à direita do que Le Pen em temas nacionalistas, como a EXAME mostrou - serviu para suavizar a imagem da candidata da Reunião Nacional.
Há projeções de que a abstenção pode ser uma das maiores da história recente, na casa dos 30%, o que deve impactar os resultados.
Cientistas políticos acreditam que o pleito pode superar o recorde de abstenção do primeiro turno da eleição de 2002 (28,4%).
Na ocasião, a abstenção ajudou a levar para o segundo turno o ultradireitista Jean-Marie Le Pen (pai de Marine Le Pen), tirando o Partido Socialista do páreo. O pleito terminou com vitória para o conservador Jacques Chirac e uma "frente ampla" de esquerda e direita contra Le Pen no segundo turno, mas a eleição daquele ano é até hoje um marco para a política francesa.
Em 2017, a abstenção também já havia sido relativamente alta, de 22,2%.
"A indecisão também é um sinal do cansaço democrático", disse neste sábado, 9, o jornal Le Parisien, para o qual o fio condutor da campanha é a inquietação dos franceses "com o mundo que os cerca e seu futuro imediato", mas sem um consenso, como reporta a agência AFP.
No sábado, Paris teve ainda protestos de eleitores ligados à pauta ambiental, que reclamaram que o tema foi pouco discutido na campanha entre os principais candidatos e pediram transição mais rápida da França à energia limpa.
Além da insatisfação generalizada do eleitorado, há uma discussão grande na França sobre a campanha eleitoral ter demorado a começar.
O próprio Macron focou os últimos meses na guerra e quase não teve eventos de campanha e apresentação de propostas para um segundo mandato, o que, para analistas, deu espaço para Le Pen crescer e ajudou no desinteresse do eleitorado.
Macron é ainda visto como favorito para vencer, mas o segundo turno em 24 de abril é uma incógnita.
A segunda vaga na etapa final da eleição também será crucial: Macron se deslocará para a direita ou para a esquerda no discurso a depender de quem for seu oponente, se Le Pen ou Mélenchon.
Em 2017, Macron venceu Le Pen no segundo turno com 66% dos votos. Desta vez, as pesquisas apontam uma disputa muito mais acirrada. Já contra Mélenchon, Macron pode vencer com mais facilidade.
Para o segundo turno, os cenários em 8 de abril são os seguintes, na média das pesquisas:
A França caminha para novamente poder ter um segundo turno sem um representante da esquerda, como já ocorreu em 2017.
Juntos, os candidatos identificados como de esquerda têm na casa dos 25% dos votos. Os da direita, como Le Pen, Zemmour e Pécresse, tem mais de 40%.
O candidato mais bem posicionado da esquerda, Mélenchon (que já havia ficado em terceiro na eleição passada), foi relativa surpresa na reta final destas eleições.
O candidato da França Insubmissa vem angariando votos em meio à rejeição histórica do eleitorado de esquerda frente a Macron (que é visto como de direita por alguns grupos) e com a pouca força do Partido Socialista.
Ainda assim, é fato que a esquerda encolheu na França, ao menos na capacidade de lançar presidenciáveis. Em parte, porque alguns votos pragmáticos têm ido para Macron - por ter mais chance de vencer a extrema-direita e por posições progressistas nos costumes e certas pautas ambientais.
Além disso, a esquerda assistiu à perda de espaço dos socialistas, que até então dominavam esse espectro político, sem que outros partidos herdassem a totalidade desses votos.
No começo da campanha, a candidata socialista, Anne Hidalgo, chegou a sugerir uma "frente única" da esquerda, mas a ideia não foi adiante. Além de Hidalgo e Melénchon, há ainda outros candidatos fragmentados, como Fabien Roussel, do Partido Comunista, e Yannick Jadot, dos Verdes, com menos de 4% dos votos cada.
Se em 2017 Macron chegava aos holofotes da política francesa como novidade, é em um cenário muito diferente que os franceses vão às urnas em 2022.
Foi em meio à fragmentação partidária que o próprio Macron se elegeu como "outsider" na última eleição - em um cenário de insatisfação com os partidos tradicionais que se construiu desde a crise europeia pós-2008, não só na França como em outros países da Europa.
Economista formado pelas melhores faculdades da França, Macron é ex-banqueiro e foi ministro nos governos de centro-esquerda, com quem rompeu para fundar o partido Em Marcha antes da eleição de 2017.
Desde então, seu governo sofre oposição da extrema-direita e da esquerda. Sua taxa de aprovação não passou de 50% durante o mandato.
Logo no começo, o governo foi ainda alvo de alguns dos maiores protestos da história da França com o movimento dos Coletes Amarelos em 2018. Os atos começaram por insatisfação com preços e terminaram caminhando para um levante mais à direita.
O presidente francês também não conseguiu entregar todas as reformas prometidas, impopulares entre parte do eleitorado. Com a pandemia, Macron cancelou uma reforma da Previdência que tentava aprovar, mas deve voltar ao tema se for reeleito.
Mesmo após mais de quatro anos no cargo, Macron é até hoje visto como inacessível, defensor de interesses dos mais ricos (o que lhe rende críticas em todos os espectros políticos) e com pouca conexão com os franceses mais pobres.
A inflação e pressões energéticas com a guerra na Ucrânia estão entre os principais temas da eleição de 2022. A inflação francesa chegou a 4,5% em março, e vem em trajetória crescente.
Ainda assim, a França tem maior fatia da energia vinda de usinas nucleares do que vizinhos europeus, o que ajudou a inflação a ser menor do que em outros países (na Alemanha, a inflação está acima de 7%, e na Espanha, perto de 10%).
Macron, por sua vez, tenta usar a seu favor a recuperação econômica pós-pandemia: a França cresceu 7% em 2021, a maior alta anual em meio século.
O desemprego também caiu, e Macron tem dito que mais de 1 milhão de negócios foram criados, o que afirma ser devido à confiança na economia gerada por seu governo.
No combate à covid-19, houve críticas e protestos recentes contra medidas como o passaporte da vacina para frequentar estabelecimentos - na ocasião, Macron chegou a dizer que o objetivo era "irritar muito" os não-vacinados.
Ainda assim, quase 80% da população da França se vacinou com duas doses, um número que foi visto como positivo dado o histórico anti-vacina do país. A França também conseguiu ter menos mortes per capita do que a média da União Europeia.
As restrições passadas da pandemia (como os lockdowns durante o auge de casos) não são, portanto, o principal dos motivos que levou à queda de Macron nas pesquisas. Sondagens mostram que a pandemia, no momento, não está entre os assuntos prioritários para o eleitorado.