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Trump X Irã: muito além de um acordo nuclear

Presidente americano, Donald Trump, força seus aliados na Europa a renegociarem os termos do acordo nuclear com o Irã

Hassan Rouhani: presidente iraniano é um reformista moderado que enfrenta divisões

Hassan Rouhani: presidente iraniano é um reformista moderado que enfrenta divisões

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Da Redação

Publicado em 14 de janeiro de 2018 às 08h57.

Última atualização em 14 de janeiro de 2018 às 12h38.

Ao longo da campanha, e mesmo depois de assumir, o presidente Donald Trump manteve uma retórica demolidora em relação a todas as políticas às quais se opõe, do comércio ao clima, passando pela imigração e pelos conflitos no Oriente Médio e na Ásia. Entretanto, na prática, nem sempre ele opta pela ruptura. Em uma parte dos casos, a retórica se revela apenas uma posição de negociação, para extrair concessões.

Até aqui, o acordo nuclear com o Irã, por ele definido como “o pior da História”, encaixa-se na segunda categoria. Nessa sexta-feira, Trump manteve o acordo, mas pressionou por mudanças, a serem negociadas com os parceiros europeus que também são seus signatários, num prazo de 120 dias. Pelo menos segundo assessores da Casa Branca ouvidos anonimamente pela imprensa americana, o presidente não manterá o acordo depois desse prazo, se não for atendido.

As mudanças desejadas por Trump incluem a ampliação do chamado “breakout time”, o prazo estimado para a fabricação de uma bomba nuclear com o urânio enriquecido disponível no Irã. O acordo atualmente permite que esse prazo oscile entre dois meses e um ano. O presidente americano quer fixá-lo em um ano.

O combustível pode ser enriquecido em até 5% para atividades civis, como geração de energia, por exemplo. Para fazer uma bomba, essa porcentagem deve ser elevada a 95%. Isso leva um tempo, que depende do número de centrífugas empregadas.

Trump também quer liberar os Estados Unidos para impor sanções com prazo indeterminado. O acordo atualmente exige que elas tenham um prazo para acabar. O presidente quer também intensificar as fiscalizações da Agência Internacional de Energia Atômica, e estendê-las a todas as instalações nucleares iranianas.

Por agora, o governo americano vai adotar sanções individuais contra 14 funcionários e entidades do regime iraniano, envolvidas em violações dos direitos humanos e no programa de desenvolvimento de mísseis balísticos.

A figura mais proeminente da lista é Sadegh Larijani, dirigente do Poder Judiciário, responsabilizado pelas duras punições contra manifestantes e opositores. Ele é também irmão de Ali Larijani, presidente do Parlamento e importante personalidade do regime.

Entre as entidades punidas estão o Conselho Supremo do Espaço Cibernético e um órgão a ele subordinado, o Centro Nacional do Espaço Cibernético, encarregado de fiscalizar a internet. Essa represália está relacionada com a suspensão momentânea do aplicativo de troca de mensagens Telegram e a rede de compartilhamento de imagens Instagram, durante os protestos da virada do ano.

A medida revela o desejo do governo Trump de pressionar contra a repressão imposta pelo regime às manifestações. Os protestos de fato influíram na decisão de Trump de não romper o acordo, segundo assessores do presidente e analistas ouvidos pela imprensa americana.

Isso porque as manifestações expuseram a divisão entre o presidente Hassan Rouhani, um reformista moderado, e os conservadores ligados ao líder espiritual Ali Khamenei.

Os protestos começaram no dia 28 em Mashhad, segunda cidade iraniana, por causa do aumento do preço dos ovos. Esse aumento era o primeiro sinal das consequências do orçamento para o próximo ano fiscal, que começa em abril. A

lei, aprovada pelo Parlamento a portas fechadas, prevê cortes nos subsídios aos alimentos, combustíveis e serviços públicos, ao mesmo tempo em que mantém as verbas para as entidades religiosas e aumenta os gastos do Corpo dos Guardas Revolucionários, que apoia Khamenei.

Há uma versão de que assessores de Rouhani teriam vazado o orçamento, para expor os conservadores. Os protestos aparentemente foram instigados em Mashhad pelo grupo do principal adversário de Rouhani nas eleições do ano passado, o clérigo conservador Ebrahim Raisi. Ou seja, o objetivo era condenar a gestão da economia por parte do governo.

Entretanto, ao se espalharem pelo Irã, as manifestações incluíram como alvo o regime e o líder espiritual.

Trump e seus assessores aparentemente entenderam que, se rompessem o acordo nuclear agora, dariam força aos conservadores nessa disputa de poder com os reformistas. Afinal, o líder espiritual permitiu a eleição e reeleição de Rouhani, em 2013 e 2017, respectivamente, para possibilitar a assinatura e manutenção do acordo nuclear, de modo a pôr fim às sanções comerciais contra o petróleo iraniano, que levaram à inflação, desemprego e erosão do poder de compra da população.

A economia iraniana não melhorou, porque os investimentos não voltaram. Os bancos internacionais temem sanções americanas se intermediarem negócios com o Irã, como ocorreu com o francês BCP Paribas em 2015, condenado a multas de quase 9 bilhões de dólares pela Justiça dos EUA.

Além disso, o Corpo dos Guardas Revolucionários controla algumas das atividades mais lucrativas, como a construção civil e as montadoras de automóveis, e possui até um banco, o que trava o dinamismo e a livre concorrência no país.

No médio prazo, o objetivo de Trump é inibir a projeção do Irã sobre o mundo árabe. Essa projeção tem vários vetores. Um deles é o patrocínio à milícia xiita libanesa Hezbollah, que detém uma espécie de poder de veto sobre a política no Líbano, por causa de seu poderio militar, e que também tem atuado para salvaguardar os interesses do Irã em conflitos, como ocorreu na Síria, onde lutou a favor da ditadura de Bashar Assad, combatendo não só o Estado Islâmico mas também a milícia árabe e curda treinada e armada pelos Estados Unidos.

Trump retomou a estreita aliança com a Arábia Saudita, principal rival regional do Irã. Sob Barack Obama, as relações tinham esfriado, a partir da conclusão do ex-presidente de que grupos terroristas sunitas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico se inspiravam na seita wahabita, originária da Arábia Saudita, e recebiam ajuda financeira de famílias sauditas e de países vizinhos a ela alinhados.

Em sua visita a Riad em maio, Trump exigiu, em troca do apoio, que os sauditas se distanciassem do terrorismo islâmico e do wahabismo. O sucessor do trono saudita, Mohammed bin Salman, tem adotado medidas nessa direção.

Irã e Arábia Saudita travam uma guerra por procuração no Iêmen, que desde 2015 já deixou cerca de 10 mil mortos. O Irã apoia a milícia Houthi, que representa a minoria de um terço de xiitas da população, e a Arábia Saudita, o governo do presidente Abdrabbuh Mansur Hadi, vinculado à maioria sunita.

O outro aliado visado por Trump na confrontação com o Irã é Israel, que encara a teocracia xiita como sua maior ameaça.

O presidente americano no entanto sofreu pressões de aliados importantes na Europa. Tanto a chanceler alemã, Angela Merkel, quanto o presidente francês, Emmanuel Macron, fizeram apelos para que ele não rompesse o acordo nuclear, firmado entre Irã e EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Rússia e China.

Na véspera do anúncio de Trump, a italiana Federica Mogherini, responsável pelas relações exteriores da União Europeia, exortou “todas as partes a continuar cumprindo o acordo”, e enfatizou que ele “está funcionando”.

Os europeus consideram o acordo bem-sucedido em bloquear o desenvolvimento de armas nucleares pelo Irã, que era afinal o seu objetivo. Para Trump, no entanto, há muito mais coisa em jogo.

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